Painel de Bordo do CPC2015 #3: Análise das hipóteses de cabimento específicas do Recurso Especial

15/04/2016

Por Belmiro Fernandes – 15/04/2016

Leia também as partes #1 e #2.

1. Introdução.

Na série Painel do Bordo do Novo CPC, apresentaremos os aspectos técnicos e mais relevantes quanto à aplicação de velhos e novos institutos. Nosso propósito não é – neste momento – o aprofundamento acadêmico e reflexivo sobre o conteúdo jurídico do código, mas sim de orientar os leitores (especialmente estudantes e profissionais da prática) sobre a melhor forma de manejo da técnica processual no novo código.

O tema de hoje é o cabimento específico do recurso especial no CPC2015. Os demais artigos da série podem ser encontrados aqui.

Esperamos que leiam e façam suas críticas através dos seguintes canais de comunicação:

- Twitter @profbelmiro

- Facebook: http://www.facebook.com/professorbelmirofernandes

- Instagram: @professorbelmiro.

2. Cabimento no recurso especial.

O recurso especial, diferentemente do extraordinário, é dirigido apenas contra acórdãos e decisões que sejam provenientes de tribunais[1]. Portanto, não cabe recurso especial frente decisões de colegiados e turmas de juizados especiais, sendo, paradoxalmente, sua aplicação mais restritiva.

Assim como o RE, o RESP também tem base constitucional, sendo aplicado às hipóteses restritivas constantes nas alíneas “a” a “c” do artigo 105, inciso III, da CF/88.

2.1. Artigo 105, inciso III, alínea “a”.

O primeiro preceito trata do cabimento do recurso especial contra decisão que contrariar ou negar vigência a tratado ou a lei federal. Soma-se à sua variante a não aplicação de lei em vigor ou ainda sua aplicação equivocada.

Frente à intensa produção jurisprudencial em nosso país e à universalização do acesso às fontes de pesquisa legislativa, mostra-se cada vez mais rara esta modalidade de utilização.

Revela-se bastante útil no caso de leis ainda recém promulgadas, especialmente quando trazem uma grande alteração de normas diante de um sistema que outrora estava em vigor e que, por isto, era aplicado praticamente de forma automática.

Há de se destacar, à guisa de exemplo, a Lei Brasileira da Inclusão[2], que alterou o regime de capacidades secularmente previsto nos códigos civis brasileiros e que, seguramente, necessita – como se diz no jargão popular – de um tempo para “pegar” na sociedade, sendo devidamente aplicada, sendo uma potencial base para novos recursos especiais com fundamento no artigo 105, III, alínea “a”.

2.2. Artigo 105, III, alínea “b”.

A segunda situação refere-se a toda decisão em que um tribunal julga válido ato (administrativo) de governo local, que fora contestado em face de lei federal.

Em outras palavras, o governo local aplicou uma lei federal equivocadamente, o que chama à necessidade de o STJ se posicionar quanto ao tema.

Situações como estas acontecem, com grande frequência, na esfera tributária, em razão de sua extensa e complexa legislação. Colacionamos o julgado abaixo, que se refere a um aspecto da hipótese de incidência do ICMS e seus reflexos em sua cobrança.

RECURSO ESPECIAL. ART. 105, INCISO III, ALÍNEAS A E B DO INCISO III DO ART. 105 DA CF. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. TRIBUTÁRIO. ICMS. COMINHO IMPORTADO DE PAÍS SIGNATÁRIO DO GATT. ISENÇÃO. SÚMULA N. 20 DO STJ. 1. O prequestionamento dos dispositivos legais tidos como violados é requisito indispensável à admissibilidade do recurso especial. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça posicionou-se no sentido de que "o cominho in natura, importado para comercialização, sem sofrer nenhum processo de industrialização, está isento do ICMS, pois há similar nacional isento" (REsp n. 63.879/SP, Segunda Turma, relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 9.10.2000). 3. "A mercadoria importada de país signatário do GATT é isenta do ICM, quando contemplado com esse favor o similar nacional" - Súmula n. 20 do STJ. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido (STJ - REsp: 416077 SP 2002/0021853-5, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 27/06/2006,  T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 02.08.2006 p. 232). (grifos nossos). 

Nota-se que Estado não reconheceu a isenção de ICMS no cominho in natura, embora fosse mercadoria constante no acordo de comércio do GATT, que assegura reciprocidade na isenção de determinados produtos constantes no rol nele presentes.

Em outras palavras, o tribunal local (estadual) considerou válida a cobrança de ICMS para a citada mercadoria, o que fora feito ao arrepio de uma lei federal (o tratado do GATT), de modo que não haveria outra saída para o contribuinte a não ser a utilização do recurso especial.

Salienta-se que – mais uma vez – é cada vez mais rara a verificação de uma situação como esta sem que tenha havido um precedente semelhante em outro tribunal, conduzindo o recorrente a fundamentar seu RESP também na alínea “c”, evitando o seu não conhecimento.

2.3. Artigo 105, III, alínea “c”.

Trata da hipótese de divergência jurisprudencial que, de longe, representa o maior número de recursos especiais interpostos.

À guisa de exemplo, encontraremos muitos debates quanto à prescrição em matéria tributária, com abordagem em relação aos seus prazos, como ao início de sua contagem e à sua suspensão ou interrupção, como se pode constatar no acórdão abaixo:

TRIBUTÁRIO - IMPOSTO DE RENDA - APOSENTADORIA COMPLEMENTAR - PREVIDÊNCIA PRIVADA (CESP) - ISENÇÃO - LEIS 7.713/88 E 9.250/96 - PRESCRIÇÃO - TEMA PRECLUSO - C.F., ART. 105, III - PRECEDENTES. - Há que ser reconhecida a preclusão do tema atinente à prescrição, já que não houve decisão da instância "a quo" sobre a matéria. - Impõe-se observar o momento do recolhimento da contribuição para estabelecer-se a incidência ou não do Imposto de Renda sobre as verbas de complementação da aposentadoria pagas pela previdência privada. - Recolhidas as contribuições sob a égide da Lei 7.713/88, os benefícios e resgates não sofrerão nova tributação por força do advento da Lei 9.250/95. Somente os benefícios recolhidos a partir de janeiro de 1996, termo inicial de vigência da nova lei, sofrerão a incidência do imposto. - Na hipótese, na inicial, o recorrente pleiteou a restituição do IRPF recolhido na vigência da Lei 7.713/88, razão porquê impõe-se a reforma do julgado quanto ao tema. - Recurso especial conhecido e provido parcialmente. (STJ - REsp: 510118 DF 2003/0036195-1, Relator: Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Data de Julgamento: 05/10/2004,  T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: <!-- DTPB: 20041122</br> --> DJ 22/11/2004 p. 304) (Grifos nossos).

A missão do STJ será, assim, uniformizar o direito federal. Para tanto, o recorrente terá de seguir os seguintes passos:

a) Identificar as questões de natureza federal;

b) Localizar um acórdão paradigma de outro tribunal;

c)Comparar as situações analiticamente, item a item das decisões.

Ficando demonstrada a divergência, o recurso será admitido e conhecido.

Chama-se atenção quanto ao último passo, pois não se trata apenas de colacionar as decisões, mas de examinar seu inteiro teor, fazendo-se uso dos repositórios oficiais de jurisprudência[3], cotejando o acórdão paradigma em face do acórdão questionado, fundamento por fundamento, aspecto por aspecto.

Considerações finais.

O recurso especial possui base constitucional, tendo seu cabimento regido, de forma estrita, pelos artigos 105, incisos III, alíneas “a” a “c”.

Da mesma forma que ocorre com o recurso extraordinário, é preciso cuidado quanto ao enquadramento das hipóteses a cada alínea, sob pena de o recurso não ser admitido ou conhecido, pelo uso inadequado da alínea. Não são poucos os precedentes que deixam de conhecer o recurso especial em razão da fundamentação se basear em uma alínea e, na verdade, pertencer à outra.

Quanto à probabilidade de seu cabimento, a situação prevista na alínea “b” é mais comum nas causas que envolvam diretamente a atividade da Administração Pública estadual no manejo das leis federais, especialmente em matéria tributária.

Caso contrário, a maior probabilidade de incidência do recurso especial será, inexoravelmente, quanto à alínea “c”, porque é a referente à divergência jurisprudencial. Consigna-se a recomendação de que o causídico analise detidamente o acórdão paradigma, não apenas se baseando em excertos jurisprudenciais, visto que o propósito prioritário do recurso especial é a uniformização do direito federal e, ato contínuo, o beneficiamento do recorrente.

No próximo número, trataremos sobre o processamento dos recursos extraordinário e especial, os recursos repetitivos e as alterações trazidas quanto a este aspecto pelo CPC de 2015.


Notas e Referências:

[1] Sobre o cabimento do recurso extraordinário, consultar nosso artigo sobre o tema, em http://emporiododireito.com.br/painel-de-bordo-do-cpc2015-2/

[2] LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015.

[3] Atualmente, os sítios oficiais dos tribunais superiores são aceitos como repositórios oficiais de jurisprudência, o que não ocorria no passado, em que se fazia necessária a consulta a publicações especializadas impressas.

BUENO, C. S. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC. São Paulo: Saraiva, 2015.

COUTO, M. B. A repercussão geral da questão constitucional e seus reflexos no âmbito do recurso extraordinário no processo brasileiro. São Paulo: No prelo, 2009. Disponivel em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp106922.pdf>. Acesso em: 12 Março 2016.

MEDINA, J. M. G. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

NEVES, D. A. A. Manual de Direito Processual Civil - Volume Único. São Paulo: Método, 2015.

RECURSOS Especial e Extraordinário no Novo CPC. Direção: Coordenação Gilberto Bruschi e Darlan Barroso. Produção: Curso de Extensão sobre o Novo CPC - Teoria e Prática Prática. Intérpretes: Mônica Bonetti COUTO. [S.l.]: Damásio Educacional. 2015.


Belmiro Fernandes. Belmiro Fernandes é advogado, mestre em direito econômico pela Universidade Federal da Bahia, especialista em direito processual pena Faculdade Damásio de Jesus/DeVry, professor de direito processual civil da Universidade Salgado de Oliveira e da Estácio/BA e associado do escritório de advocacia MB Poças e Albuquerque Advogados e Associados..


Imagem Ilustrativa do Post: Wing Tip // Foto de: Phil Roeder // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/tabor-roeder/10466693115

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura