Painel de Bordo do CPC2015 #1: Teoria Geral dos Recursos Excepcionais

21/03/2016

Por Belmiro Fernandes – 21/03/2016

Leia também as partes #2 e #3.

1. Introdução.

Na série Guia do Novo CPC, apresentaremos os aspectos técnicos e mais relevantes quanto à aplicação de velhos e novos institutos. Nosso propósito não é – neste momento – o aprofundamento acadêmico e reflexivo sobre o conteúdo jurídico do código, mas sim de orientar os leitores (especialmente estudantes e profissionais da prática) sobre a melhor forma de manejo da técnica processual no novo código.

O tema de hoje é a regulação dos Recursos Especiais e Extraordinários no Novo CPC. Inicialmente, revisaremos suas hipóteses de cabimento comuns, para enfrentarmos suas peculiaridades. Na sequência, examinaremos a reforma do instituto dos recursos repetitivos e, por fim, serão apresentadas algumas orientações práticas quanto ao manejo dos referidos instrumentos, que pelo amor à didática serão apenas mencionados daqui por diante como “RE” (recurso extraordinário) e “RESP” (Recurso Especial), assim como Novo CPC será referenciado apenas como “CPC2015”.

Devido à sua extensão, o texto foi dividido em partes. No tema de hoje, apresentaremos o panorama geral das mudanças, bem como as hipóteses de cabimento comuns a ambos recursos.

Esperamos que leiam e façam suas críticas, aproveitando também para informar que quaisquer dúvidas podem ser tiradas pelo Twitter @profbelmiro e pela página http://www.facebook.com/professorbelmirofernandes.

2. Panorama dos RE e RESP no CPC2015.

Os RE e RESP estão regulados no CPC2015 dos artigos 1.029 ao 1.041[1]. Por envolverem matéria constitucional, não se pode dispensar a leitura dos artigos 102, inciso III (RE) e 105, inciso III (RESP), ambos da CF/88.

Sob o ponto de vista geral, nota-se que o sistema de RE e RESP não foi tão alterado quanto se alardeou. Em suma, percebe-se que o legislador tentou eliminar a jurisprudência defensiva[2], de modo a valorizar a primazia do mérito. No que tange, por outro lado, ao processamento, pouco foi alterado, inclusive porque os RE/RESP têm regramento constitucional, dificultando a margem de criatividade do legislador ordinário.

Por outro lado, o tema dos recursos repetitivos foi bastante alterado, de modo a conferir maior segurança jurídica tanto às partes, quanto ao seu propósito, que é o evitar decisões contraditórias em processos idênticos, como se analisará mais adiante.

Estudar o tema dos recursos excepcionais se revela árido para muitos estudantes e operadores do direito por algumas razões.

Primeiramente, o manejo dos RE/RESP requer o domínio de técnicas próprias. Impede, por exemplo, que uma apelação bem-sucedida seja “reaquecida no micro-ondas” para servir de base a um recurso excepcional. Isto, simplesmente, não irá funcionar, porque é necessária uma estruturação toda especial da peça, que apresenta premissas muito particulares.

Outra razão é que os RE/RESP não integram o dia a dia qualquer advogado. Em sua rotina, os profissionais do direito conhecem de perto - e muito bem! – o manejo dos embargos declaratórios, da apelação e do agravo. Por outro lado, os RE/RESP não são assim tão íntimos, existindo até mesmo profissionais que se especializam na advocacia em instâncias superiores.

Nota-se, porém, que tais bloqueios podem ser superados se os requisitos específicos dos RE/RESP forem devidamente conhecidos e dominados, o que requer uma leitura atenta dos dispositivos e o apego a itens que não podem deixar de ser enfrentados na sua redação.

3. Características (ou requisitos de admissibilidade) comuns dos RE/RESP[3].

O RE e o RESP são instrumentos próximos. Embora tenham suas características próprias, comungam de um modo de elaboração muito peculiar, sendo possível afirmar a existência de uma teoria geral dos recursos excepcionais (COUTO, 2009, p. 43).

Nove são as características que os diferenciam de outros recursos.

Primeira característica: são recursos dirigidos a tribunais superiores.

Os recursos excepcionais foram criados pela Constituição com esta finalidade, de se dirigirem a tribunais superiores (também chamados de tribunais de superposição). Este acesso, porém, não é irrestrito, porque as hipóteses de seu cabimento são rigidamente previstas na Constituição. Como consequência, o legislador ordinário não pode alterar hipótese de cabimento de RE e RESP, seja para aumentar, seja para restringir sua incidência. 

Segunda característica: sua fundamentação é vinculada.

Conforme se depreende da leitura dos artigos 102, III e 105, III, ambos da CF/88, suas hipóteses estão previstas de maneira taxativa, em um rol fechado, que também não pode ser aumentado pela vontade do recorrente.

Comparando-se com a apelação, por exemplo, é possível alegar uma série de matérias, como erro de fato; má aplicação da lei; ausência de oitiva sobre determinado documento (cerceamento de defesa); injustiças que tenham ocorrido com a parte, dentre outras.

Diante disto, os tribunais superiores têm exigido a indicação precisa na petição de interposição de qual é o permissivo constitucional que se está invocando para recorrer[4].Isto é imperioso, sob o reconhecimento da inépcia recursal. 

Terceira característica: seu propósito é a restauração do direito objetivo (constitucional e infraconstitucional).

Esta característica também se na técnica de redação dos recursos, pois o que preocupa ao STJ ou ao STF é a violação – respectivamente – aos textos infraconstitucional e constitucional.

Logo, recomenda-se no exercício da prática que o recorrente não mencione aspectos fáticos ou injustiças, como que a parte ficou doente, está desemprega, ficou depressiva etc[5].

Inexoravelmente, com o restabelecimento do direito objetivo redundará na reparação do direito subjetivo.  

Quarta característica: é necessário o prévio esgotamento das instâncias ordinárias.

Isto não é necessariamente novo, pois vem previsto nas súmulas 281 do STF[6] e 207 do STJ[7].

Em outras palavras, antes de se tentar ir às instâncias excepcionais, é preciso ter a palavra final no tribunal local. Por exemplo, o relator do tribunal local pode, monocraticamente, reputar que o recurso é evidentemente infundado ou manifestamente improcedente.

Diante disto, não cabe sobre a decisão monocrática interposição direta de RE/RESP, porque não é ainda a decisão final do tribunal sobre a causa. Neste caso, deve-se interpor o agravo interno[8].

Assim, da decisão colegiada, que será a palavra final do tribunal, é que se poderá fazer o caminho para o STJ e para o STF[9].

Quinta característica: Juízo de admissibilidade bipartido ou desdobrado.

A petição de interposição do RE e do RESP não entra direto no STJ/STF. Neste caso, a interposição ocorre perante o tribunal local (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal). Somente após o exame de sua admissibilidade é que o recurso sobe para as instâncias excepcionais.

É preciso notar que o artigo 1.030 do CPC2015 sofreu alteração ainda durante a vacância, recebendo acréscimos que restauram a admissibilidade no juízo a quo, com diversos requisitos aos quais remetemos o leitor a uma leitura atenta[10].

Diante do cumprimento de tantos requisitos, é de se notar que muitos recursos acabarão por ficar “represados” no tribunal de origem, especialmente quanto ao novo sistema de precedentes implementado com o CPC2015.

Sexta característica: permitem a execução (“provisória”) na sua pendência. Logo, a dita execução provisória é, na verdade, definitiva, porém oriunda de uma decisão provisória. A diferença é que se apenas fosse provisória, os atos de constrição do patrimônio do réu não poderiam ir além da mera apreensão. Todavia, de acordo com o sistema em vigor (desde as últimas alterações para o Código de Processo Civil de 1973, inclusive), vai-se muito mais além do que a mera apreensão, pois pode haver o levantamento da verba ou a apreensão do bem, desde que caucione[11].

Assim, a parte poderá obter a carta de sentença e iniciar a execução contra quem recorreu.

Sétima característica: Os RE/RESP não se destinam à correção de mera injustiça da decisão.

O propósito dos recursos excepcionais não é revisar fatos ocorridos ao longo do processo. Isto se encontra há muito tempo previsto em diversos precedentes, como nas súmulas 279[12] e 454[13] do STF e na súmula 07[14] do STJ.

Como já dito, a correção do direito objetivo ocasionará invariavelmente a alteração na situação jurídica das partes, porém é importante compreender que este efeito é apenas reflexo, nunca devendo ser compreendido como uma decorrência dos RE/RESP.

Oitava característica: exigem prequestionamento.

Traço comum dos recursos excepcionais é que tenham a matéria sido “ventilada” nas instâncias ordinárias, ainda que através dos embargos declaratórios.

Para tanto, faz-se necessária a leitura do artigo 1.025 do CPC2015, que estabelece “Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

O dispositivo assegura o princípio da primazia do mérito, pois mesmos os embargos não admitidos servirão como prequestionamento, o que encontrava algumas divergências na sistemática anterior.

Nona e última característica: repercussão geral. 

Trata-se de requisito ainda admitido somente para a interposição do recurso extraordinário. Todavia, deve-se ter atenção à movimentação do legislativo[15] quanto à extensão de requisito semelhante também para o recurso especial, o que demonstra ser uma tendência de uniformização do ordenamento jurídico pátrio.

Até o presente momento, este futuro instituto tem sido denominado “requisito de admissibilidade por relevância nacional”.

4. Considerações finais.

Dada sua base constitucional, os recursos especiais e extraordinários não teriam como sofrer profundas alterações em sua estrutura, posto que seu cabimento se encontra previsto na Carta Magna, cabendo à legislação processual civil aprimorar sua operacionalização.

O manejo de ambos é desafiador porque escapa à rotina da maioria dos profissionais do direito. Quando necessária sua redação, exigem bastante pesquisa e redação especificamente técnica, de modo permitir o seu adequado processamento.

No segundo texto de nossa série, abordaremos os requisitos específicos para interposição dos recursos excepcionais, bem como as principais alterações em seu processamento.


Notas e Referências:

[1] Deve-se ter muita atenção às alterações empreendidas pela lei nº 13.256/2016, que modificou grande parte das inovações – as mais radicais, diga-se de passagem – tanto nos RE/RESP quanto em outros institutos jurídicos.

[2] Entende-se por jurisprudência defensiva o conjunto de técnicas e argumentos dos tribunais superiores no sentido de evitarem a subida de recursos, muitas vezes se valendo de expedientes puramente formalistas, evitando a todo custo examinar o mérito.

[3] A divisão em características é fruto do trabalho de sistematização da professora Mônica Bonetti Couto, durante aula ministrada no Curso de Extensão sobre o Novo CPC, promovido pelo Damásio Educacional (Recursos Especial e Extraordinário no Novo CPC, 2015).

[4] Por exemplo, recorre-se com base no artigo 102, inciso III, mas sobre qual alínea? Alínea “a”; alínea “b”; alínea “c”...?

[5] Se a pessoa está doente, é necessário invocar o dispositivo constitucional para o RE e o artigo de lei infraconstitucional para o RESP.

[6] “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”.

[7] “É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem”.

[8] Conhecido também como “agravinho” ou “agravo regimental”.

[9] No regime do Código de 1973, ainda era necessário ajuizar embargos infringentes, para se tentar o julgamento uniforme, conforme demonstra a súmula 207 do STJ.

[10] Art.  1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:  I – negar seguimento; a)  a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral; b)  a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos; II – encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos; III – sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se trate de matéria constitucional ou infraconstitucional;    IV – selecionar o recurso como representativo de controvérsia constitucional ou infraconstitucional, nos termos do § 6º do art. 1.036;  V – realizar o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, desde que: a)  o recurso ainda não tenha sido submetido ao regime de repercussão geral ou de julgamento de recursos repetitivos; b)  o recurso tenha sido selecionado como representativo da controvérsia; ou c)  o tribunal recorrido tenha refutado o juízo de retratação. §  1º Da decisão de inadmissibilidade proferida com fundamento no inciso V caberá agravo ao tribunal superior, nos termos do art. 1.042. §  2º Da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021.

[11] Sendo verba alimentar, nem a caução é necessária.

[12] “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.

[13] “Simples interpretação de cláusulas contratuais não dá lugar a recurso extraordinário”.

[14] “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

[15] Sobre o tema, vide a PEC nº 209/2012, que visa inserir o § 1º ao artigo 105 da CF/88, com o seguinte texto: “§ 1º No recurso especial, o recorrente deverá demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos membros do órgão competente para o julgamento."

COUTO, M. B. A repercussão geral da questão constitucional e seus reflexos no âmbito do recurso extraordinário no processo brasileiro. São Paulo: No prelo, 2009. Disponivel em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp106922.pdf>. Acesso em: 12 Março 2016.

RECURSOS Especial e Extraordinário no Novo CPC. Direção: Coordenação Gilberto Bruschi e Darlan Barroso. Produção: Curso de Extensão sobre o Novo CPC - Teoria e Prática Prática. Intérpretes: Mônica Bonetti COUTO. [S.l.]: Damásio Educacional. 2015.


Belmiro Fernandes. Belmiro Fernandes é advogado, mestre em direito econômico pela Universidade Federal da Bahia, especialista em direito processual pena Faculdade Damásio de Jesus/DeVry, professor de direito processual civil da Universidade Salgado de Oliveira e da Estácio/BA e associado do escritório de advocacia MB Poças e Albuquerque Advogados e Associados..


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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