PACTO GLOBAL E A IMPORTÂNCIA DO ODS 5 PARA EMPODERAR MULHERES E MENINAS NUMA SOCIEDADE MACHISTA

24/10/2023

Embora o Brasil venha apresentando melhora no ranking de países com melhor paridade entre gêneros, ainda é preocupante a sua colocação. Segundo o último relatório apresentado pelo Fórum Econômico Mundial (Global Gender Gap, 2023), o país ocupa a 57ª posição entre 146 países participantes, estando logo atrás de diversos países, inclusive da América Latina, como: Colômbia, México, Chile, Peru e Argentina. 

O mesmo relatório, utilizando uma média entre quatro critérios - participação e oportunidades econômicas, nível de escolaridade, acesso à saúde e empoderamento político - evidencia maior disparidade entre homens e mulheres não apenas no acesso e ocupações no âmbito do trabalho, mas também na participação no parlamento brasileiro, onde é verificada uma “abissal desproporção entre o eleitorado e representantes femininas no legislativo” (ALVES, 2023).

Segundo levantamento do IBGE (2021), cerca de 54% de mulheres com 15 anos ou mais integram a força de trabalho no Brasil, enquanto que entre os homens o percentual se eleva para 74%. Considera-se como força de trabalho a composição de pessoas que estão empregadas ou a procura de emprego. A mesma pesquisa apontou, ademais, que mulheres que vivem com crianças de até 3 anos encontram grande dificuldade de inserção no mercado de trabalho.

O cuidado com os filhos, os afazeres de domésticos relativos à regular manutenção do lar, assim como a atenção às pessoas doentes e idosas no âmbito familiar ainda são compreendidos como tarefas que devem ser executadas normalmente por mulheres, reflexo direito de uma sociedade patriarcal – surgido no período da colonização ainda no século XVI – marcada por uma clara divisão sexual do trabalho (BONFIM, 2023).

Nesta divisão, são os homens os destinatários de funções com melhor e maior valor social, como em cargos de direção e decisão em empresas, além de ampla presença em funções políticas. Em geral, mulheres recebem salários menores e possuem menos oportunidades de acesso a melhores funções no emprego. Segundo Pnad (2019), o rendimento de trabalhadoras representa 77,7% dos rendimentos dos trabalhadores homens, e são elas as mais afetadas pelo desemprego (14,1% mulheres, enquanto que dos homens é 9,6%).

Para além da presença da dominação patriarcal em nossa sociedade, também é imprescindível considerar na avaliação da desigualdade de gênero as relações raciais/étnicas, vez que mulheres negras estão mais sujeitas a estar em situação de desvantagens no âmbito social. Segundo Retrato das Desigualdade de Gênero e Raça (IPEA, 2016), são os homens brancos que têm os maiores rendimentos, seguido de mulheres brancas, homens negros e mulheres negras.

Tais desigualdades de gênero que se somam às raciais impossibilitam a concretização dos direitos humanos das mulheres em geral, não podendo, por isso, permanecerem naturalizadas. Para o enfrentamento desta problemática, no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos verifica-se duas estratégias: (i) repressiva punitiva (com a finalidade de eliminação da discriminação); (ii) promocional (com o objetivo de promover a igualdade) (PIOVESAN, 2005).

Neste sentido, a partir desta segunda estratégia, evidencia-se o grande potencial de signatários do Pacto Global (ONU) em contribuir com o enfrentamento da desigualdade de gênero, notadamente ao promover ações com o ODS 5 (igualdade de gênero), em sua meta 5.5: “garantir a participação plena e efetiva de mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”.

 

O Pacto Global e a Agenda 2030 (ONU)      

Para uma melhor compreensão da origem de tais iniciativas, remonta-se à criação da Organização das Nações Unidas, em 1945, com a finalidade de garantir a paz e a segurança internacional, e promover o progresso social e econômico de todos os povos do planeta. Naquela ocasião, o Brasil estava entre os cinquenta países que se comprometeram com os princípios apresentados, assinando a Carta das Nações Unidas.

A partir de 1970, destacaram-se preocupações de caráter internacional com o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade socioambiental, como consequência do acelerado processo de globalização e seus desdobramentos. Porém, ainda que importantes convenções e documentos tratassem de problemas comuns e importantes, não estavam sendo efetivos, provavelmente por não possuírem objetivos bem demarcados.

Em 2000, contudo, como o apoio de 191 membros das Nações Unidas, foram instituídas as metas do milênio, conhecidas como Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Tal iniciativa foi composta por 8 objetivos com temas como: erradicação da pobreza e fome; promoção da igualdade de gênero e empoderamento de mulheres, redução da mortalidade infantil entre outros, inclusive relativo à sustentabilidade do meio ambiente.

Também naquele mesmo ano, o então Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, lançou o Pacto Global como uma iniciativa voltada principalmente ao âmbito corporativo, envolvendo ações em quatro grandes áreas de atuação: direitos humanos, relações de trabalho, combate a corrupção e meio ambiente. Instituições que, por ato voluntário, aderem ao Pacto se comprometem a alinhar suas estratégias e operações a dez princípios universais, contribuindo para o enfrentamento de desafios da sociedade.

Ainda em relação aos 8 ODM, destaca-se que passados quinze anos desde o seu início de implementação pelos países membros da ONU, os resultados foram relativamente satisfatórios. Notadamente à igualdade de gênero, houve certo avanço no âmbito do trabalho, no acesso à escola e na participação no poder público. Porém, como muitas lacunas persistiam, inclusive em relação à desigualdade de mulheres e meninas.

Assim, diante da necessidade de mais esforços, os países membros voltaram a ser reunir e, em 2015, definiram 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), englobando 169 metas, a serem cumpridas até 2030. Convém destacar que as empresas que aderem ao Pacto Global também se comprometem a contribuir com a efetivação dos referidos ODS, incluindo um objetivo específico para “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas” (ODS 5).

  

Contribuições do Pacto Global para a igualdade de gênero

Compreendendo que a promoção da igualdade de gênero – consoante ODS 5 – trata de um compromisso não apenas dos Estados membros da ONU (que são por excelência os grandes atores), mas também de toda a sociedade, incluindo empresas sobretudo signatárias do Pacto Global, múltiplas iniciativas são esperadas para a sua promoção plena e eficaz.

Neste sentido, destacam-se os “Princípios de Empoderamento das Mulheres” – criado em parceria pelas ONU Mulheres e as empresas signatárias ao Pacto Global – como um conjunto de princípios a serem seguidos no âmbito corporativo, visando a implementação do ODS 5.

Tais princípios preveem desde a sensibilização do alto nível de lideranças corporativas para a igualdade de gênero, passando por tratamento justo entre homens e mulheres – lhes garantindo a saúde, segurança e bem-estar no ambiente de trabalho – até a orientação para que o progresso de tais iniciativas sejam medidas, documentadas e publicadas a fim de dar publicidade e inspirar demais instituições, inclusive.

A desconstrução de estereótipos e preconceitos em relação às mulheres, muitas vezes ainda vistas como inferiores ou incapazes, é um desafio a ser enfrentado em todos os âmbitos da sociedade, seja público ou privado. Neste sentido, diversas empresas signatárias do Pacto Global vêm adotando medidas para descontruir esta visão, reconhecendo que homens e mulheres têm capacidades e potenciais igualmente valiosos.

Destaca-se que na última década, políticas públicas têm procurado mobilizar a população brasileira para a inclusão de mulheres, a partir da conscientização da importância de uma sociedade mais “livre, justa e solidária” (art. 3º, I, CF/88), conforme bem observa Maria da Glória Colucci (2019), contribuindo para que o empoderamento torne-se uma realidade.

 

Notas e referências

ALVES, Daiana Allesi Nicoletti. As lutas feministas e o enfrentamento à desigualdade de gênero na política institucional brasileira. São Paulo: Editora Dialética, 2023.

BOMFIM, Mariana Lopes da Silva. A ausência do olhar de gênero: qual o caminho para a efetivação dos direitos humanos das mulheres no sistema de justiça brasileiro? São Paulo: Tirant lo Blanch, 2023.

BRASIL. Constituição da República Federativa do (1988); disponível em: . Acesso em: 01 set. 2023.

COLUCCI, Maria da Gloria. Empoderamento de mulheres e meninas (ODS 5).

Disponível em: <https://rubicandarascolucci.blogspot.com/search?q=g%C3%AAnero. Acesso em: 10 set. 2023.

Global Gender Gap. Disponível em: <https://www3.weforum.org/docs/WEF_G

GGR_2023.pdf?_gl=1*1c0qobv*_up*MQ..&gclid=CjwKCAjwr_CnBhA0EiwAci5sim8JXLBiMSFh8Fv9QrLYuFdd6W8bWXGrKuL7R92M4huHSV1SCM8XKRoCcGQQAvD_BwE>. Acesso em: 10.set.23.

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (2016). Retrato das desigualdades de gênero e raça (1995-2015). Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/retrato/apresentacao.html>. Acesso em: 10 set. 2023.

ONU. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2023.

PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas da Perspectiva dos Direitos Humanos. Caderno de Pesquisa, v. 35, n. 124, p. 43-55, jan/abr. 2005.

 

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