OS TEXTOS LEGAIS QUE TRATAM DA DELAÇÃO PREMIADA NO BRASIL

15/11/2019

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

Na nossa coluna da semana passada, escrevemos sobre a ética na delação premiada. Percebemos, contudo, que muitos estudantes não têm ideia de quais são os textos legais que, no Brasil, tratam da delação premiada, o que lhes dificulta o entendimento do assunto. Hoje, em complemento à coluna da semana passada, vamos comentar alguns desses textos.

 

Lei 8072/90

A Lei 8072/90 elenca os crimes que são considerados hediondos e também prevê uma série de comandos rigorosos aplicáveis aos mesmos e aos denominados crimes equiparados aos hediondos, quais sejam, a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo.

O art. 8°, caput, da Lei 8072/90, prevê a pena de 3 a 6 anos de reclusão no caso de o delito previsto no art. 288, caput, do CP, tratar de crime hediondo ou equiparado a hediondo. É certo que o dispositivo previsto no Código Penal tinha o nome jurídico de “quadrilha ou bando”, sendo certo que, a partir da Lei 12850/13, o mesmo passou a ser tratado como “associação criminosa”, alterando-se de forma significativa o tipo penal. Mas a questão que realmente interessa neste momento está prevista no art. 8°, parágrafo único, da Lei 8072/90, que previu, de forma expressa, a delação premiada com a seguinte redação: “O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando o seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços”.

Assim, a delação premiada só tem aplicação no caso de associação criminosa que busque a prática de qualquer dos crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes ou de terrorismo. Cabe registrar que, até então, o legislador se mostrou bastante tímido ao tratar do instituto, na medida em que limitou a sua aplicação a um grupo, de certa forma, reduzido de delitos.

Além disso, naquela época, o delator obtinha, como recompensa pelas suas informações que se mostrassem capazes de desmantelar a associação criminosa, apenas a incidência da causa de diminuição de pena no patamar de um a dois terços.

 

Lei 9080/95

O legislador voltou a tratar do tema através da Lei 9080/95, a qual se limitou a inserir tal instituto na Lei 7492/86 e na Lei 8137/90. Cabe salientar que a Lei 7492/86 trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional, enquanto, de seu lado, a Lei 8137/90 trata dos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo.

Veja-se que a Lei 9080/95 inseriu o § 2° no art. 25 da Lei 7492/86, assim como inseriu o parágrafo único no art. 16 da Lei 8137/90. Ambos os dispositivos ganharam a mesma redação, a qual tem o seguinte teor: "Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços".

O legislador, dessa forma, aumentou a abrangência do instituto, passando a aplicá-lo também a diversos outros crimes, muito embora pudesse ter sido mais claro na redação que conferiu à Lei 7492/86 e à Lei 8137/90. Registre-se que a Lei 8072/90, ao tratar da delação premiada, se refere ao "desmantelamento" da associação, deixando de utilizar um termo técnico mais adequado. Da mesma forma, na Lei 9080/95, o legislador utiliza a expressão "trama delituosa", voltando a aplicar termo de pouca técnica, ensejando perplexidades que poderiam ser evitadas com o uso mais cuidadoso das palavras.

 

Lei 9269/96

A Lei 9269/96 previu a delação premiada, alterando o art. 159, § 4°, do CP, o qual passou a ter a seguinte redação: "se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços".

O dispositivo em destaque impõe, para a incidência do benefício legal, que a atuação do delator seja da maior relevância, tanto que propicie, de fato, a libertação do sequestrado. Convém salientar que a repercussão prática da atuação do delator se revela de inquestionável importância, já que se preserva a vida da vítima. Por isso, podia o legislador ter sido mais arrojado, o que não ocorreu. É que, da mesma forma como aconteceu com os dispositivos já mencionados que preveem a delação premiada, o único benefício exposto ao delator é a incidência da causa de diminuição de pena, igualmente no patamar de um a dois terços.

 

Lei 9807/99

O referido texto legal trata dos programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas e também dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. A importância do mencionado diploma legal é inquestionável. O primeiro ponto merecedor de destaque é o fato de se tratar de um texto legal mais amplo que os demais até então em vigor.

O capítulo II do referido diploma legal contém dois importantes dispositivos, os quais passaram a ter uma abrangência até então inédita no que se refere à delação premiada. Neste sentido, o art. 13, da Lei 9807/99, dispõe o seguinte: "poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime".

Tal norma constituiu inquestionável avanço legislativo na medida em que progrediu na qualidade do benefício oferecido ao delator, passando a prever o perdão judicial. Por outro lado, a lei passou a exigir consequências práticas da delação, como a identificação dos demais envolvidos na ação criminosa, a localização da vítima e a recuperação do produto do crime. Dessa maneira, conseguiu o legislador incentivar a prática da delação premiada, garantindo, por outro lado, a obtenção de importantes informações.

Além disso, o art. 14, caput, da Lei 9807/99 dispõe o seguinte: "o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços".

Evidentemente, a chegada dos dispositivos legais acima mencionados trouxe uma série de importantes questionamentos envolvendo a delação premiada. É possível questionar o fato de a Lei 9807/99, por ser mais abrangente que as demais leis anteriores – sobretudo porque prevê o perdão judicial –, ter aplicação também àqueles delitos tratados nas outras leis. É possível questionar se deve ser aplicada a Lei 9807/99 apenas aos crimes que não foram tratados nas demais leis, em razão do princípio da especialidade. É possível questionar se os requisitos previstos no art. 13 da Lei 9807/99 são cumulativos ou se basta a incidência de um deles para que se possa aplicar o perdão judicial.

 

Lei 11343/06

A Lei 11343/06 estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de entorpecentes, definindo diversos crimes relacionados ao tema. O seu art. 41, caput, trata expressamente da delação premiada, sendo certo que o legislador não especificou o crime com relação ao qual se possa aplicar tal norma. Ao contrário, a redação do dispositivo mencionado é genérica e tem o seguinte teor: "o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços".

O legislador retrocedeu quanto à abrangência da delação, prevendo tão somente a incidência de causa de diminuição de pena no patamar de um a dois terços. Seria razoável que, empolgadas pela Lei 9807/99, as leis que a sucedessem também passassem a prever o perdão judicial, mas isso não ocorreu. É certo que não são todos os casos que permitem a aplicação de benefício tão radical, já que a colaboração do delator, no caso de perdão judicial, importa na extinção da punibilidade. No entanto, a existência de tal possibilidade à disposição do julgador pode, diante das circunstâncias do caso concreto, contribuir decisivamente para a efetivação da delação premiada e, por consequência, para o mais completo esclarecimento da dinâmica criminosa.

 

Lei 12529/11

A Lei 12529/11 estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC, objetivando reprimir a formação de cartéis. Tal diploma legal dispõe que o SBDC é formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. Fica claro o intuito do legislador de conferir um tratamento muito mais administrativo à matéria, inclusive prevendo o chamado acordo de leniência, que nada mais é do que uma delação premiada celebrada entre o CADE e as pessoas físicas ou jurídicas que foram autoras de infração à ordem econômica, as quais deverão colaborar efetivamente com as investigações e com o processo administrativo.

O art. 86, § 4°, I e II, da Lei 12529/11, dispõe que compete ao Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, por ocasião do julgamento do processo administrativo, uma vez verificado o cumprimento do acordo de leniência, decretar a extinção da ação punitiva da administração em favor do infrator ou reduzir de um a dois terços as penas aplicáveis. Tal dispositivo trata tão somente do acordo de leniência, o qual tem natureza administrativa e se assemelha à delação premiada, mas não diz respeito à delação premiada objeto deste estudo, já que esta tem repercussão penal.

Apenas o art. 87 da Lei 12529/11 trata da delação premiada propriamente dita, sendo certo que a redação do seu caput tem o seguinte teor: "nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei no 8666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei n° 2848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência".

Assim sendo, tal dispositivo previu uma delação premiada com repercussão distinta de todas as outras hipóteses até então em vigor. Veja-se que, ao afirmar que a celebração do acordo de leniência impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência, o legislador previu uma condição (negativa) especial de procedibilidade, impedindo o exercício do direito de ação. Em outras palavras, ao celebrar o acordo de leniência, cuja natureza administrativa é inquestionável, o seu beneficiário acaba impedindo a deflagração do processo criminal em seu desfavor, o que, evidentemente, é de seu interesse.

Mas a Lei 12529/11 foi mais longe e previu benefício ainda mais interessante ao delator. O seu art. 87, parágrafo único, dispõe o seguinte: "cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo". Dessa maneira, embora o legislador não se refira expressamente ao perdão judicial, é exatamente isso que ocorre no caso de cumprimento do acordo de leniência, já que se declara extinta a punibilidade.

Repare-se, portanto, a situação peculiar prevista pela Lei 12529/11. Diante da suposta prática de crimes contra a ordem econômica, é feita uma negociação administrativa com o CADE, a qual é chamada de acordo de leniência. A simples celebração de tal acordo impede o oferecimento da denúncia em face do delator. Posteriormente, uma vez comprovado o cumprimento do acordo de leniência, o delator é beneficiado com o perdão judicial, declarando-se extinta a punibilidade.

 

Lei 12683/12

A Lei 12683/12 entrou em vigor exclusivamente para, alterando a Lei 9613/98, tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Dentre as novidades trazidas pelo diploma legal referido, merece destaque o art. 1°, § 5°, da Lei 9613/98, o qual recebeu a seguinte redação: "a pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime”.

Diante de tal narrativa, é fácil perceber que a hipótese de delação premiada em exame evoluiu em abrangência, permitindo ao julgador a aplicação de um número maior de benefícios. Cabe lembrar que as demais leis que tratavam do tema se referiam, no máximo, a duas possibilidades, quais sejam, perdão judicial e causa de diminuição da pena, no patamar de um a dois terços. O legislador avançou ao tratar dos crimes de lavagem de dinheiro, o que é salutar porque permite adequar as medidas possíveis às circunstâncias dos casos concretos, sobretudo diante da natureza dos delitos abarcados pelas mesmas.

Por isso, especificamente no que diz respeito aos crimes de lavagem de dinheiro, o delator fica motivado pela variedade de benefícios passíveis de aplicação, os quais podem ser os seguintes: perdão judicial, causa de diminuição de pena de um a dois terços, fixação de regime aberto ou semiaberto e substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos. Saliente-se que a medida a ser aplicada em cada caso deve guardar relação com as suas circunstâncias e, principalmente, com a extensão e repercussão prática da delação premiada.

As novidades trazidas pelo dispositivo em destaque se referem à fixação do regime de cumprimento de pena aberto ou semiaberto e à possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos, já que o perdão judicial e a causa de diminuição de pena já foram tratados em outros diplomas legais. A doutrina, neste sentido, elogia tais possibilidades, trazendo correta abordagem nos seguintes termos: "a nosso ver, a possibilidade de concessão do perdão judicial e de regime inicial aberto é de boa política criminal, pois, evitando que o colaborador vá preso, dá maior proteção à sua incolumidade física e, em consequência, estimula a colaboração espontânea".

 

Lei 12850/13

Como é sabido, a Lei 12850/13 define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado. Sem qualquer dúvida, o referido diploma legal foi aquele que melhor tratamento conferiu à delação premiada, razão pela qual provocará no presente estudo importantes reflexões. Cabe ressaltar que o legislador, no texto legal em destaque, desprezou a consagrada expressão "delação premiada", passando a adotar a expressão "colaboração premiada". Rigorosamente, não há qualquer diferença prática na adoção de um ou outro termo, de forma que tal opção legislativa não merece maior atenção.

O que verdadeiramente importa é saber se a Lei 12850/13, por ser mais atual e por tratar do tema de forma mais completa, revogou as demais disposições que tratam da delação premiada. A doutrina majoritária entende que não faz qualquer sentido desprezar os muitos dispositivos anteriores que tratam do assunto, os quais devem continuar tendo aplicação por força do princípio da especialidade. Apenas para que conste tal registro, não custa lembrar que a doutrina minoritária, ignorando o princípio da especialidade, sustenta que a Lei 12850/13, disciplinando de forma completa o tema, acabou revogando os dispositivos legais anteriores que dele tratavam.

O art. 4° da Lei 12850/13 prevê a delação premiada, permitindo ao julgador a aplicação de alguns benefícios, quais sejam, o perdão judicial, a causa de diminuição de pena de até dois terços e a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos. A novidade, em verdade, é o fato de a causa de diminuição de pena não ter o patamar mínimo de um terço previsto em outras leis, sendo certo que apenas existe a previsão do patamar máximo de dois terços, o que confere ainda maior liberdade ao julgador.

O legislador também teve a cautela de fixar os resultados esperados como decorrência da delação, exigindo um ou mais deles, os quais são os seguintes: a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas, a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa, a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa, a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa e a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

É importante lembrar que, ocorrendo algum dos resultados aludidos, o art. 1°, § 4°, da Lei 12850/13 autoriza o Ministério Público a deixar de oferecer a denúncia, configurando-se evidente mitigação ao princípio da obrigatoriedade, já que, mesmo diante da presença da chamada justa causa, o órgão do Parquet pode requerer o arquivamento dos autos do inquérito policial. É certo que tal medida extrema só é possível se o delator não for o líder da organização criminosa e tiver sido o primeiro a prestar efetiva colaboração.

Outra novidade importante trazida pela Lei 12850/13 é a possibilidade de a delação premiada ser efetivada após a sentença, caso em que a pena pode ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime de cumprimento de pena, ainda que ausentes os requisitos objetivos legais previstos para tanto.

Portanto, o que se verifica de maneira inquestionável é o fato de a lei em exame ter previsto um rol de possibilidades interessantes a serem aplicadas em favor do delator, o que certamente o estimulará a colaborar para o esclarecimento de toda a dinâmica criminosa. Além disso, é preciso registrar que tais possibilidades têm aplicação a um rol bastante grande de delitos, uma vez que não se restringem aos casos de organização criminosa, embora se possa discutir a sua aplicação aos crimes tratados em leis que preveem a delação premiada, já que poderia surgir um conflito aparente de normas.

Enfm, são esses os comentários que reputamos básicos para despertar o interesse dos estudantes que pretendam dedicar o seu tempo ao estudo da delação premiada.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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