OS NOVOS PARÂMETROS DA ISONOMIA SALARIAL

18/12/2018

Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini

 

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

            A CR/88 delineia, enquanto garantia constitucional a ser reconhecida aos empregados urbanos, rurais e domésticos, a isonomia salarial, na medida em que veda qualquer divergência salarial por motivos de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7º, inciso XXX, da CR/88).

            Embora tenha tal garantia fundamento constitucional, foram definidos critérios celetistas para que possa ser ela efetivada em uma situação concreta. Significa dizer que a regra constitucional, de natureza abstrata e genérica, se realiza em sua plenitude apenas se presentes, cumulativamente, os requisitos previstos no art. 461, da CLT.

            Assim como outros institutos mergulhados na espiral de mudanças juslaboral, é necessário pensar e interpretar os elementos do pedido equiparatório salarial sob a ótica protetiva e constitucional, sopesando interesses sem legitimar desigualdades.

            Sobre a isonomia salarial e os parâmetros legais para que seja reconhecida a favor do trabalhador, o art. 461, da CLT, alterado pela Lei 13.467/2017, será pontualmente analisado, considerando os requisitos, a dispensa de homologação do plano de cargos e salários, a condição do empregado readaptado, a necessidade de contemporaneidade no exercício do cargo ou função, a vedação à indicação de paradigma remoto e, por fim, a criação da multa por diferença salarial discriminatória.

 

01) REQUISITOS ESSENCIAS PARA A ISONOMIA SALARIAL

 

            Salário isonômico é denominação salarial própria correspondente ao valor contraprestativo, pago pelo empregador ao empregado, quando presentes, de forma cumulativa, os requisitos essenciais à equiparação salarial (art. 461, caput, CLT):

  • mesmo empregador;
  • mesmo estabelecimento empresarial;
  • mesma função;
  • trabalho de igual valor.

Quanto aos referidos requisitos, afirma-se que houve um verdadeiro retrocesso, do ponto de vista protetivo, na medida em que se restringiu a possibilidade de o trabalhador requerer a equiparação salarial , pois é necessário que trabalhador e paradigma tenham executado as atividades no mesmo local de trabalho. Alterou-se, portanto, a concepção de mesma localidade de que trata a Súmula 06, do TST. Dessa forma, não se considera mesma localidade como sendo mesmo município ou região metropolitana. O novo requisito, em substituição à expressão mesma localidade, é “mesmo estabelecimento empresarial”.

Como exemplo, pode-se pensar no seguinte caso: Emgregado A trabalha para a Loja Fantasia LTDA, no bairro dos Funcionários, na cidade de BH, e recebe R$ 8.000,00. Empregado B trabalha também para a Loja Fantasia LTDA, no Bairro Floresta, na cidade de Belo Horizonte, e recebe R$ 4.000,00. Considerando que ambos exercem a mesma função e sendo o trabalho de igual valor, pergunta-se: Empregado B pode pedir equiparação salarial tendo o empregado A como paradigma? A resposta, em conformidade com Lei 13.467/2017, é NÃO, pois não se trata de mesmo estabelecimento empresarial.

      Quanto à regra do parágrafo 1o, definidora dos critérios que caracterizam o “trabalho de igual valor”, também ocorreu expressiva alteração implementada pela Lei 13.467/2017: houve a inclusão de mais um requisito temporal para caracterizar o trabalho como sendo de igual valor. Dessa maneira, devem ser considerados, após a Reforma trabalhista, os seguintes requisitos:

  • mesma produtividade;
  • mesma perfeição técnica;
  • diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não superior a 04 anos;
  • diferença de tempo de serviço na função não superior a 02 anos.

 

Percebe-se que o legislador, além de absorver  a regra do item II da Súmula 06, do TST (diferença de tempo de serviço na função não superior a 02 anos), ainda criou um novo critério temporal, considerando o tempo de existência de vínculo de emprego entre trabalhador e paradigma: diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não superior a 04 anos.

É, portanto, necessária, para caracterização do trabalho como sendo de igual valor, a observância de dois critérios temporais associados ao tempo de serviço na função e tempo de serviço para o mesmo empregador.

 

 

02) QUADRO DE CARREIRA E DISPENSA DA HOMOLOGAÇÃO DA AUTORIDADE COMPETENTE

 

            A princípio, conforme redação pré-Reforma dos parágrafos 2o e 3o, do art. 461, da CLT, os requisitos definidos no caput do próprio artigo não se aplicavam para fins equiparatórios quando a diferença salarial se justificava em quadro de carreira, cujas promoções tivessem obedecido aos critérios de antiguidade e merecimento, de forma alternada, dentro de cada categoria profissional.

            Para complementar a regra, o item I da Súmula 06 do TST determinava que, para que o quadro de pessoal organizado em carreira fosse válido, para fins de afastar o direito à equiparação salarial, era necessário que fosse ele homologado junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, excluindo-se dessa exigência o quadro de carreira das entidades de direito público da administração direta, autárquica e fundacional aprovado por ato administrativo da autoridade competente.

            Porém, mais uma vez, sobre o direito ao salário isonômico como valor salarial devido uma vez presentes os requisitos necessários à equiparação, a Reforma trouxe mais uma grande flexibilização do Direito do Trabalho.

            Tal afirmativa decorre do fato de que os requisitos, mesmo que presentes de forma cumulativa em determinado caso concreto, não serão considerados caso exista quadro de pessoal organizado em carreira ou o empregador adotar, por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público.

            Houve um total afastamento da Administração Pública (representada pelo Ministério do Trabalho e Emprego ou outro órgão competente)  no sentido de que não é  mais necessária a homologação do plano de cargos para que tenha validade. Pode ser definido em uma simples norma interna da empresa (em grande parte, são elaboradas pelo próprio empregador, sem a participação dos empregados) ou  por negociacão coletiva. Percebe-se, nesse caso, que não só a autonomia coletiva foi valorizada, mas também a individual, refletida em norma interna da empresa para a qual é dispensada a participação das entidades representativas das categorias.

            Dessa forma, perde força o item I da Súmula 06, do TST, já que a própria CLT, considerando o novo texto do parágrafo 2º, do art. 461, proveniente da Lei 13.467/2017, dispensa formalidades para reconhecimento do quadro de pessoal organizado em carreira.

            Em relação ao parágrafo 3º, do art. 461, da CLT, as  promoções poderão ser feitas por merecimento e por antiguidade, ou por apenas um destes critérios. Foi, portanto, suprida a regra da aplicação em alternância dos critérios merecimento e antiguidade. Ademais, tornou-se possível promover empregados ou só por merecimento, ou só por antiguidade, não sendo mais necessária a aplicação dos dois critérios.

 

 

03) O TRABALHADOR READAPTADO E EQUIPARAÇÃO SALARIAL

 

            De acordo com o art. 461, parágrafo 4o, da CLT, o trabalhador readaptado não pode servir de paradigma. Considera-se como readaptado aquele trabalhador que, por deficiência física ou mental atestada em órgão competente, não tenha, de acordo com seu quadro clínico, condições de exercer as atividades desenvolvidas antes da concessão da licença médica. Nesse caso, ele será considerado, mediante perícia médica, apto para o trabalho, porém no exercício de novas atividades.

            O empregador, neste caso, deverá readaptá-lo garantindo-lhe o pagamento do salário (com os reajustes respectivos) pago em correspondência às atividades exercidas anteriormente, se for esta a condição que mais lhe beneficie. Se o salário devido para a nova atividade lhe for mais benéfico, ser-lhe-á garantido este.

            O legislador reformista manteve a regra. Nesse caso, o trabalhador readaptado não pode ser paradigma, mesmo que presentes todos os requisitos, cumulativamente. Mas nada impede que ele possa pedir equiparação salarial, tendo como paradigma outro empregado e que não seja este readaptado.

 

 

04) A CONTEMPORANEIDADE NO CARGO OU FUNÇÃO

 

            A Lei 13.467/2017 trouxe, como uma grande novidade referente aos requisitos do pedido equiparatório salarial,  a regra segundo a qual “a equiparação salarial só será possível entre empregados contemporâneos no cargo ou na função, ficando vedada a indicação de paradigmas remotos, ainda que o paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria”.

            Pode-se interpretar referida novidade como uma restrição ao direito ao salário isonômico, uma vez que, por força da própria lei, o requisito “contemporaneidade” no exercício das funções se tornou “absoluto” por não mais se admitir a indicação de paradigmas remotos, ainda que o paradigma contemporâneo tenha obtido vantagem em ação judicial própria.

            Ademais, merece atenção a primeira parte do parágrafo 5o, segundo a qual “a equiparação salarial só será possível entre empregados contemporâneos no cargo ou na função (…)”.  Embora se tenha como um dos critérios da equiparação salarial o exercício da mesma função, tem como critério para o exame da contemporaneidade o exercício do mesmo cargo ou função, e não apenas o exercício simultâneo da mesma função. Lembrando que esta corresponde ao exercício da mesma atividade, independentemente da denominação que lhe seja atribuída.

 

 

05) DIFERENÇA SALARIAL DISCRIMINATÓRIA

 

            Além da inclusão do parágrado 5o no artigo 461, da CLT, a Reforma se destaca também pela também novo art. 6o, antes sem qualquer correspondência no texto celetista.

            Trata-se de possibilidade de aplicação de multa se, uma vez reconhecido direito à equiparação salarial, ficar comprovada que as diferenças salariais decorreram não de um descumprimento de regras trabalhistas por parte do empregador, mas também por uma questão associada a tratamentos desiguais provenientes de sexo ou etnia. Nesse caso, o legislador reformista teve, como pretensão, desestimular a prática de desigualdade de gênero e outras formas de tratamento desigual, aqui associadas também à etnia.

            Tal novidade reforça o direito ao salário isonômico como garantia constitucional.

            Vale destacar, ainda, que a multa a ser aplicada será convertida a favor do trabalhador que tenha se submetido a tratamento desigual, e não a fundos vinculados à administração pública como, por exemplo, o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Terá, pois, natureza de indenização no sentido de suprir, mesmo que apenas financeiramente, o dano sofrido pelo trabalhador durante o contrato.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            A alteração da expressão “mesma localidade” pela expressão “mesmo estabelecimento” e a criação de mais um critério temporal – diferença de tempo de contrato com o mesmo empregador não superior a 04 anos – são reflexos de uma onda flexibilizante que recai sobre o Direito do Trabalho brasileiro.

            É inegável que o Direito, marcado por uma constante relação de simbiose com as condições econômicas, políticas e sociais de um país, deve ser maleável o suficiente para, estrategicamente, se fazer eficaz e realizável diante de um contexto de (im)possibilidades. Porém, a flexibilização não pode ser elemento de desconstrução de paradigmas e valores constitucionais, historicamente construídos e relevantes para a valorização do trabalhador.    

            A adaptação a que foi submetido o art. 461, da CLT, dificulta o alcance à isonomia salarial, restringindo-a. Ainda: reconhece a validade de plano de cargos e salários, a partir do qual poderá ser justificada qualquer divergência salarial – sem que tenha sido ele homologado por autoridade administrativa competente.

            Diante deste cenário, espera-se que haja uma análise criteriosa de cada caso submetido ao crivo do Judiciário Trabalhista brasileiro, atribuindo aos princípios a essencialidade de que lhes são inerentes: equilíbrio e sensatez normativa e constitucional na interpretação e aplicação das regras.

 

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