OS NEGÓCIOS JURÍDICOS EMPRESARIAIS E A RELEVÂNCIA DO COMPLIANCE PARA A MITIGAÇÃO DOS RISCOS  

08/07/2020

No cenário atual, as relações empresariais apresentam caráter cada vez mais dinâmico. Os negócios jurídicos celebrados pelas empresas também se mostram mais complexos, com o aumento do número de transações comerciais, ocasionado pela globalização econômica.

Vale destacar que o “negócio jurídico origina-se de ato volitivo, que colima a realização de um certo objetivo, criando, com base em norma jurídica, direito subjetivo, e impondo, por outro lado, obrigações jurídicas”[1]. Portanto, no que concerne ao negócio jurídico, há a manifestação da vontade para compor o suporte fático de certa categoria jurídica, à sua escolha, visando à obtenção de efeitos jurídicos que tanto podem ser predeterminados pelo sistema, como deixados, livremente, a cada um[2], desde que observados os elementos do negócio jurídico, vale dizer, a vontade, o objeto e a forma, os quais hão de ser conjugados aos requisitos da capacidade, da idoneidade e da legalidade, para que o negócio exista e seja válido[3].

É importante esclarecer que o “conceito de negócio jurídico sofreu certas modificações em vários aspectos, desde a letra da norma positivada aos princípios que regem o campo do direito privado, sobretudo na seara contratual”[4].

Sobre o assunto, BETTI[5] assevera que para “determinar o conceito do negócio jurídico, não devemos perder de vista o problema prático, de que a autonomia privada e seu reconhecimento jurídico representam a solução. O instituto do negócio jurídico não consagra a faculdade de (querer) no vácuo, como apraz afirmar a certo individualismo”.

Assim, tem-se que a conceituação clássica do negócio jurídico, enquanto ato de autonomia da vontade do indivíduo em regular seus próprios interesses, não comporta diversas nuances existentes no mundo atual, sinalado pela globalização, tecnologias, bem como massificação da produção e do consumo, situações que tornam necessária a intervenção estatal na vida econômica das pessoas[6].

A contemporaneidade, marcada por uma série de transformações jurídicas, repercute nos conceitos e institutos jurídicos, impondo-lhes desafios de um mundo tecnologicamente avançado. Nesse cenário, a globalização e o aumento do número de negócios jurídicos celebrados pelas sociedades empresárias elevam o potencial lesivo da atividade empresária no que concerne à possibilidade de violação às regras éticas e legais que permeiam os negócios celebrados.

No ordenamento jurídico brasileiro, com o advento da Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, os negócios jurídicos empresariais passaram a ter novos contornos. Isso porque a referida Lei, em seu artigo 1º, dispõe sobre o regime de responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Ainda, no seu artigo 2º, a mencionada Legislação disciplina que “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não”.

Além disso, em seu artigo 6º, são elencadas diversas sanções que podem ser extremamente gravosas às atividades empresárias, desde multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual não poderá ser inferior à vantagem auferida, até publicação extraordinária da decisão condenatória, sendo de destaque o fato de que a aplicação de tais sanções não exclui a obrigação de reparação integral do dano causado.

É nesse contexto que os programas de compliance, caracterizados como uma série de medidas passíveis de serem adotadas pelas empresas com o intuito de prevenir ou minimizar os riscos de violações às leis aplicáveis às suas atividades, ganham destaque. A citada Lei Anticorrupção prevê, de maneira expressa, acerca da adoção desses programas, chamados de programas de integridade, os quais servem de parâmetro a ser considerado em caso de eventual aplicação de sanções, revelando-se um importante mecanismo de mitigação de riscos.

Vale ressaltar que conhecer os riscos enfrentados pela atividade empresária é a premissa desse programa, que deve entender a operação da empresa, saber como ela funciona, como se relaciona com seus clientes, fornecedores e demais interessados, além de formar entendimento relativo ao mercado em que a atividade empresarial está inserida, com o intuito de definir o que traz maior ou menor risco à empresa[7].

A detecção de falhas pelo sistema de compliance possibilita a antecipação de crises, a atenuação de sanções e também o aprimoramento interno dos controles a fim de evitar a repetição de erro, sendo, ainda, o compliance uma vantagem competitiva[8].

Dessa forma, podem ser elencados os seguintes fatores que têm demonstrado a necessidade de investimento em programas de compliance: a) reputação, pois o compliance é fundamental para que o setor privado se insira numa dinâmica de mercado mais transparente e ética, evitando possíveis danos à imagem; b) complexidade do aparato legislativo brasileiro, pois a complexidade das operações econômicas e a numerosa legislação torna necessária a adoção de um programa de integridade que permita a identificação dos riscos concretos que as empresas enfrentam em suas atividades e c) a exigência legal para que empresas possam participar de contratações públicos, pois cresce o movimento para tornar obrigatória a adoção de programa de compliance para participar de licitações[9].

Portanto, ao lado das discussões sobre a concepção dos negócios jurídicos, tem-se um movimento do sistema jurídico, no sentido de consolidar a consciência ética no ambiente corporativo, estimulando a adoção de programas de compliance, com vistas a conferir maior segurança às empresas na celebração dos negócios jurídicos. 

 

Notas e Referências

[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1; Teoria geral do direito civil, 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 479.

[2] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 168.

[3] AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 256.

[4] LÊDO, A. P. ; SABO, I. C. ; AMARAL, A. C. C. Z. M. . Existencialidade humana: o negócio jurídico na visão pós-moderna. Civilistica.com - Revista Eletrônica de Direito Civil , v. 6, p. 1-22, 2017.

[5] BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. Tomo I. Tradução: Fernando de Miranda. Coimbra: Coimbra, 1969, p. 107.

[6] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 196-197.

[7] OLIVEIRA, Patrícia Godoy. Desafios para a implementação de programas de compliance em multinacionais. In: Compliance: perspectivas e desafios dos programas de conformidade / coordenação: Ricardo Villas Bôas Cueva, Ana Frazão. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 257.

[8] BOTTINI, Pierpaolo Cruz; RIZZO, Beatriz Dias; ROCHA, Marcela. Algumas linhas sobre compliance criminal. In: Compliance: perspectivas e desafios dos programas de conformidade / coordenação: Ricardo Villas Bôas Cueva, Ana Frazão. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 384.

[9] OSÓRIO, Fábio Medina. Compliance anticorrupção: aspectos gerais. In: Compliance: perspectivas e desafios dos programas de conformidade / coordenação: Ricardo Villas Bôas Cueva, Ana Frazão. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 362-364.

 

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