Coluna Substractum / Coordenadores Natã Ferraz, Juliana Jacob e Luciano Franco
As relações interpessoais ensejam o nascimento do conflito. Impossível conceber a existência de uma sociedade plenamente consensual, visto que cada indivíduo apresenta-se como ser único, possuidor de circunstâncias existenciais personalíssimas.
Segundo Carlos Eduardo de Vasconcelos (2017) o conflito não é algo que deva ser encarado negativamente. A consciência do conflito como fenômeno inerente à condição humana é muito importante. Sem essa consciência tende-se a demonizá-lo ou a fazer de conta que não existe. Quando se compreende a inevitabilidade do conflito, torna-se possível o desenvolvimento de soluções autocompositivas, muitas delas proporcionadas pela conciliação e pela mediação.
A mediação, regulamentada no Brasil pela Lei n. 13.140/2015, pode ser conceituada como um meio alternativo e voluntário de solução de conflitos, no qual uma terceira pessoa, neutra e imparcial, facilita o diálogo entre as partes para que elas próprias solucionem as questões difíceis que enfrentam. Vale dizer que, na mediação, as partes se mantêm autoras de suas próprias soluções.
Quanto à conciliação, uma forma direta e simples de resolução das controvérsias e indicada para conflitos menos complexos, o conciliador conduz as partes para o objetivo principal, a elaboração do acordo, podendo neste caso, adotar uma postura mais ativa, inclusive sugerindo opções, após uma criteriosa avaliação das vantagens e desvantagens que tal proposição trará aos indivíduos.
Saliente-se que o mediador apoia as partes e suas reflexões, fazendo emergir a decisão das mesmas através do diálogo respeitoso e do consenso. Já na conciliação, como visto, o conciliador propõe uma solução para as partes no processo.(Bonfim, 2014, p. 34).
Sob essa perspectiva, e considerando que a solução do conflito depende do reconhecimento das diferenças e da identificação dos interesses comuns e conflituosos, ressalte-se que os meios alternativos de solução de conflitos têm se tornado cada vez mais presentes nas relações processuais e extraprocessuais brasileiras.
Isto porque a intensa litigiosidade existente no país ensejou a adoção pelo Poder Judiciário de tais mecanismos na busca de uma solução rápida, eficaz e de resultado bastante satisfatório às partes e à sociedade, em respeito ao mandamento constitucional da razoável duração do processo e dos meios que resguardem a celeridade de sua tramitação.
O direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, clama pelo acesso à ordem jurídica justa, humana, e a soluções efetivas, o que nem sempre é possível com a sentença judicial que, muito embora tenha o poder de colocar fim à demanda, nem sempre põe fim ao conflito vivenciado pelas partes.
Ademais, destaca-se que com advento dos novos meios de solução de conflitos, o conceito de acesso à justiça foi ampliado, ou seja, o Estado pode ter o monopólio da jurisdição, porém, não é só por ele que o cidadão pode alcançar a justiça. (Bonfim, 2014, p. 158)
A partir dos anos 90, observa-se no Brasil um incentivo, na legislação processual e nos tribunais, à autocomposição, de forma que uma série de projetos pilotos surgem.(Bonfim, 2014, p. 24). Nessa toada, em 2010, o Conselho Nacional de Justiça criou a Resolução 125, que possui como escopo disseminar a cultura da pacificação social e estimular a prestação de serviços autocompositivos de qualidade.
Dentre as ações trazidas pela citada Resolução, como a criação do Núcleo Permanente de Métodos de Solução de Conflitos, cuja finalidade é desenvolver a política da resolução adequada de disputas, destaca-se a criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, os CEJUSC´s, os quais desempenham um importante papel na realização das sessões de conciliação e mediação de um tribunal, especialmente na fase pré-processual que, se bem sucedidas, evitam o nascimento de uma demanda judicial.
Anos após a edição da Resolução 125, do CNJ, e imbuído pelos efeitos positivos dos métodos autocompositivos na solução de conflitos, o legislador federal promulgou o Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015) que, distintamente do código anterior, dedica uma sessão aos mediadores e conciliadores judiciais.
Além disso, o Novo Código de Processo Civil prevê que todos os esforços serão empreendidos pelos magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público para estimular os métodos de resolução consensual de conflitos, prevendo, também, a designação de audiências de conciliação e sessões de mediação como os primeiros atos processuais a serem adotados no curso do processo, visando a solução dos conflitos ainda no seu nascedouro, como nos casos de ações possessórias (art. 579, CPC), e nos conflitos de família (art. 709, CPC).
Inclusive, tendo em vista a relevância e destaque de tais institutos para o ordenamento jurídico brasileiro, a lei processual civil atual estabelece, inclusive, punição àqueles que, regularmente cientificados da audiência de conciliação, no curso do processo judicial, deixam de comparecer de forma injustificada, nos termos do art. 334, §8º, do CPC.
Quanto aos procedimentos aplicáveis à atuação dos mediadores e conciliadores judiciais, prevê o novo Código de Processo Civil que ao conciliador incumbe a atuação preferencial em situações onde não se identifica vínculo anterior entre as partes, sendo certo que nesta atuação o conciliador poderá adotar uma postura mais ativa, inclusive sugerindo opções aos envolvidos, objetivando o acordo. Neste sentido, dispõe o art. 165, § 2º, do CPC, que:
O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
Destaca-se que atualmente, com base na política pública preconizada pelo Conselho Nacional de Justiça e consolidada em resoluções e publicações diversas, pode‑se afirmar que a conciliação no Poder Judiciário busca:
- a) além do acordo, uma efetiva harmonização social das partes; b) restaurar, dentro dos limites possíveis, a relação social das partes; c) utilizar técnicas persuasivas, mas não impositivas ou coercitivas para se alcançarem soluções; d) demorar suficientemente para que os interessados compreendam que o conciliador se importa com o caso e a solução encontrada; e) humanizar o processo de resolução de disputas; f) preservar a intimidade dos interessados sempre que possível; g) visar a uma solução construtiva para o conflito, com enfoque prospectivo para a relação dos envolvidos; h) permitir que as partes sintam‑se ouvidas; e i) utilizar‑se de técnicas multidisciplinares para permitir que se encontrem soluções satisfatórias no menor prazo possível. (BRASIL, CNJ. Manual de Mediação Judicial, 2015)
Quanto ao mediador, diferentemente do que é indicado ao conciliador, são atribuídos os casos em que as partes mantenham vínculo anterior, seja por uma relação familiar ou parental, seja em razão de laços sociais, de forma que o interesse maior seja não somente a realização do acordo, mas sim o restabelecimento do diálogo e da convivência harmoniosa, onde o respeito às diferenças esteja sempre presente. Deste modo, afirma o art.165, § 3º, do CPC, que:
O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
Assim, são indicados para a mediação os conflitos em que os envolvidos mantenham a chamada “relação continuada”, a exemplos dos conflitos de família e entre vizinhos, pois, o objetivo maior da mediação não é, apenas, a solução do um conflito pontual, mas, sobretudo, reconstruir entre as partes a comunicação pautada no respeito e na honestidade, evitando-se assim futuros desentendimentos e, consequentemente, novos desgastes emocionais com rótulos de vencedor e perdedor.
Como visto, tais mecanismos se configuram num relevante e importante instrumento ao exercício da cidadania, na medida em que proporcionam às partes a materialização do acesso à justiça de qualidade, auxiliando-as a encontrar soluções justas e eficazes quando experienciam conflitos.
Em uma sociedade tão marcada pelas diferenças, cujo terreno é propício para o nascimento das grandes desavenças, os mecanismos autocompositivos se mostram ferramentas indispensáveis para a valorização do indivíduo que, auxiliado, reconhece sua capacidade de, através do diálogo, alcançar e propagar a paz social.
Notas e Referências
- BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 22/06/2018.
- BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 março 2015. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 22/06/2018.
- BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei no 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2o do art. 6o da Lei no 9.469, de 10 de julho de 1997. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 junho 2015. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm> Acesso em: 22/06/2018.
- BRASIL, Conselho Nacional de Justiça CNJ. Resolução 125, de 29 de novembro de 2010. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579> Acesso em: 22/06/2018.
- BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Azevedo, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial, 5ª Edição (Brasília/DF:CNJ), 2015. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/c276d2f56a76b701ca94df1ae0693f5b.pdf> Acesso em: 22/06/2018.
- VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. 5ª. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.
- BOMFIM, Ana Paula Rocha do (org.). Manual de Mediação. Salvador: Editora Fundação Faculdade de Direito da Bahia, 2014.
- LIMA, Fernanda Maria Dias de Araújo; FAGUNDES, Rosane Maria Silva Vaz; PINTO, Vânia Maria Vaz Leite. Manual de Mediação: Teoria e Prática. Belo Horizonte: 2007.
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