Introdução.
O art. 225, §1º, inciso III da Constituição Federal estabelece que incumbe ao Poder Público definir, em todas as unidades da federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, que só poderão ser suprimidos ou alterados por lei. O texto constitucional prescreve competência legislativa comum entre os entes federados, pois, todos poderão (ou deverão) definir espaços territoriais e seus componentes para receberem proteção especial.
Outrossim, §4º do art. 225 da Constituição Federal previu que a Floresta Atlântica, a Floresta Amazônica, a Serra do Mar, o Pantanal Moto Grossense e a Zona Costeira constituem áreas classificadas como de “patrimônio nacional”, com especial proteção do Estado Brasileiro.
No entorno da discussão que envolve a criação de áreas (espaços) ambientais especialmente protegidos orbita o dissenso acerca da natureza pública ou privada dos espaços ambientais protegidos, na medida em que a legislação ambiental/administrativa ao mesmo tempo em que garante o direito real de uso, fruição e gozo da propriedade privada, por outro lado, limita a ação do particular, exigindo autorização administrativa (licenciamento) para pratica de certos atos inerentes ao direito de propriedade, como é caso da supressão vegetal.
Todo o debate possui como pano de fundo a disposição contida no caput do art. 225 da Constituição Federal, notadamente ao estabelecer que “o meio ambiente é um bem comum de uso do povo”. O pressuposto “bem de uso comum” transpareceu o que não é, uma verdade jurídica que elevaria os bens ambientais à condição de bens públicos em sentido stricto. O direito ambiental não alterou a classificação tradicional dos bens públicos, quando os definiu em a) bens dominicais, b) bens de uso especial e c) bens de uso comum do povo. Logo, à primeira vista, poder-se-ia pretender compreender que todo bem ambiental seria um bem de natureza jurídica pública. Ocorre, porém, que um bem ambiental, esteja situado no domínio público ou no domínio privado, será sempre um bem de uso comum, com natureza sui generis (autônoma e difusa).
Em verdade, tendo o bem ambiental natureza sui generis, não importa a localização do espaço protegido, pois, mesmo estando situado em área particular ou privada, será tutelado como um “bem de uso comum”, ou seja, será protegido pelo Estado através da imposição de limitações administrativas, sem contudo, reafirme-se, suprimir o direito de propriedade.
A imposição constitucional de constituição de áreas protegidas em propriedades privadas trouxe, para uns, ganho ambiental através do aumento da cobertura vegetal em todo o território; já para outros, prejuízo de alea econômica por limitar o uso de parte da propriedade para exploração agrosilvopastoril.
As áreas de especial proteção ambiental segundo a Lei n.º 12.651/2012.
De acordo com o Código Florestal, as áreas de especial proteção ambiental são: a) áreas de preservação permanente; b) apicuns e salgados, c) reserva legal, d) unidades de conservação, áreas ambientais municipais e, e) áreas de uso restrito.
Por área de preservação permanente – APP, entenda-se “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”(art. 3º da Lei n.º 12.651/2012).
O mesmo código instituiu um rol ex lege de áreas de preservação permanente, com natureza de limitação administrativa do uso, gozo e fruição da propriedade.
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:
a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;
b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;
III - as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;
IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;
V - as encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;
VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
VII - os manguezais, em toda a sua extensão;
VIII - as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;
X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;
XI - em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado.
Apicuns[1] e salgados são, respectivamente, (apicuns) áreas de solos hipersalinos situados nas regiões entre marés, inundadas apenas pelas marés de sizígias, que apresentam salinidade superior a 150 partes por 1.000, desprovidas de vegetação vascular, em outras palavras, um brejo de água salgada à beira do mar e, (salgados) áreas situadas em regiões com frequência de inundações entre mares de sizígias, porém, com salinidade que permite a presença de vegetação herbácea.
As áreas de apicuns e salgados estão protegidas, em regra, pelo regime jurídico das áreas de preservação permanente; porém, em casos específicos, há proteção específica pelo Código Florestal no art. 11 – A, com previsão de manejo ecologicamente sustentável.
O conceito de Reserva legal é definido pelo art. 3º, inciso III do Código Florestal como “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, como o abrigo de a proteção de fauna silvestre e da flora nativa”. Trata-se, portanto, de instituto com natureza de limitação do uso da propriedade rural.
As unidades de conservação, possuem regramento específico através da Lei n.º 9.985/2000 – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC. Segundo a Lei n.º 9.985/2000, as categorias de unidades de conservação são divididas em áreas de proteção integral e áreas de uso sustentável, assim, organizadas:
As Áreas de Proteção Integral se caracterizam pela preservação da natureza, admitindo-se o uso indireto dos recursos naturais. As áreas são classificadas em: a) estação ecológica, b) reserva biológica, c) parque nacional, d) monumento natural e, e) refúgio da vida silvestre.
Já as Áreas de Uso Sustentável, diferentemente das áreas de proteção integral, admitem a exploração do ambiente de maneira sustentável. A classificação é dividida em: a) áreas de proteção ambiental, b) áreas de relevante interesse ecológico, c) floresta nacional, d) reserva extrativista, e) reserva da fauna, f) reserva de desenvolvimento sustentável e, g) reserva particular do patrimônio natural.
As Áreas Ambientais Municipais, conforme art. 13, inciso I, da Lei n.º 6.766/79 – Lei do Parcelamento do Solo Urbano[2], visa proteger bens ambientais naturais e culturais dos processos de urbanização.
Por fim, as Áreas de Uso Restrito, uma inovação oriunda do novo código florestal, com a pretensão de proteger e desenvolver o bioma do Pantanal e as áreas com inclinação entre 25º e 45º.
A lei e a realidade.
À luz das informações contidas no tópico anterior é possível concluir, minimamente, que o arcabouçou legal brasileiro possui amplo sistema, organizado e estruturado para proteger as áreas de interesse ambiental, seja em propriedades públicas ou em áreas privadas. Entretanto, há um fosso entre a previsão legal e a realidade da gestão ambiental brasileira. A existência de uma cava entre a lei a sua efetividade não constitui informação nova, porém, é necessário descortinar as vísceras da escatológica realidade da proteção de áreas ambientais no Brasil.
Ausência dos biomas da caatinga e do cerrado como patrimônio nacional versus a diretriz de reconhecimento das florestas existentes no território nacional como bens de interesse comum a todos os habitantes do País.
A desconsideração dos biomas da caatinga e do cerrado como patrimônio nacional impactam em parte substancial do território nacional, “autorizando” a supressão descontrolada da vegetação, prejudicando a proteção hídrica na região e favorecendo a expansão do agronegócio em direção à floresta Amazônica.
Ausência de uma política públicas de incentivos fiscais para os proprietários rurais versus a diretriz de criação de incentivos econômicos para fomentar a preservação e a recuperação da vegetação nativa (princípio do protetor recebedor).
A ideia de limitar a atividade do particular na propriedade privada é uma estratégia que exige a aplicação, concomitante, de um processo pedagógico que seja capaz de ensinar a importância da preservação ambiental e, ao mesmo tempo, de permitir ao proprietário rural a subsistência econômica a partir da propriedade. Nesse sentido, o Poder Público deve favorecer a criação de políticas jurídicas/fiscais e econômicas, como a experiência do ICMS ecológico e da exclusão do pagamento de Imposto Territorial Rural das áreas de proteção ambiental, na forma da Lei n.º 9.393/1996.
Ausência de políticas púbicas voltadas para a municipalização da gestão ambiental versus a diretriz de responsabilidade comum de União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em colaboração com a sociedade civil, na criação de políticas para a preservação e restauração da vegetação nativa.
O sistema federativo em vigor no Brasil, mesmo após a edição da Lei Complementar n.º 140, não favorece a gestão ambiental de Estados e municípios, prejudicando as ações voltadas para a criação de espaços ambientais protegidos por falta de estrutura legal, administrativa e financeira.
Ausência de Políticas de educação ambiental versus a diretriz de fomento a inovação para o uso sustentável, a recuperação e a preservação das florestas e demais formas de vegetação.
A formação da consciência ambiental e do desenvolvimento de novas tecnológicas para preservação e restauração dos processos ecológicos exige investimento em Educação Ambiental através do incremento, nos currículos de ensino, de disciplinas que favoreçam a compreensão acerca da cidadania ambiental e do desenvolvimento sustentável. As experiencias, especialmente nos municípios com maior urbanização, demonstram a existência de conflitos entre a população e a vegetação nativa. Cite-se, por exemplo, os conflitos existentes nas áreas de restinga e de mangue em face da expansão imobiliária. Em regra, o poder público não fomenta o desenvolvimento de tecnologias de inovação para favorecer o uso sustentável dos recursos naturais e, muito menos, promove a formação da consciência ambiental sobre a importância de preservação das florestas e demais forma de vegetação. Outro dado estarrecedor é o fato da maior parte dos Municípios Brasileiros não possuírem uma Política Municipal de Educação Ambiental e um Programa Municipal de Educação Ambiental.
Ausência de revisão das Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA versus a diretriz de criação de incentivos jurídicos para fomentar a preservação e a recuperação da vegetação nativa (princípio do protetor recebedor)
A edição do Novo Código Florestal derrogou inúmeros institutos relacionados com a gestão das áreas de interesse ambiental, como é o caso das áreas de preservação permanente, regulados por Resoluções do CONAMA, a exemplo das Resoluções n.º 302 e 303, ambas de 2002. É necessário, portanto, que se realize a revisão dos instrumentos normativos, adequando-os à nova realidade jurídica-ambiental do Brasil.
Interferência política-legislativa indevida da bancada ruralista versus a diretriz de ação governamental de proteção e uso sustentável de florestas, coordenada com a Política Nacional do Meio Ambiente, a Política Nacional de Recursos Hídricos, a Política Agrícola, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, a Política de Gestão de Florestas Públicas, a Política Nacional sobre Mudanças do Clima e a Política Nacional da Biodiversidade.
A realidade política do Brasil tem demonstrado que as bancadas temáticas do Congresso Nacional promovem substancial interferência na gestão administrativas do Poder Executivo. No caso da política ambiental, a bancada ruralista (atualmente com o comando do Ministério da Agricultura), interfere diretamente na ação governamental de proteção das florestas e do desenvolvimento rural sustentável, inclusive aprovando projetos de lei em violação direta ao princípio de vedação do retrocesso ambiental. Outro ponto de interferência da bancada ruralista acontece pela ameaça a demarcação das terras indígenas, tradicionalmente ligados às florestas, ao uso sustentável dos recursos naturais e à garantia da biodiversidade.
Ademais, a bancada ruralista impõe ao Poder Executivo a necessária submissão do meio ambiente às políticas agrícolas, relegando o desenvolvimento sustentável a um segundo plano na gestão.
Conclusão.
É inegável a importância dos espaços territoriais especialmente protegidos para conservação, preservação e restauração dos processos ecológicos e do meio ambienta natural. O Brasil, repleto de superlativos relacionados com o meio ambiente natural, possui vasto arcabouço jurídico relacionado com a proteção de áreas ambientais, a exemplo das disposições do Código Florestal.
Entretanto, é igualmente inegável que a realidade da gestão político-ambiental do Brasil apresenta gargalos “quase intransponíveis” à efetivação das diretrizes de proteção, conservação e restauração da vegetação em todo o território nacional. Atualmente, os gargalos se transformaram em ameaças potencialmente concretas de retrocesso na proteção das florestas, pois, o Presidente do Brasil apregoa, sem constrangimento, a intenção de orientar a política ambiental sob as seguintes e perigosas diretrizes: a) submissão das políticas ambientais ao Ministério da Agricultura; b) rompimento de acordos internacionais relacionados com o meio ambiente, como é o caso das declarações relacionadas ao acordo de Paris, sob o argumento de que o Brasil deve deixar o acordo em razão de haver intenção de roubar a soberania do Brasil no que diz respeito a gestão da floresta Amazônica; c) abertura das reservas indígenas para exploração da agricultura e da mineração – dentre outras ações.
A preservação das florestas e dos recursos naturais não constituiu apenas uma política de Estado, representando uma condição de sustentabilidade da vida no planeta. Pelo bem do Brasil e pelo bem da população brasileira, espera-se que a política nacional de proteção das áreas com especial proteção ambiental seja plenamente implementada, transformando a realidade do Brasil. De outro lado, embora possa parecer contraditório, espera-se pela primeira vez que o Presidente Eleito não cumpra as promessas de campanha, sob pena do Brasil retroceder perigosamente na gestão dos recursos naturais.
Notas e Referências
[1] Disponível em https://www.dicio.com.br/apicum/. Acesso em 02 de jan. 2019.
[2] Art. 13. Aos Estados caberá disciplinar a aprovação pelos Municípios de loteamentos e desmembramentos nas seguintes condições:
I - quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as de proteção aos mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico, paisagístico e arqueológico, assim definidas por legislação estadual ou federal;
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