Os ditos microssistemas em uma interpretação integrada no direito civil constitucionalizado

06/10/2023

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

Com o incremento das complexidades atinentes às relações sociais, o Direito assume uma postura, que lhe é natural: construir uma série de normas que dizem respeito a determinadas áreas específicas que se pretende regular ou normatizar. Por exemplo, em um momento muito anterior, pode-se pensar na divisão do Direito entre Direito Público e Direito Privado e deste em Direito Civil, Direito Trabalhista, Direito do Consumidor e assim por diante.

Porém, o movimento mais recente dessa ciência que resulta em uma prática concreta é o de criar outras sistemáticas a partir daquelas já existentes para regrar outros tantos pontos continentes a estes, como se tem notado nas últimas décadas. Daí surgem outros tantos sistemas que têm por escopo reger determinadas relações que possuem uma lógica própria, até porque, em que pese todas essas relações se deem um mesmo ordenamento, sob as mesmas regras gerais, possuem peculiaridades que lhe são inerentes.

Ora, a título de exercício lógico, não se pode crer que seja viável resolver satisfatoriamente conflitos entre familiares por meio de regras que digam respeito ao Direito Societário, embora muito das duas matérias digam respeito ao patrimônio das partes, todo seu arcabouço é sobremaneira divergente. Com isso torna-se fácil compreender o porquê do surgimento dessas novas sistemáticas que se dispõe a regulamentar questões cada vez mais particulares, embora detenham pontos em comum. Os microssistemas, dentro do âmbito do Direito Civil, seara sobre a qual pretende-se debruçar, surgem como resposta às demandas específicas de regulamentação de áreas particulares das relações privadas.

Um exemplo muito intrigante desse desdobramento no que se passou a denominar de “Microssistemas” é a discussão acerca da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica no procedimento de Recuperação Judicial em oposição ao procedimento falimentar. Ora, é certo que se trata de duas sistemáticas regidas por uma mesma lei, dentro de uma mesma lógica do Direito Comercial e sob um mesmo ordenamento. No entanto, de um lado há quem defenda que o procedimento de Recuperação Judicial não abarca essa possibilidade por não haver disposição legal expressa para tanto, já, de outro lado, há quem diga que, uma vez presente os requisitos permissivos da desconsideração da personalidade jurídica, essa deveria ser aplicada por se encontrar em um “Macrossistema”, por assim dizer, que abrange essa possibilidade.

Essa discussão, que possui muitos outros desdobramentos sobre os quais não se vislumbra adequado aprofundar no momento, é pertinente ao presente ensaio ao ponto em que encontra na constitucionalização do Direito Civil um fundamento satisfatório. Esse fenômeno jurídico de notável relevância no contexto contemporâneo integra um processo que envolve a crescente influência das normas e princípios constitucionais nas decisões judiciais e na interpretação das normas civis. Nesse cenário, a Constituição Federal assume o papel central na construção de todo o arcabouço do Direito Civil, estabelecendo os valores, direitos e garantias fundamentais que devem ser respeitados.

Desta feita é imperativo compreender que, embora os microssistemas possuam normas específicas, estes não devem ser concebidos como sistemas autônomos e isolados no âmbito do Direito Civil. Pelo contrário, é fundamental percebê-los como componentes integrantes de um sistema único, em consonância com as disposições constitucionais e, portanto, não podem contrariá-las.

Assim, aquele conflito apresentado anteriormente, a título de exemplo, não merece ter outra resolução, quando diante do caso concreto, que não aquela que respeite os Direitos Fundamentais postos. Mas não só, também deve dialogar com todos aqueles demais sistemas sobre os quais orbita ou é orbitado, sob pena de não dialogar com a própria transformação da sociedade a qual se propõe a regular.

Em suma, dizer que existem microssistemas fechados em si é assumir a imprestabilidade da evolução jurídica, é assumir que as regras não se conversar e, portanto, o sistema está fadado à falha. Mas, por outro lado, assumir que sim, existem microssistemas que se dialogam e se complementam é dar uma sobrevida ao ordenamento jurídico. É imprescindível reconhecer que esses microssistemas devem ser compreendidos como partes integrantes de um sistema único de Direito Civil, embasado nos princípios e valores constitucionais.

A constitucionalização do Direito Civil exige que os microssistemas estejam em plena conformidade com os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição Federal. Esta abordagem garante a coerência e a harmonia do ordenamento jurídico, assegurando que todas as áreas do Direito Civil estejam em total consonância com a ordem constitucional.

 

Imagem Ilustrativa do Post: El cielo dorado // Foto de:  // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/sapa7180/33520470573

Licença de uso: https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura