Os dias eram (e são) assim: o silêncio quanto à ditadura venezuelana

27/04/2017

Por Jorge Coutinho Paschoal – 27/04/2017

Um Estado de feição totalitária sempre deixa marcas, quer para um lado ou outro. No Brasil não é diferente, devendo ser sempre lembradas as violências, torturas, prisões e mortes causadas pela Ditadura Militar, nas décadas de 60 a 80, para que nunca mais voltem a ocorrer.

Muitos são os filmes e séries sobre este período da nossa história, mostrando como eram aqueles dias, a exemplo da atual novela, ou minissérie, “os dias eram assim” e do excelente filme, “o que é isso, companheiro?”.

Não tão recordados assim são os tempos sombrios (tão - ou mais - sanguinários) da ditadura de Getúlio Vargas, o qual entrou para a história como herói, o pai dos pobres.

A verdade, às vezes, segundo dizem, pode se mostrar duvidosa.

Deve-se ouvir o “outro lado da história”, dizem, o que é asserção correta, em respeito ao contraditório, ao diálogo, mas ouvir o outro lado da história – ou ter uma visão crítica da história acerca de um regime ou instituição - não implica relativizar os crimes praticados por ninguém ou referendar um mundo de faz de contas ou conto de fadas (de fantasias ou de devaneios).

Não são poucos os que sugerem uma contextualização dos crimes de ditaduras (em realidade, apenas de determinadas ditaduras), já que, afinal, lembram, pode ter havido crescimento econômico e desenvolvimento social...

Há os que vão além, flexibilizando as torturas, prisões e mortes, pois, argumentam, o regime em relação ao qual simpatizam não teria sido tão radical assim, apontando-se que muitos dos que o combatiam (ou o combatem) pretendiam instituir, em realidade, outro tipo de totalitarismo.

No limite, acaba virando uma discussão pautada em quem matou, torturou, roubou ou prendeu mais (ou menos): se um ou outro “lado” da história.

A discussão assim se coloca entre os defensores da ditadura militar, no Brasil, sendo exatamente o mesmo discurso usado para se defender a ditadura de Fidel, em Cuba, ou pelos admiradores de Stálin e, mais recentemente, também pelos simpáticos ao regime totalitarista bolivariano de Chávez e de Nicolás Maduro na Venezuela.

E assim cada qual vai justificando os atos praticados pelo governante (leia-se, ditador) em relação ao qual nutre alguma simpatia.

O que não entendem é que ter uma visão crítica – sim, é possível ter, não olhar tudo pela lupa binária de preto no branco, de bem ou mal - não significa fechar os olhos para os abusos que se denunciam em sala de aula e em livros, a ponto de se legitimá-los, ainda que por argumentações tortuosas e subrreptícias.

Todos somos testemunhas, em tempo real, da violenta e cruel repressão do governo de Maduro, sucessor de Hugo Chávez, aos que se opõem ao seu regime, frente aos desmandos. A Venezuela já não é modelo de democracia e há muito tempo.

Basta apontar as prisões de caráter político, como do oposicionista Leopoldo López, que se encontra preso desde o ano de 2014, sob a acusação de incitar a violência em manifestações e de tantos outros opositores, entre os quais muitos jovens, cujo crime é sonhar com um país diferente.

A Venezuela já foi um dos mais prósperos países da América Latina: não chegou a esta situação por acaso!

Segundo denúncia internacional, “nos porões de um prédio, sem acesso a ar natural, com luz branca ligada 24h por dia, prisioneiros são mantidos em total isolamento. As celas num complexo conhecido como ‘La Tumba’ (o túmulo) fazem parte das Instalações do Serviço Bolivariano de Inteligência (SEBIN) em Caracas e seriam um dos principais exemplos das condições impostas pelo governo de Nicolas Maduro contra opositores, segundo a ONU”[1].

Embora haja divisão formal entre Executivo, Legislativo e Judiciário, o Executivo detém na mão os outros poderes. A esse respeito, basta lembrar que a Assembleia Nacional, em que partidos de oposição ganharam a maioria, foi neutralizada por Maduro, eis a supressão das imunidades parlamentares e, mais recentemente, a decisão vergonhosa da Corte Suprema de cassar o Poder Legislativo[2], que, de tão absurda e autoritária que foi, teve que ser revista, considerando toda a repercussão internacional.

O principal candidato oposicionista, Henrique Capriles, teve os seus direitos políticos cassados, ficando impossibilitado de disputar as eleições por 15 anos.

Alguns poderiam argumentar que se trata de exagero da imprensa, que tem um viés crítico ao regime de Maduro, ao esquerdismo, mas o fato é que até mesmo veículos de comunicação tradicionalmente simpáticos ao regime bolivariano de Chavez e Maduro são obrigados a noticiar e expor a triste situação que vigora na Venezuela[3].

Há um cenário de miséria e medo disseminados. São veiculadas imagens de pessoas disputando até comida com os urubus [4], não havendo comida suficiente para todos.

O país, então, “implantou o racionamento e controla os comitês de abastecimento que distribuem os alimentos de primeira necessidade. Quem é flagrado falando mal do governo tem seu registro cassado[5].

Cogitar que parte da população apoia Maduro, com todo respeito, em circunstâncias tão drásticas como essas (se não apoiar – ou se criticar - o regime, isso pode implicar ser privado de comer), não é um argumento que possa ser levado a sério.

Ao escrever este texto, na terça, leio que “um jovem de 23 anos morreu na madrugada desta terça-feira em um protesto no povoado do estado de Lara, no Noroeste da Venezuela, segundo a Procuradoria venezuelana. Orlando Medina participava de uma manifestação opositora em uma avenida da cidade de El Tocuyo, de acordo com a imprensa local. No mesmo dia, a oposição realizou um ‘plantão’ bloqueando importantes avenidas em todo o país. Mais de vinte pessoas já morreram em um mês de manifestações contra o governo do presidente Nicolás Maduro. ‘O jovem estava em uma manifestação quando recebeu um tiro na cabeça que o matou imediatamente’, disse um boletim do Ministério Público, que afirmou que o tiro foi disparo de uma escopeta”[6].

Contam-se centenas de prisões pelo regime totalitarista de Maduro, chegando-se ao número de 777 presos por protestos na Venezuela[7]. Não é um número insignificante.

Considerando que ainda há timidez de boa parte da intelectualidade (quando não uma defesa velada às arbitrariedades, em nome de uma ideologia que se diz social), indago: quantas prisões e mortes mais serão necessárias para chamar a atenção dos nossos formadores de opinião, dos seminaristas nacionais e, sobretudo, internacionais e, de modo geral, das instituições sensíveis às violações de direitos humanos?


Notas e Referências:

[1] http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,onu-cobra-governo-venezuelano-por-situacao-de-presos,10000076220

[2] http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-drama-da-venezuela,70001738162

[3] https://www.cartacapital.com.br/internacional/venezuela-oito-mortos-em-tres-semanas-de-tensao-politica; https://www.cartacapital.com.br/internacional/a-venezuela-da-mais-um-passo-rumo-ao-autoritarismo; http://justificando.cartacapital.com.br/2014/10/20/onu-pede-libertacao-imediata-de-manifestantes-e-presos-politicos-na-venezuela/

[4] http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-venezuela-e-as-esquerdas-brasileiras,70001748157

[5] http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-drama-da-venezuela,70001738162

[6] http://oglobo.globo.com/mundo/jovem-de-23-anos-morre-em-novo-protesto-na-venezuela-21252995

[7] http://internacional.estadao.com.br/noticias/america-latina,ong-venezuelana-afirma-que-ha-777-detidos-por-protestos-contra-o-governo,70001748816


jorge-coutinho-paschoal. . Jorge Coutinho Paschoal é Advogado e Mestre em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (USP). . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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