Os Dez Mandamentos, revisão – Por Léo Rosa de Andrade

22/06/2016

As sociedades necessitam de liames relacionais. Ou têm-se regras que permitem o trânsito de ideias e comportamentos, ou vive-se em desentendimento generalizado. Normas são emanações de poder; poder é coisa mundana. A ideia de que preceitos são vontades humanas, contudo, é muitíssimo nova.

A Tradição Ocidental, ou a História do Ocidente, inclui a esperteza de quem, lá nos tempos de crendices, atribuiu os preceitos do mundo a uma voz que teria posto fogo em sarça e lavrado mandamentos em pedra. A eficácia da manipulação de regras carimbadas como milagrosas assenta-se na competência do seu intérprete.

O adivinho da vontade divina, ademais dos recursos de adivinhação, necessita de meios terrenos objetivos para se impor; de legitimação para permanecer; de controle de mentalidade para não ser posto em dúvida; de um sistema de alienação do presente e de chantagens sobre o futuro.

Valores praticados há mais de 2000 anos produziram as regras básicas dos crentes ocidentais. Muitas das regras aplicadas aos costumes que vivemos foram produzidas pelo poder militar de Constantino (imperador romano católico). Impuseram-se credos, controlaram-se consciências, chantageou-se o imaginário popular.

Constantino, o 13o apóstolo, matou sistematicamente quem não se converteu ao catolicismo; todas as crenças concorrentes foram banidas; quem, mesmo na vida privada, não seguisse a “fé” temia a danação eterna. Por 1800 anos a coisa foi assim. Só a Revolução Francesa garantiu a réstia de luz do Renascimento.

O Renascimento acendeu o Iluminismo. O Positivismo deu condições à Ciência. Mas por 18 séculos (princípio do IV ao fim do XVIII), ou se cumpriam os Dez Mandamentos, ou se morria. E morrer de “morte matada”, no sentido de sofrer tortura, ser queimado, afogado, esfolado... O que houvesse de horror. Já não cabem, todavia.

Mandamento 1: Amar a deus sobre todas as coisas. Revisão: Amar a ti mesmo sobre todas as coisas. Comentário: Não esquecer, contudo, que fazes parte do mundo; se não amares o mundo, não amarás a ti mesmo.

Mandamento 2: Não invocar o santo nome de deus em vão. Revisão: Não invoques criaturas imaginárias, é ato em vão. Comentário: Como os fatos acontecem? Eles são tua vontade mais as injunções históricas mais o aleatório. Vai à luta.

Mandamento 3: Guardar domingos e festas de guarda. Revisão: Procura descansar quando estiveres cansado\a. Faz isso em homenagem a ti mesmo. Comentário: Se tiveres que trabalhar, faze-o em qualquer dia sem qualquer constrangimento.

Mandamento 4: Honrar pai e mãe. Revisão: Honorifica quem o mereça; repudia quem seja indigno. Comentário: A ascendência não implica boa ou má qualidade. Os registros de violência doméstica contra crianças recomendam cautela.

Mandamento 5: Não matar. Revisão: Só mata em conformidade com as normas de legítima defesa. Comentário: Com efeito, a vida é valor universalmente reverenciado. Não obstante deus ser o maior assassino da História, o mandamento é válido.

Mandamento 6: Não pecar contra à castidade. Revisão: Peca contra a castidade sempre que tiveres oportunidade. Comentário: O sexo produz benefícios bioquímicos e psicológicos em quem o pratica; melhor com habitualidade.

Mandamento 7: Não furtar. Revisão: Só furta em caso de necessidade extrema, nos termos da lei. Comentário: Realmente, apropriar-se do bem alheio por pura cobiça não é coisa que se elogie. O mandamento conserva seu valor.

Mandamento 8: Não levantar falso testemunho. Revisão: Evites mentir. Comentário: Mentiras raramente são boa trilha, às vezes, contudo, são libertárias. V.g.: a menina vigiada afirma pernoite na casa da amiga, mas dorme com o namorado.

Mandamento 9: Não desejar a mulher do próximo. Revisão: Sê sensível ao teu desejo. Comentário: Esse preceito é um insulto à igualdade de gênero. Deseja quem queiras desejar, sem qualquer restrição de sexo, ademais.

Mandamento 10. Não cobiçar as coisas alheias. Revisão: Cobiça moderadamente. Comentário: O busílis está na inveja do tipo destruidor da coisa do outro. A inveja de natureza “também quero” é bastante salutar; ela move o mundo.

O corpo, incluída a sua dimensão mental, acolhe prazeres ou dores. Meus princípios me trazem satisfação. Se não te agradam, cria os teus. Mas, cuidado, se não te fazes recinto de deleites, acabas postergando o céu.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Church and State // Foto de: Cindy Funk // Sem alterações

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