OS DESÍGNIOS REGULAMENTARES DA FAMÍLIA PATRIARCAL NA ANTIGUIDADE: UM CONCISO HISTÓRICO E ASPECTOS NOTÓRIOS NA ATUALIDADE

11/01/2020

A família um fato natural é ou biológico, mas isso não considera os diversos modelos de família constituídos em distintas sociedades. O conceito ocidental mais difundido é o de família nuclear, mesclada por pai, mãe e filhos e vinculada à coabitação, também tal conceito é falho, pois não dá conta dos múltiplos arranjos familiares existentes hoje e no passado.

Esses acondicionamentos ratificam que o conceito de família não se define, necessária ou exclusivamente por laços de parentesco consanguíneo e nem por unidade residencial ou doméstico. Um grupo de amigos pode coabitar em um apartamento sem, contudo, constituir-se em uma família. O padrão patriarcal de família tem alusão com o modelo senhorial e os clãs parentais. No modelo patriarcal, pensa-se de imediato em um tipo de estrutura familiar extensa, ou seja, é um conceito de família que abriga em seu seio todos os agregados.

Na definição da família patriarcal, uma família numerosa, composta não só do núcleo conjugal e de seus filhos, mas incluindo um grande número de criados, parentes, aderentes, agregados e escravos, submetidos todos ao poder absoluto do chefe de clã, que era, ao mesmo tempo, marido, pai, patriarca, conforme afirma Faria (2001, p. 216). O termo patriarcalismo, designa a prática desse modelo como forma de vida própria ao patriarca, seus familiares e seus agregados.

O pater seria o executivo do grupo familiar, Logo não se reduz apenas ao núcleo familiar pai, mãe e filhos, mas faz referência a todos os que giram em torno do núcleo centralizador dos vários tipos de relação: o patriarca. Dessa forma, o patriarca constitui-se em um núcleo econômico e um núcleo de poder.

Como centro econômico o patriarca tem um amplo número de aglomerado, criados, escravos, etc. que dependem dele como provedor. Percebe-se que, neste modelo de sociedade, as relações econômicas contornam a figura do chefe, este, muitas vezes, era um senhor de engenho. Como centro de domínio destaca-se o caso de todos os seus anexos estarem subordinados a sua autoridade; é o pater, quase que na totalidade das vezes, quem decide o destino de seus agregados. Nas altercações a consideração do tema, durante a década de vinte, cujo principal articulista foi Gilberto Freyre, o método de colonização no Brasil deu-se sobre a égide de um tripé fundamental estruturador da sociedade brasileira. Seriam “estas as bases, o latifúndio, a escravidão e uma economia agro-exportadora”, Cardoso (1997, p. 241). A família senhorial era a resultante desse tripé.

É como se este tripé fundador da sociedade colonial tivesse resultado, necessariamente, no modelo patriarcal de família. A estrutura desse modelo foi elaborada teoricamente por Gilberto Freyre, e reproduzida dentro da historiografia subseqüente aos principais trabalhos de Freyre “Sobrados e Mocambos e Casa-Grande e Senzala”. Conforme Mariza Correa, em seu texto “Notas sobre a família no Brasil”,

Freyre foi o inventor do conceito de família patriarcal, para descrever as relações familiares no Brasil, desde o período colonial até o final do século XIX, quando esta teria entrado em declínio, para ser substituída, paulatinamente, pela família nuclear burguesa. (CORREIA, p. 233. 2002)

No Brasil colonial, o planeta rural governava sobre o urbano. Nessa época, a condição de vida era melhor na estância do que na cidade. Mesmo sem as melhores condições, a vida na cidade já apresentava uma característica fundamental, o relacionamento social. Estar na cidade facilitava o sucesso dos negócios. Por isso, uma boa parte dos senhores mantinham casa na cidade, e lá permanecia com sua família por um período do ano.

Nas cidades, “as casas tinham a formato de amplos blocos, maciços e retangulares” Prado (2000, p. 64). No geral, eram caídas, Construídas uma ou lado da outra, praticamente com os mesmos materiais, dimensões, fachadas e altura. Davam uma forte impressão de monotonia e concentração. A ausência de árvores nas ruas, praças e jardins domésticos aumentavam esse sentimento.

Todo o afazer doméstico competia aos sujeito a um senhor. Atente que na época não havia fornecimento de água, rede de esgoto, energia elétrica, gás, etc. A água tinha que ser buscada na fonte, os excrementos deviam ser jogados “em locais previamente indicados pelo governo, e o não cumprimento a risca levava o escravo ao sofrimento do açoite ou coisa pior” Furtado (2013 p. 76). Cabia a Senhora comandar os escravos. O Senhor concentrava-se nos negócios. As crianças e jovens pouca ou nenhuma importância apresentavam para esta organização familiar, eles treinavam para serem futuros Senhores e Senhoras.

A casa térrea era usada como moradia e local de trabalho de pessoas livres e pobres. A peça da frente destinava-se à atividades comerciais e produtivas, assim como à recepção de hóspedes. A peça de trás servia como dormitório e sala de estar para as mulheres. A cozinha era geralmente num pequeno puxado anexo a peça de trás da casa. O piso normalmente era de chão batido. Esse painel “demonstra que a família ou pessoas livres, porém, sem poder econômico, tinham que fazer todo o trabalho que os escravos faziam no sobrado” Faria (2001, p. 261). O homem pobre tinha a liberdade como o seu maior bem.

Tal família teria papel essencial na formação do país, pois, Nader;Rangel (2015 , p. 357) “o grande fator colonizador, que toma em suas mãos a tarefa de construir o país, cultivando o solo, construindo benfeitorias e comprando escravos e ferramentas para a produção”. Esta força social que se desdobra em política, Nader;Rangel (2015 , p. 378) “ocupou o lugar empreendedor e diretor do Estado, fazendo com que o rei de Portugal quase que reina sem governar” .

Neste vazio desamparado pela majestade portuguesa longínquo, a família colonial brasileira encontrará espaço para o desempenho de diversas funções sociais, inclusive o exercício político. O “gosto de mando exercido já nas relações privadas estende-se ao domínio público, com as características de capricho privado que já possuía” Cardoso (2005, p. 93). O sadismo do senhor e o masoquismo dos escravos e das mulheres ampliam-se para o campo mais largo de nossa vida social e política, constituindo o mandonismo, que até então em 1933 sentiria presente na ordem social.

São, assim, nas relações familiares que, as bases de cultura política, até hoje delineadas como de amoedo familista. Traço da identidade nacional, bem absorvido pelas elites, assim que “a tradição conservadora no Brasil sempre se tem sustentado do sadismo do mando, disfarçado em ‘Princípio de Autoridade” Nader;Rangel (2015 , p. 382).

Entre essas suas místicas – a da Ordem e a da Liberdade, a da Autoridade e a da Democracia – é que se vem equilibrando entre nós a vida política, precocemente saída do regime de senhores e escravos, Freyre (1994:52; grifo meu). A ordem política constitui-se, assim, desde o princípio e precocemente, imiscuída com o tipo de autoridade vigente na casa grande. O que parece ser uma crítica absoluta à elite dominante culminará, contudo, em um elogio dos diversos elementos culturais aqui presentes.

Outros exemplos de família na história do Brasil, “na cidade de São Paulo e algumas regiões de Minas Gerais, no final do século XVIII e XIX, predominou a família nuclear, constituída por pai, mãe e filhos”, Prado (2000, p.75). As pesquisas revelaram que um número significativo de residências eram chefiadas por mulheres. A ausência do marido por longos períodos, envolvido nas bandeiras, na exploração do ouro ou no comércio ambulante levava a mulher a administrar a casa, os escravos e a produção, a quitar dívidas e firmar casamentos.

O desenvolvimento da família raramente se dava pelo casamento legal cujo acesso restringia-se à elite branca. A situação mais comum era o casal passar a viver junto, constituindo família, independente da formalização do casamento. A “presença do concubinato, um grande número de crianças ilegítimas e abandonadas eram comuns e acabavam por gerar outros arranjos familiares” Furtado (2013 p.102). Os homens, em geral, reconheciam seus filhos fora do casamento e, se fosse filho de uma escrava, era comum conceder-lhes a alforria no momento do batismo.

Famílias de escravos no Brasil colonial No período colonial no Brasil e também no período monárquico, o número de escravos homens sempre foi proporcionalmente muito maior do que mulheres escravizadas. Mas o fato de não haver mulheres para todos os homens, não significou que havia promiscuidade entre os cativos e nem que os laços afetivos fossem efêmeros. Ao contrário do que se supunha, os escravos no Brasil colonial, apesar da opressão do cativeiro, constituíam famílias estáveis, havendo até aqueles que se casavam na igreja.

As famílias de escravos podiam ter entrada à terra para o cultivo de roças e uma casa distinguida das senzalas coletivas. A interferência do senhor sobre a constituição de famílias entre seus escravos não era expressiva e praticamente se limitava a impedir matrimônios entre escravos de donos diferentes. A escolha do cônjuge e dos padrinhos de crianças era prerrogativa dos escravos e não dos senhores. Nem mesmo a conjetura atuação paternalista dos senhores sobre seus escravos no Brasil colônia, “através do apadrinhamento foi comprovada pelos estudos mais recentes” Nader;Rangel (2015 , p. 386). Constata-se que, em todo período de escravidão no Brasil, praticamente nenhum escravo foi batizado pelo seu senhor.

 

Notas e Referências

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FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes. O outro lado do mito. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p .76 - 104.

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MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993, p. 82.

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PRADO, Danda. O que é família. São Paulo: Brasiliense, 1981. PRIORE, Mary del. A família no Brasil colonial. São Paulo: Moderna, 2000, p. 64 - 79.

 

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