Por Rômulo de Andrade Moreira – 11/04/2015
Os ministros do Supremo Tribunal Federal aprovaram, na sessão plenária do dia 09 de abril de 2015, mais uma Súmula Vinculante a partir da conversão do Verbete 722 da súmula do Supremo Tribunal Federal. A nova Súmula Vinculante receberá o número 46 e teve a redação ligeiramente alterada em relação ao anterior, para que o texto ficasse na ordem direta e para que fosse enfatizada a natureza privativa da competência legislativa em questão. A Súmula Vinculante 46, resultante da Proposta de Súmula Vinculante 106, terá a seguinte redação: “A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa privativa da União”.
Antes disso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão do dia 12 de fevereiro de 2015, julgou parcialmente procedentes as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº. 4791, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, e as de nºs. 4792 e 4800, de relatoria da Ministra Cármem Lúcia, para declarar a inconstitucionalidade de dispositivos das constituições estaduais do Paraná, Espírito Santo e Rondônia que remetiam às Assembleias Legislativas o julgamento dos Governadores nos crimes de responsabilidade. Os Ministros entenderam que os dispositivos contrariam a Constituição Federal, que fixa a competência privativa da União para legislar em matéria processual.
Todas as ações foram de iniciativa do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil questionando dispositivos semelhantes das constituições dos três estados com o objetivo de definir as competências para processamento e julgamento do Governador nos crimes comuns e nos crimes de responsabilidade. As Ações também questionam a necessidade de autorização prévia por dois terços da Assembleia Legislativa para instauração de processo contra o chefe do executivo estadual. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil, essa exigência impediria a instauração de processos, pois os legislativos estaduais não teriam isenção para decidir sobre a autorização necessária para a abertura de processo por crime comum contra governador no Superior Tribunal de Justiça ou para julgá-lo na própria Assembleia nos crimes de responsabilidade.
Seguindo o entendimento dos relatores, apontando diversos precedentes do tribunal no mesmo sentido, os Ministros julgaram inconstitucionais os dispositivos que fixavam competência das Assembleias Legislativas para processar e julgar os governadores, pois contrariavam os procedimentos previstos na Lei nº. 1.079/50, que designa a competência deste julgamento a um tribunal especial.
Os relatores apontaram não haver qualquer norma constitucional que impeça que normas estaduais estendam aos Governadores prerrogativas asseguradas ao Presidente da República. O Ministro Teori Zavascki sustentou que eventuais abusos ou anomalias por parte de assembleias estaduais, que protelem o exame de pedido de abertura de processo contra Governadores, não constituem fundamento idôneo para revogar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que entende válida as licenças prévias para processar o chefe do executivo. Segundo ele, apenas por iniciativa legislativa seria possível alterar essa exigência. Lembrou ainda que o marco prescritivo relativo a eventuais crimes fica suspensa desde a data do despacho do Ministério Público solicitando a anuência do órgão legislativo para que seja instaurado o processo e não a data da aceitação
A Ministra Cármem Lúcia observou que garantir a governabilidade por meio de alianças e debates, sempre respeitando as leis vigentes e as exigências dos cidadãos, é característica do estado democrático de direito e que, embora possa haver anomalias, as exceções não poderiam justificar a impugnação de normas que estão de acordo com a Constituição Federal. “Por maior que seja a frustração experimentada pela sociedade nesses casos [em que a negativa de autorização favorece a impunidade], que se percebe desamparada em razão de práticas inescusáveis imputadas a seus representantes, por mais complexa que seja a apuração e eventual punição desses agentes públicos, não se pode concluir de plano que todas as casas legislativas e seus membros sejam parciais e estejam em permanente conluio com representantes do executivo e com situações de anomalia, pelo menos, ética”, salientou.
Sem adentrar o mérito das respectivas decisões, o que interessa ao presente trabalho é a seguinte pergunta: há no Brasil alguma lei que tipifique um crime de responsabilidade?
De logo, transcrevo a lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro, para quem “a natureza das medidas previstas no dispositivo constitucional está a indicar que a improbidade administrativa, embora possa ter consequência na esfera criminal, com a concomitante instauração de processo criminal (se for o caso) e na esfera administrativa (com a perda da função pública e a instauração de processo administrativo concomitante) caracteriza um ilícito de natureza civil e política, porque pode implicar a suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento dos danos causados ao erário.”[2] Aliás, o art. 37, § 4º. da Constituição Federal é expresso no sentido de que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (grifo nosso). Observa-se que o próprio texto constitucional nitidamente faz a distinção.
O conceito de infração penal (crime e contravenção) é dado pela Lei de Introdução ao Código Penal que define crime como sendo “a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.” (art. 1o. do Decreto-Lei n. 3.914/41).
Estas definições, por se encontrarem na Lei de Introdução ao Código Penal, evidentemente regem e são válidas para todo o sistema jurídico–penal brasileiro, ou seja, do ponto de vista do nosso Direito Positivo quando se quer saber o que seja crime ou contravenção, deve-se ler o disposto no art. 1º. da Lei de Introdução ao Código Penal.
O mestre Hungria já se perguntava e ele próprio respondia:
“Como se pode, então, identificar o crime ou a contravenção, quando se trate de ilícito penal encontradiço em legislação esparsa, isto é, não contemplado no Código Penal (reservado aos crimes) ou na Lei das Contravenções Penais? O critério prático adotado pelo legislador brasileiro é o da “distinctio delictorum ex poena” (segundo o sistema dos direitos francês e italiano): a reclusão e a detenção são as penas privativas de liberdade correspondentes ao crime, e a prisão simples a correspondente à contravenção, enquanto a pena de multa não é jamais cominada isoladamente ao crime.”[3]
Por sua vez, Tourinho Filho afirma: “Não cremos, data venia, que o art. 1º. da Lei de Introdução ao Código Penal seja uma lex specialis. Trata-se, no nosso entendimento, de regra elucidativa sobre o critério adotado pelo sistema jurídico brasileiro e que tem sido preferido pelas mais avançadas legislações; (...) Veja-se, no particular, Marcelo Jardim Linhares, Contravenções penais, Saraiva, 1980, v. 3, p. 781: ´Assim, quando a infração eleitoral é apenada com multa, estamos em face de uma contravenção´.”[4]
Manoel Carlos da Costa Leite também trilha na mesma linha, afirmando: “No Direito brasileiro, as penas cominadas separam as duas espécies de infração. Pena de reclusão ou detenção: crime. Pena de prisão simples ou de multa ou ambas cumulativamente: contravenção.”[5]
Eis outro ensinamento doutrinário: “Como é sabido, o Brasil adotou o sistema dicotômico de distinção das infrações penais, ou seja, dividem-se elas em crimes e contravenções penais. No Direito pátrio o método diferenciador das duas categorias de infrações é o normativo e não o ontológico, valendo dizer, não se questiona a essência da infração ou a quantidade da sanção cominada, mas sim a espécie de punição.”[6]
Luiz Flávio Gomes afirma: “Por força do art. 1o. da Lei de Introdução ao Código Penal, infração punida tão somente com multa é contravenção penal (não delito).”[7] Vê-se, às escâncaras, que aqueles tipos elencados na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei nº. 1.079/50, decididamente, não são infrações penais, mas infrações político-administrativas.
Portanto, a resposta à pergunta feita no início é negativa, ao menos, de lege lata, pois o único agente político que no Brasil, hoje, pode praticar um crime de responsabilidade é o Prefeito, por força do art. 1º. do Decreto-Lei nº. 201/67. Somente!
Não há crimes tipificados na Lei nº. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), tampouco na Lei nº. 1.079/50 (Lei do Impeachment). O Senador Fernando Collor de Mello que o diga!
Notas e Referências:
[2] Ob. cit., p. 678.
[3] Comentários ao Código Penal, Vol. I, Tomo II, Rio de Janeiro: Forense, 4ª ed., p. 39.
[4] Processo penal, Vol. 4, São Paulo: Saraiva, 20ª. ed., p.p. 212-213.
[5] Manual das Contravenções Penais, São Paulo: Saraiva, 1962, p. 03.
[6] Eduardo Reale Ferrari e Christiano Jorge Santos, “As Infrações Penais Previstas na Lei Pelé”, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, n. 109, dezembro/2001.
[7] Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, n. 110, janeiro/2002.
Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
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