Na mesma linha dos contratos empresariais colaborativos já trabalhados em artigos anteriores, é certo que o futuro de toda a empresa depende de sua rede de relacionamento e dos contratos.
Acompanhar o ritmo do mercado em cujo segmento se encontra é fundamental. Para que isso seja possível, o investimento em pesquisa e inovação se faz necessário, sendo, em verdade, essencial para a própria sobrevivência no mercado. Porém esse investimento é elevado, sendo ainda mais acentuado devido ao fato de o ciclo de vida dos produtos provindos de uma nova tecnologia tender a ser cada vez mais curto. A título de exemplo, qualquer pessoa que tenha comprado um celular um ano atrás pode constatar a velocidade com que a tecnologia contida em seu produto se torna rapidamente obsoleta, pois a cada semestre uma nova versão do produto é lançada, com avanços tecnológicos relevantes[i]. Isso também é válido para as indústrias automobilística, farmacêutica, dentre tantas outras, em uma espécie de amplificação da aplicação da Lei de Moore[ii] para todos os mercados.
Entretanto, uma vez que a empresa atinge uma posição de vantagem competitiva em um setor econômico em virtude da consolidação de determinada tecnologia, os ganhos econômicos advindos da gestão dessa propriedade intelectual são exponenciais. É o que se pode notar, por exemplo, na performance exitosa da Apple, companhia mais valiosa da Bolsa de Valores de Nova York, que, em 2017, atingiu o valor de 750 bilhões de dólares[iii]. A Apple é conhecida mundialmente como um modelo a ser seguido na área de desenvolvimento e gestão estratégica de novas tecnologias.
Por outro lado, o fator custo versus retorno incerto se torna um impeditivo para o investimento em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação — PD&I — por parte da grande maioria dos empresários, sobretudo em economias como a brasileira, onde, além do risco tecnológico, uma série de outros riscos permeiam o cotidiano de quem se aventura em uma atividade econômica com fins lucrativos.
Cabe observar, todavia, que uma das saídas encontradas para mitigar os riscos do investimento na busca de novas tecnologias se encontra na celebração de acordos de colaboração entre empresas do mesmo setor econômico, para o futuro uso compartilhado da tecnologia. Isso permite a diluição do risco tecnológico com outros parceiros, de forma segura. Essa aliança vem sendo cunhada como Inovação Aberta, sendo caracterizada pela troca de informações entre empresas de forma contínua e fluida, em uma genuína cooperação[iv].
Ocorre que a busca de parcerias com o intuito de promover o desenvolvimento de tecnologias disruptivas é vista sempre como uma incerteza, isto porque nem toda pesquisa gera resultados positivos. Sendo assim, em regra, estabelece-se entre as partes envolvidas um ambiente de desconfiança, o que, muitas vezes, inviabiliza a implementação de projetos mesmo antes de seu início. Essa barreira, porém, pode ser desconstruída, ou amenizada por meio de mecanismos jurídicos, como os contratos de Patent Pools e de Licenciamentos Cruzados, os quais propiciam vínculos entre os colaboradores, permitindo que as empresas superem de forma mais célere barreiras tecnológicas, conseguindo, de forma cooperativa, introduzir novas tecnologias no mercado.
A diferença entre os dois tipos supramencionados de instrumentos contratuais para a transferência de tecnologia é simples: o Licenciamento Cruzado “is simply an agreement between two companies that grants each the right to practice the other’s patents”[v]. Ou seja, um licenciamento cruzado é realizado quando uma companhia, durante o desenvolvimento de seu produto, infringe a patente de outro titular. Neste caso, o contrato de licenciamento cruzado é um acordo que permite as partes concomitantemente usufruírem da patente da outra parte para a produção de sua mercadoria, sem infringir nenhum direito de Propriedade Intelectual. Esclarece-se que, apesar de se beneficiar da patente de outrem, o beneficiário não se torna titular ou possui qualquer direito, a não ser de usufruir da patente.
É o meio preferido e mais utilizado por grandes empresas para resolver a disputa de blocking patent, situação cada vez mais comum, diante da disseminação da informação e da tecnologia em escala global, na qual não há como uma tecnologia ser efetivamente utilizada sem infringir os direitos de propriedade intelectual de outra tecnologia patenteada. Portanto o contrato de Licenciamento Cruzado tende a ser um instrumento contratual de relevo para a solução de litígios ex post, ou seja, ocorridos após ou durante a pesquisa e desenvolvimento de um novo produto ou serviço. Além disso, o Licenciamento Cruzado é instrumento essencial para o Patent Pool.
Em verdade, o uso do Patent Pool é estrategicamente adequado para situações ex ante, ou seja, antes ou durante a pesquisa e desenvolvimento empreendidos pelas empresas de determinado setor econômico, para a obtenção de uma nova tecnologia. Trata-se, com efeito, de “(…) an agreement between two or more patent owners to license one or more of their patents to one another or to third parties. Often, patent pools are associated with complex technologies that require complementary patents in order to provide efficient technical solutions. Generally, these patent pools cover mature technologies. Pools also frequently represent the basis for industry standards that supply firms with the necessary technologies to develop compatible products and services. In that case, they rather concern technologies that are yet to be fully developed”[vi].
Sintetizando, é considerado um Pool de Patentes quando uma pessoa jurídica ou entidade, já existente ou criada para essa nova finalidade, recebe de detentores de patentes a licença para sublicenciar a patente ou as patentes a terceiros, que pagam uma taxa para o recebimento do “pacote de licenciamento” de todas as patentes contidas no Pool, denominada royalties, normalmente uma porcentagem sobre a venda do produto final do licenciado. Nesse sentido, vale mencionar, a título de exemplo de como soluções contratuais como essas viabilizam a superação de barreiras tecnológicas, um Pool de Patente denominado Medicine’s Patent Pool, fundado em 2010 pela UNITAID, organização não governamental vinculada à Organização Mundial da Saúde, com o propósito de “improve health by providing patients in low and middle-income countries with increased access to quality, safe, efficacious, more appropriate and more affordable health product, through a voluntary patent pool mechanism”[vii]. Esse Patent Pool, sem fins lucrativos, recebe licenças para sublicenciar as patentes de componentes ligadas ao combate à HIV, Hepatite C e Tuberculose para países em estágios menos avançados de desenvolvimento. Outro exemplo marcante, que demonstra a importância dos Patent Pools, é o da tecnologia Wi-Fi, a qual certamente não estaria disponível da forma como se encontra, fazendo parte do nosso cotidiano em qualquer lugar do mundo, se não fosse uma aliança entre empresas para a reunião e uso compartilhado dessa tecnologia, por meio do IEEE 802.11 wireless networking standard[viii].
Dito isso, é pesaroso constatar que, apesar de todo o benefício que novas tecnologias originam para as empresas e para os consumidores, o Brasil, infelizmente, não possui uma tradição de investir em PD&I, e, muito menos, na realização de acordos de cooperação para o desenvolvimento de novas tecnologias. Isto ocorre por vários motivos, um deles decorre do fato de que, tradicionalmente, países em desenvolvimento são compradores de tecnologia e não produtores. Comprovando em números, no ano de 2013, o País gastou 1,24% do PIB em PD&I, enquanto que, em países desenvolvidos, o valor chega a 3,5%[ix]. A superação dessa cultura, em verdade, encontra-se em estágio de amadurecimento, capitaneada pelos vetores indutivos da Lei de Inovação[x].
De outro lado, infere-se que o ambiente de incerteza que permeia o risco tecnológico na PD&I torna os empresários muito resistentes ao emprego de estratégias cooperativas com concorrentes. Ora, esse vetor de resistência é um no qual os operadores do direito empresarial podem atuar, por meio do estudo e disseminação dos efeitos positivos de soluções contratuais engenhosas, mas simples, como os Licenciamentos Cruzados e os Patent Pools.
Afinal, sem inovação não há desenvolvimento econômico ou social.
[i] CHESBROUGH, Henry. Modelo de Negócios Abertos: Como prosperar no novo cenário da inovação. Porto Alegre: Bookman, 2012, p. 10.
[ii] https://www.tecmundo.com.br/curiosidade/701-o-que-e-a-lei-de-moore-.htm
[iii] https://www.statista.com/statistics/263264/top-companies-in-the-world-by-market-value/
[iv] O que é Inovação Aberta (Open Innovation)? Disponível em< http://www.ufrgs.br/icd/o-que-e-inovacao-aberta-open-innovation/> Acesso em: 07 de fevereiro de 2018.
[v] SHAPIRO, Carl. Navigating the Patent Thicket, Cross Licenses, Patent Pool, and Standard Setting, In Adam Jaffe, Josh Lerner, Scott Stern, Innovation Policy and the Economy, Cambridge, The MIT Press, 2001, p. 119-150. Disponível em: http://faculty.haas.berkeley.edu/shapiro/thicket.pdf> Acesso em: 07 de fevereiro de 2018. p. 127.
[vi] WORLD INTELLECTUAL PROPERTY ORGANIZATION (WIPO), Prepared by the Secretariat. PATENT POOLS AND ANTITRUST – A COMPARATIVE ANALYSIS Disponível em: <http://www.wipo.int/export/sites/www/ip-competition/en/studies/patent_pools_report.pdf> Acesso em: 07 de fevereiro de 2018. p.3.
[vii] https://unitaid.eu/project/medicines-patent-pool/#en
[viii]https://www.wi-fi.org/download.php?file=/sites/default/files/private/gd_8_RevisedMarch1,2006WFAIPRPolicy.pdf
[ix] http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/06/sem-dinheiro-para-inovacao-parceria-entre-ciencia-e-industria-e-desafio.html
[x] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.973.htm
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