Os consumidores esperam que instituições financeiras prestem assistência para facilitar suspensão ou mesmo diluição do valor do crédito obtido, e as instituições financeiras também querem agir para que o seu cliente continue adimplente nesse momento de pandemia e abalo da economia nacional.
A pergunta que se faz é: qual a forma em que isso deve ocorrer, não apenas acenando ao consumidor, mas também concedendo a instituição financeira alguma forma de maior segurança no adimplemento da obrigação.
O império do pacta sund servanda, da teoria da imprevisão e função social do contrato em tempos de força maior que temos vivido é evidente e não deixa pairar dúvida.
Do mesmo modo é deveras importante a instituição financeira que seu cliente esteja e seja adimplente com a obrigação com a instituição financeira. Destaca-se, desde já, que negociações estão acontecendo a todo instante, mais de três milhões e oitocentos mil contratos já foram renegociados no período de pandemia, somando mais de vinte e dois bilhões de reais de impacto[1]. Em informativo da Febraban, fica destacado a movimentação no momento de pandemia[2]:
“Assim, as (i) novas contratações (R$ 267,9 bi) e o alívio de caixa (R$ 34,9 bi) com a (ii) suspensão das parcelas representam uma injeção de R$ 302,8 bilhões em novos recursos na economia. Adicionalmente, foram feitas (iii) renovações de operações no total de R$ 78,7 bilhões, permitindo que empresas e famílias mantivessem esses recursos em seu poder para honrar outros compromissos. Somando estes três componentes, o volume total de concessões alcança R$ 381,5 bilhões.”
Que o tomador do crédito, o consumidor, tem buscado a instituição financeira a fim de revisitar a forma de pagamento de sua obrigação não é novidade, e que já existem decisões judiciais que concedem pedidos de suspensão, flexibilização, dentre outros também temos visto por ai (como exemplo, temos decisão da Justiça Federal no DF que suspendeu cobrança de crédito consignado de aposentado, por quatro meses[3]).
Antes mesmo do início dos trâmites legislativos dos projetos de lei já em trâmite as instituições financeiras já tomaram a dianteira e renegociam os contratos de crédito, mas merece destaque de que há alguns projetos de lei que visam regulamentar os contratos de crédito pelo período de pandemia.[4]
Contudo, considerando que é de interesse de ambas as partes, consumidor e instituição financeira, que o crédito seja adimplido, o presente estudo tem por finalidade demonstrar de forma fundamentada uma possibilidade de como se fazer isso, beneficiando ambos.
É de conhecimento geral que as condições para concessão de determinado tipo de crédito financeiro, por uma instituição financeira, possui alguns aspectos que influenciam na negociação para concessão do crédito pretendido, dentre esses, destacam-se o risco do cliente, do projeto, da proposta e ponderação de garantia. Diante da análise desses aspectos é negociada a concessão do crédito, dentre essas valor dos juros, forma e prazo de quitação da obrigação.
Ou seja, normalmente ao demonstrar que o adimplemento é certo, as condições são mais favoráveis e havendo segurança da instituição financeira no adimplemento da obrigação, as condições tendem a ser mais favoráveis ao tomador do crédito. Não há novidade aqui. A concessão de safra futura normalmente é mais volátil do que um imóvel.
Partindo dessas premissas, importante analisar sob esta ótica os desdobramentos de contratos de crédito pela ocorrência da pandemia do COVID19.
Pelo lado do tomador do crédito, daquele que o recebe, temos que já houve, para sua concessão análise sobre o adimplemento que levou as partes a negociarem as condições para sua concessão, notadamente a taxa de juros, forma e prazo de pagamento, caso contrário não teria sido concedido o crédito.
Contudo, não raras são as chances de as consequências advindas da pandemia, isolamento social, quarentena e determinação de suspensão de atividades tenha impactado o produto/serviço que dá origem ao pagamento da obrigação, exatamente diante deste caso de força maior, que faz com que a imprevisão exista, e a parte busca encontrar uma forma de conseguir adimplir a obrigação anteriormente assumida, cumprindo com a função social do contrato. Mas para que isso seja possível, se faz necessário renegociar os termos com a instituição financeira.
A instituição financeira, por sua vez, também relativamente aflita com o crédito que possui no mercado, possui receios de que a taxa de adimplemento possa cair a porcentagens preocupantes. Dessa maneira, é importante para si que as obrigações sejam adimplidas, nem que para isso seja necessário flexibilizar o negócio jurídico anteriormente tabulado.
Uma das formas que alcança o objetivo tanto daquele que precisa pagar pela obrigação, que busca aumento no número de parcelas para pagamento, ou eventual suspensão temporária da obrigação seria a de, como contrapartida a isso, revisitar os juros aplicados ou então, fortalecer a segurança do adimplemento através de concessão de garantia mais firme a instituição financeira.
Vejamos, o que se propõe é que, para alcançar a renegociação que beneficia o tomador, a instituição aumentaria a segurança no adimplemento através de concessão mais uma garantia ou fortalecimento da garantia anteriormente oferecida.
Não se trata, no presente caso, de excessiva garantia para concessão de crédito, mas sim que, diante do panorama da necessidade de flexibilização em favor daquele que toma o crédito e considerando as imprevisíveis consequências econômicas decorrentes da pandemia, um reforço de garantia para aludida flexibilização.
Aludida possibilidade de renegociação se curva a função social do contrato, acolhe também uma diminuição do impacto da teoria da imprevisão e enfraquece ocorrências decorrentes da força maior que acomete o país.
Notas e Referências
[1] https://portal.febraban.org.br/noticia/3442/pt-br/, acesso em 06.05.2020
[2] https://portal.febraban.org.br/noticia/3452/pt-br/, acesso em 05.05.2020
[3] https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/04/20/internas_economia,846668/justica-determina-suspensao-da-cobranca-do-credito-consignado.shtml, acesso em 06.05.2020
[4] Como exemplos: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141368; https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141447; https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141421; https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141492; https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141407
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