Organizações criminosas no Pacote Anticrime: crítica à aproximação normativa do tratamento ao crime organizado no Brasil à associação de tipo mafioso italiana

26/04/2019

Coluna Vozes-Mulheres / Coordenadora Paola Dumont

Um dos problemas mais complexos enfrentados pelo Direito Penal é a criminalidade organizada, fenômeno extremamente intricado e difuso. A intensificação das trocas humanas, a redução do espaço tempo e a complexificação das relações negociais humanas proporcionados pela globalização foram acompanhadas de uma sofisticação também dessa forma de crime, que assume um viés transnacional, torna-se mais fluido e mais difícil de ser enfrentado. Diante dessas dificuldades, buscam-se soluções pela constante edição de leis, sem que nenhuma demonstre resultados efetivos.

Nesse sentido, recentemente no Brasil foi proposto o Pacote Anticrime. Entre essas normas, apresenta-se um novo conceito para a criminalidade organizada, propondo-se uma redação muito similar ao tipo italiano das associações de tipo mafioso:

Pacote Anticrime

 

Mudança na Lei nº 12.850/2013:

“Art.1º...........................................................................................................................

§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, e que:

I - tenham objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos;

II - sejam de caráter transnacional; ou

III - se valham da violência ou da força de intimidação do vínculo associativo para adquirir, de modo direto ou indireto, o controle sobre a atividade criminal ou sobre a atividade econômica, como o Primeiro Comando da Capital, Comando Vermelho, Família do Norte, Terceiro Comando Puro, Amigo dos Amigos, Milícias, ou outras associações como localmente denominadas.”

Código Penal Italiano

 

Articolo n.416 bis

Associazioni di tipo mafioso anche straniere.

................................................................................

3. L’associzione è di tipo mafioso quando coloro che ne fanno parte si avvalgono della forza di intimidazione del vincolo associativo e della condizione di assoggettamento e di omertà ce ne deriva per commettere delitti, per acquisire in modo diretto o indiretto la gestione o comunque il controllo di attività economiche, di concessioni, di autorizzazzioni, appalti e servizi pubblici o per realizzare profitti o vantaggi ingiusti per sé o per altri ovvero al fine di impedire od ostacolare il libero esercizio del voto o di procurare voti a sé o ad altri in occasione di consultazioni elettorali.

8. Le disposizioni del presente articolo si applicano anche alla camorra, alla ‘ndrangheta e alle altre associazioni , comunque localmente dominante, anche straniere, che valendisi della forza intimidatrice del vincolo associativo perseguono scopi corrispondenti a quelli delle associazioni di tipo mafioso[1].

 

A opção pelo transplante legal do instituto italiano parece ter seu fundamento inspirador na semelhança que a doutrina brasileira identifica entre as operações Mãos Limpas e Lava Jato. Ambas envolvem relevantes partidos políticos e empresas do país, e crimes econômicos complexos. Os processos dependeram de um forte apoio popular às forças tarefas envolvidas, tanto no caso Lava Jato como em relação aos procuradores italianos. Parece, portanto, ser este o elemento de aproximação entre os ordenamentos que enseja a proposta[2]. Contudo, embora as operações, especialmente em seus aspectos processuais, possam se assemelhar, o transplante legal do tipo da associação de tipo mafioso parece ser um salto inadequado e apressado para a resolução de problemas do sistema brasileiro, que desconsidera particularidades históricas, sociológicas e culturais entre os países[3].

O uso do Direito Comparado pode ser extremamente profícuo desde que realizado de forma cautelosa e em atenção às suas inúmeras dimensões. Conforme Geoffrey Samuel, é comum o comparatista cair em erro por empreender uma análise meramente funcional de um outro direito, voltada para objetivos específicos (2014). E de fato, do ponto de vista funcional, na Itália, o tipo penal da associação de tipo mafioso possui grande relevância, amoldada à cultura do país e seu desenvolvimento histórico. Essa forma de fazer direito comparado, fundamentada única e exclusivamente em uma rápida análise funcional, em geral, leva à ilusão de que é compatível a introdução ou recepção de normas de outro sistema jurídico pelo sistema pátrio. Entretanto, a observação do mesmo instituto sob o prisma estruturalista e hermenêutico torna evidente diversas incompatibilidades.

Deve-se desconfiar de generalizações e conclusões apressadas, afinal, a “similitude dos problemas não deve obnubilar o fato de que os modos de aproximação, os métodos de documentação e a pesquisa de soluções positivas possam ser extremamente diferentes” (ANCEL, 1980, p. 111-113).  Necessário buscar conhecer a estrutura do direito estudado, seu funcionamento, suas características, suas tradições e mesmo a ideologia do sistema. Nas palavras de Ancel, deve o comparatista se avizinhar do direito estrangeiro, com “curiosidade de descoberta e com a vontade de sair do seu particularismo” (1980, p. 113).

E o estudo do fenômeno mafioso italiano permite perceber seu enorme particularismo. A começar pela sua integração à própria formação política siciliana e do Estado Italiano. As matrizes históricas da Máfia remontam à Sicília do século XVI, com uma inicial união entre as forças populares do Sul e a aristocracia feudal, para a resistência a intervenções estrangeiras, especialmente oriundas do governo externo de Nápoles e da Espanha (SCARPINO, 1994). Conforme Reski, em diversos locais do Sul da Itália o Estado “ainda é visto como uma força de ocupação” (2010). Scarpino destaca a central relevância histórica da máfia na própria unificação do Estado italiano promovida por Garibaldi, na qual sua participação teria sido fundamental. Em suas palavras: “Se poderia dizer, forçando apenas um pouco os termos da realidade histórica, que o Estado unitário, ao menos no que concerne ao comportamento da grande parte da classe política, nasce na Sicília no âmbito de uma estratégia política de tipo mafioso”[4].

A partir de então a Máfia busca se manter sob o manto da invisibilidade, infiltrando-se nos diversos setores sociais e políticos Italianos e permeando a própria cultura nacional (SCARPINO, 1994). Por suas próprias raízes históricas, o costume mafioso buscou e ainda busca seus valores em um sicilianismo, de modo que a máfia adquiriu um aspecto ideológico que lhe amplia a difusão para todas as classes da sociedade italiana. Tornou-se um reduto do familismo e a salvaguarda das tradições locais, conformando uma espécie de mafiosidade cultural (Ibdem, p. 24). Para diversos professores sicilianos, a Máfia antes de ser uma organização criminosa, consiste em uma cultura.

Essa conformação histórico-cultural é o fundamento para a escolha italiana pela adoção em lei de um conceito sociológico de organização criminosa, como um retrato típico do fenômeno mafioso. Esse retrato, contudo, afasta-se da realidade brasileira, a começar pelo próprio uso da expressão “de tipo mafioso” em sua rúbrica. Nesse ponto que se encontra a moldura da fattispecie, a partir da compreensão consolidada de forma secular do que seja a Máfia, o grupo que originalmente conformou o fenômeno na Itália, operando especificamente na Sicília, atualmente denominado Cosa Nostra[5]. No país o uso do termo Máfia, em sua forma estrita, é historicamente referenciado apenas a essa organização siciliana (RINALDI, 1998, pp. 11-12) modelo que funciona como como forma de limitar os contornos do tipo penal. Por essa razão não se fala em associações mafiosas, mas sim de tipo mafioso. Mantendo o recorte sociológico, o Código italiano enumera na sequência as demais organizações tradicionais que operam como o modelo siciliano: a napolitana Camorra, a calabresa N’drangheta, e a Sacra Corona Unita que opera na Puglia.

Para além das simples associações para delinquir (associazione per delinquere) – tipo penal definido no artigo 416 do Código Penal Italiano –  cria-se a fattispecie de associações de tipo mafioso, que, não obstante apresentar condutas extremamente abertas em seus núcleos do tipo penal, balanceia-se por sua vinculação sociológica que é a caracterização dessas condutas em um grupo organizado que apresente matizes que aludam ao grupo siciliano. Mais do que isso, a forma típica representa uma norma especial em relação às associações para delinquir, de modo que, conforme Spagnolo, a sua correta aplicação no caso concreto deveria ocorrer apenas nos casos em que os requisitos da norma ampla pudessem ser também compreendidos pela conduta (1989, p. 1741).

O Projeto Anticrime, contudo, ao propor o transplante legal desse tipo penal, não importa com ele o seu nomen juris, bem como o adota de forma isolada e não como uma especial manifestação de organizações para o cometimento de delitos. A sua redação, isolada da rúbrica “de tipo mafioso”, confere ao tipo uma abertura para que se interprete o uso da “força de intimidação do vínculo associativo” para obtenção de controle de atividades econômicas de modo a abarcar no espectro de responsabilização o exercício da atividade econômico-empresarial em geral, independentemente de seu caráter lícito. Note-se que o controle da atividade econômica pode ser obtido de forma lícita, com o legítimo sucesso do empreendimento, por meio da inovação e das condições do mercado. Além disso, o sentimento de intimidação propiciado pela força de um vínculo empresarial não possui caráter em si ilícito. Na verdade, o que se deve reprimir são os abusos de posição dominante e demais usos ilícitos desse vínculo, as quais são tipificadas em normas especificamente voltadas para a proteção da livre concorrência e das relações de consumo.

A ausência de um fenômeno singular como a Máfia no Brasil torna mesmo impossível a adoção de uma denominação típica limitadora. O problema é que, na medida em que não a adota, resta a descrição típica do instrumentário e modus operandi da organização criminosa sem uma moldura que possa limitar sua aplicação ou demarcar o seu caráter ilícito, em flagrante violação ao princípio constitucional da legalidade penal. Em última análise, termina-se por tipificar uma organização criminosa sem crimes.

A subsequente enumeração de algumas das organizações criminosas brasileiras – PCC, CV, Família do Norte, Terceiro Comando Puro, Amigo dos Amigos e Milícias – tampouco é suficiente para a limitação do tipo. Essas organizações são recentes, sem a mesma infiltração cultural e consolidação histórica que a Máfia[6]. Tratam-se de grupos historicamente localizados e intermitentes, o que potencialmente tornaria a norma rapidamente obsoleta, com a simples alteração de seus nomes.  Além disso, essa enumeração torna confusa sua opção político-criminal da proposta: inicialmente parece objetivar a atividade econômica e a criminalidade de empresa, em seguida volta-se para o enfrentamento do tráfico organizado, sem mencionar qualquer grupo empresarial em seu rol exemplificativo[7].

Diante do quadro apresentado, a atual redação da Lei 12.850/13 é mais acertada, inicialmente por apresentar um conceito melhor emoldurado ao prever condutas realizadas “mediante a prática de crimes”. Ademais, evitando-se a categorização das organizações criminosas, permite a aplicação do tipo às diferentes conformações de grupos estruturados para a prática de crimes. Trata-se ainda de um texto que privilegia um tratamento unitário internacionalmente do problema, aproximando-se das considerações da Convenção de Palermo, ratificada pelo Brasil e promulgada no âmbito nacional pelo Decreto nº 5.015/2004. A proposta apresentada no Pacote, não apenas representa uma afronta o princípio constitucional da legalidade penal em função de sua enorme abertura, como caminha na contramão da agenda político-criminal global, a qual se dirige a uma harmonização dos conceitos envolvendo a criminalidade transnacional, facilitando a cooperação entre países.

Percebe-se uma produção legislativa artificial e meramente simbólica, em um esforço de estabilização de expectativas sociais, bem como de suplantar a imagem de fracasso no enfrentamento do problema pelo Estado. Termina-se por conformar o que Rinaldi denomina como uma ilusão repressiva (1998, p. 22), incapaz de realmente reprimir um fenômeno multifacetado e complexo como o crime organizado.

É necessário considerar a série de déficits sociais e econômicos da sociedade que ambientam o problema, de modo a postular uma política de segurança pública melhor articulada, bem definida e voltada para o futuro. Afinal, “uma política de segurança só faz algum sentido no contexto de uma verdadeira Política interna bem definida, sincronizada e coordenada” (HASSEMER, 1994, p. 64). Política esta que deve se atentar para o panorama internacional de harmonização e uniformização de conceitos para o enfrentamento ao crime organizado, sem, contudo, fechar os olhos às peculiaridades nacionais e dimensões sócio-culturais que conformam as diferentes tradições jurídicas.

 

Notas e Referências

ANCEL, Marc. Utilidades e métodos do direito comparado. Trad. par. Sérgio José Porto. Porto Alegre: Fabris, 1980.

BECK, Francis Rafael. Perspectivas de controle ao crime organizado e crítica à flexibilização das garantias. São Paulo: IBCCRIM, 2004.

CERVINI, Raúl. Criminalidad organizada y lavado de dinero. In: PIERANGELI, José Henrique (coord..). Direito Criminal. V.1.Belo Horizonte: DelRey, 2000, 63-84.

FLICK, Giovanni Maria. L'associazione a delinquere di tipo mafioso: interrogativi e riflessioni sui problemi proposti dall'art. 416 bis CP. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, v. 31, 1988.

HASSEMER, Winfried. Segurança pública no estado de direito. Revista Brasileira de Ciências Criminais – RBCCRIM, n. 5, v. 2, pp. 55-69, 1994.

HUSA, Jaakko. About the Methodology of Comparative Law – Some Comments Concerning the Wonderland. Maastricht Working Papers, Faculty of Law. Maastricht, 2007.

MANSO, Bruno Paes; DIAS, Camila Nunes. A guerra: ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil. São Paulo: Todavia, 2018.

MARINO, Giuseppe Carlo. Storia della mafia. Roma: Tascabili Economici Newton, 1997.

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 5ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2015.

MORO, Sérgio Fernando. Considerações sobre a operação Mani Pulite. Revista Centro de Estudos Judiciários – CEJ, Brasília, n. 26, p. 56-62, jul./set. 2004.

MORO, Sérgio. Sobre a operação Lava Jato. In: PINOTTI, Maria Cristina (org.). Corrupção: lava jato e mãos limpas. São Paulo: Portfólio-Penguin, 2019, pp.184-216.

PRADEL, Jean. Droit penal comparé. Paris: Dalloz, 1995.

RESKI, Petra. Máfia: padrinhos, pizzarias e falsos padres. Trad. par. André Delmonte. Rio de Janeiro: Tinta Negra Bazar Editorial, 2010.

RINALDI, Stanislao. Criminalidade organizada de tipo mafioso e poder político na Itália. Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 22, v. 6, 1998.

RUGGIERO, Vincenzo. Crimine organizzato: una proposta di aggiornamento delle definizioni. Dei Delitti e Delle Pene: Rivista de Studi Sociali, Storici e Giuridici Sulla Questione Criminale. n. 3, 1992.

SAMUEL, Geoffrey. An Introduction to Comparative Law Theory and Method. Oxford: Hart, 2014.

SCARPINO, Salvatore. Storia dela mafia. Milão: Fenice 2000, 1994.

SFERLAZZA, Ottavio. La asociación delictiva de tipo mafioso. Revista de Derecho Penal. n. 2, p. 157-188, 2008.

SPAGNOLO, Giuseppe. Ai confini tra associazione per delinquere e associazione di tipo mafioso [Comentário de jurisprudência]. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale. v. 32, 1989.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Crime organizado: uma categorização frustrada. Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. n. 1, v. 1, 1996.

ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad organizada, derecho penal y sociedad: apuntes para el análisis. In: Sanz Mulas, Nieves (coord.). El desafío de la criminalidad organizada. Granada: Comares, 2006, pp.39-68

[1] Tradução nossa: “3. A associação é de tipo mafioso quando aqueles que dela fazem parte se valem da força de intimidação do vínculo associativo e da condição de sujeição e omertà (espécie de pacto do silêncio), creio não haver tradução) que dele derivam para cometer delitos, para adquirir, de modo direto ou indireto, a gestão ou o controle de atividades econômicas, de concessões ou permissões de contratos e serviços públicos ou para obtenção de lucros ou vantagens ilícitas para si ou para outrem, ou com a finalidade de impedir ou obstaculizar o livre exercício do voto ou de adquirir votos para si ou para outrem em período eleitoral.

As disposições do presente artigo se aplicam também a Camorra, à N’drangheta e às demais associações, sejam localmente dominantes ou estrangeiras, que valendo-se da força de intimidação do vínculo associativo perseguem escopos correspondentes àqueles das associações de tipo mafioso.”

[2] O próprio Ministro da Justiça Sérgio Fernando Moro, responsável pela proposta do pacote, atuou como magistrado durante a maior parte dos julgamentos e ações no âmbito da operação Lava Jato, tendo publicado trabalhos indicando as semelhanças entre as operações e a necessidade de buscar inspiração no sistema italiano para o enfrentamento dos problemas nacionais: MORO, Sérgio Fernando. Considerações sobre a operação Mani Pulite. Revista Centro de Estudos Judiciários – CEJ, Brasília, n. 26, p. 56-62, jul./set. 2004. MORO, Sérgio. Sobre a operação Lava Jato. In: PINOTTI, Maria Cristina (org.). Corrupção: lava jato e mãos limpas. São Paulo: Portfólio-Penguin, 2019, pp.184-216.

[3] Embora a presente análise se concentre em uma comparação Brasil-Itália, vale pontuar em nota as profundas raízes sócio-culturais do fenômeno da criminalidade organizada. Trata-se de fenômeno extremamente complexo e fluido, o qual assume características próprias da cultura e do desenvolvimento de cada país. Nesse sentido, é comum que a doutrina norte americana analise o problema comparando as organizações a empresas (caso do racketeering, previsto no The Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act – RICO) e aproximando sua definição à aspectos migratórias, sociais e raciais da conspiracy (ZAFFARONI, 1996, p. 45-67). Na Espanha, bem como na Colômbia, percebe-se um tratamento que aproxima o crime organizado do terrorismo (APONTE, 2009), podendo-se elencar os delitos de terrorismo espanhóis, artigos 572, 574 e seguintes do Código Penal espanhol, (Ley orgânica 10/1995 - BOE n.281 de 1995. Última modificação: 28 de abril de 2015). E na Itália, tem-se um forte trabalho no enfrentamento do que se convencionou chamar, de forma ampla, Máfia. Cada uma dessas abordagens reflete, na verdade, a forma como o crime organizado se manifesta em cada um desses países, sua conformação histórica associada a diferentes questões, sejam elas tradicionais, resultantes de fenômenos migratórios ou separatistas. Dessa forma, a importação de institutos legais referentes a esses crimes demanda o aprofundamento e a atenção para com as respectivas realidades nacionais, sob o risco de causar fortes distorções, incoerências ou mesmo levar à inaplicabilidade da norma.

[4] Traduçao nossa do original: “Si potrebbe dire, forzando solo un poco i termini della realtà storica, che lo Stato unitario, almeno per quanto riguarda il comportamento della gran parte della classe politica, nacque in Sicilia nell’ambito di una strategia politica di tipo mafioso”. (SCARPINO, 1994, p.17).

[5] Nesse sentido: “Para referir-se a esta segunda e mais ampla acepção, utiliza-se frequentemente a expressão “organizações de tipo mafioso”, com a qual se visa aludir a formas de organização, onde são detectáveis as características típicas do originário modelo criminal mafioso, tal como se desenvolveu historicamente e se apresenta hoje na Sicília”. (RINALDI, 1998. p. 11)

[6] As associações de tipo mafioso possuem consolidação histórica secular, buscam manter-se sob o manto da invisibilidade e em pacto de silêncio, omertà. Para além da atividade delitiva, infiltram-se nos diversos estratos da sociedade, assimilando os costumes locais e conformando uma espécie de cultura. As organizações envolvidas no tráfico de drogas no Brasil se conformaram a partir dos anos 1970, atuam de modo violento e ostensivo. Em geral, permanecem adstritos a estratos sociais subalternos.

[7] Apenas a título exemplificativo do caráter multifacetado do problema, interessante apresentar as duas formas de manifestação do tipo penal mais abordadas pela mídia. A primeira, tem por referência os casos Mensalão e Lava Jato, ocorre no âmbito empresarial pela organização entre pessoas com alto grau de instrução e renda, as quais não se conformam em um núcleo único, mas ocupam diferentes corporações, partidos e instituições, que desenvolvem, de um modo geral, atividades profissionais lícitas, cometendo delitos para favorecer os negócios da empresa. Diferentemente, as organizações voltadas para o tráfico de drogas, como o PCC e o CV tem por finalidade o controle e o domínio sobre o comércio entorpecentes, utilizando-se da violência, do uso ostensivo de aparato bélico e confronto direto com a polícia. Caracterizam-se como uma associação estável e contínua de pessoas em um núcleo único, guiadas pelos mesmos objetivos e ideais. Usualmente se desenvolvem em regiões periféricas, envolvendo camadas marginalizadas da população.

 

Imagem Ilustrativa do Post: North Greenwich // Foto de: Radek Lát // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/radeklat/14719459453

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura