Ordálias na Idade Média Ocidental (Parte 3)

05/06/2016

Por Tiago Didier – 05/06/2016

Leia também: Parte 1, Parte 2, Parte 4, Parte 5Parte 6Parte 7Parte 8, Parte 9, Parte 10

No mundo ocidental a ordália foi introduzida como prova judicial de uso sistemático após a queda do Império Romano. A invasão, vitória e consolidação das tribos germânicas ocasionou uma fusão de sistemas jurídicos e culturais. A cristianização e a eficácia do direito latino não foram barreiras suficientes para frear a expansão e aceitação popular da ordália – retrocesso bárbaro aos olhos dos civilizados romanos.

No processo histórico não há garantias de que os vencedores incorporem criações e descobertas dos vencidos, mesmo quando explicitamente mais eficientes e racionais. Hábitos enraizados de natureza tribal e mística dificilmente podem ser extirpados, pois estão sedimentados em uma cosmovisão de mundo completamente diferente.

Foi no período da Alta Idade Média, do século V ao XI, que houve maior incidência das ordálias – por inexistência de um Estado forte e instituições judiciais desenvolvidas.

Em termos gerais, o rito processual na época era de natureza privada. O ofendido ou seu parente fazia uma acusação oral, sob juramento ao juiz, contra o suspeito. Havendo confissão ou provas era dada a sentença. No caso de não haver, invocava-se a ajuda de Deus para fornecer um sinal através da ordália ou era sugerido um duelo com armas, de natureza judicial, entre os litigantes.

No século XI, aconteceu um famoso caso de “juízo de Deus” envolvendo Ema da Normandia, mãe do rei inglês Eduardo, o Confessor. Casada pela terceira vez, foi acusada de adultério com o bispo de Winchester. Para provar sua inocência se submeteu a uma modalidade popular de ordália anglo-saxônica, onde se colocavam no chão de uma igreja arados de ferro enfileirados aquecidos pelo fogo. A acusada deveria andar descalça sobre eles e sair sem ferimentos, o que fez, segundo ela, com a ajuda de São Swithun, padroeiro da cidade. Foi declarada inocente e reabilitada pelo próprio filho.

A historiadora Eva Tappan (2005) afirma que na teoria era Deus que interferia nos testes para sempre salvar o inocente; na prática, muitas explicações foram sugeridas por estudiosos para justificar o alto número de acusados que passavam pelas ordálias sem ferimentos. Os artefatos usados na experiência, como, bastões ou arados de ferro, eram esquentados no fogo e deixados no chão da igreja para dar início ao ritual da ordália, com longas orações e cerimônias religiosas pedindo a ajuda divina. O tempo da liturgia e o fato de que o ferro ficava em contato com o chão de pedra, que é frio, causava um considerável esfriamento do material, minimizando os danos. Nos casos das experiências se realizarem com água fervente, os padres poderiam fortalecer a pele do acusado com unguentos protetores de queimaduras. Truques e mecanismos ocultos poderiam ser usados pelos administradores das ordálias para inocentar o acusado, se assim quisessem.

Durante a Primeira Cruzada, no ano de 1098, no cerco de Antióquia, Pedro Bartolomeu, monge e soldado, começou a ter visões místicas sobre a relíquia “Lança do Destino”, a arma que teria ferido Cristo durante a crucificação. Seguindo suas visões, escavou o chão de uma igreja local e disse ter encontrado o artefato – o que causou grande comoção e aumento na moral das tropas cruzadas. Visto por muitos céticos como falsificador e charlatão, Bartolomeu se dispôs a passar pela ordália de fogo para provar a veracidade da sua descoberta. Foi construído um caminho cercado por piras de fogo onde ele deveria caminhar intacto com a ajuda de Deus. Relatos históricos do que aconteceu são conflitantes. Há uma versão dizendo que ele teria morrido de queimaduras resultantes da experiência e outra de que teria saído sem ferimentos, mas linchado pela população descrente das suas visões.

No século XV, o frei dominicano Savonarola, líder de um movimento reformista em Florença e que afirmava ter visões místicas, tentou provar a veracidade das suas profecias dizendo que passaria pela ordália do fogo, caminhando sobre ele, e com a ajuda de Deus sairia intacto. Quando foi desafiado a efetivamente realizar o teste, o dominicano recusou-se e um amigo se voluntariou a ir no seu lugar. Todos os preparativos foram feitos e a atenção de Florença estava voltada para esse espetáculo que não acontecia na cidade há muitos anos. Quando o fogo já estava aceso, as partes entraram em um debate teológico sobre a possibilidade de enfrentar a ordália carregando a hóstia consagrada. Foi suspenso o teste, o povo ficou revoltado e Savonarola perdeu rapidamente a influência e terminou sendo executado como herege.

Os inquisidores da Igreja Católica Heinrich Kramer e James Sprenger (1991) relataram um curioso incidente, no século XV, para reforçar a inutilidade das ordálias frente aos poderes sobrenaturais das bruxas e hereges. Na diocese de Constance, perto da Floresta Negra, vivia uma bruxa que era motivo de grande insatisfação popular pelas feitiçarias que realizava. Foi capturada pelo Conde de Fürstenberg, administrador da região, e submetida ao interrogatório e tortura. Para provar sua inocência ela requisitou que fosse submetida a ordália pelo bastão de ferro quente, que consistia em andar três passos carregando o metal incandescente sem graves ferimentos ou queimaduras. O conde, inexperiente nesses assuntos espirituais, consentiu. Ela não só conseguiu andar os três passos, como seis, e se ofereceu para caminhar ainda mais. Terminou sendo libertada pelo Conde da prisão e continuou praticando seus malefícios.

Esse caso foi usado como exemplo para advertir os futuros inquisidores que se uma acusada de bruxaria não confessar e pedir pela ordália o juiz deve negar tal feito e tome este pedido como prova da sua culpa pois é sabido entre as bruxas que o demônio impedirá os ferimentos durante a experiência. Essa recomendação foi estendida aos acusados de outros delitos, pois os criminosos em virtude da íntima familiaridade com forças demoníacas poderiam subverter as leis naturais e manipular os resultados.

A ordália pela cruz, usada principalmente no Império Carolíngio na Alta Idade Média, era realizada quando o acusador e o acusado tinham que manter o braço levantado, em forma de cruz, pelo maior tempo possível. Aquele que desistisse seria considerado culpado, desfavorecido por Deus. Outro teste, segundo Fernando Tourinho (1999, p.240), seria este:

Prova da cruz: quando alguém fosse morto em rixa, escolhiam-se sete rixadores, que eram levados à frente de um altar. Sobre este se punham duas varinhas, uma das quais marcadas com uma cruz, e ambas envolvidas em pano. Em seguida tirava-se uma delas: se saísse a que não tinha marca, era sinal de que o assassino não estava entre os sete. Se, ao contrário, saísse a assinalada, concluía-se que o homicida era um dos presentes. Repetia-se a experiência em relação a cada um deles, até sair a vara com a cruz, que se supunha apontar o criminoso.

A ordália do cadáver, conhecida em inglês como Cruentation e em latim como Ius Cruentationis, era de origem germânica e foi bastante utilizada na Idade Média para provar casos de difícil resolução. O acusado do homicídio deveria colocar a mão sobre o cadáver da vítima. Se o corpo sangrasse ou aparecesse algum sinal estranho, significaria que Deus tinha dado sua sentença: o acusado era o verdadeiro assassino.

Na peça Ricardo III, de William Shakespeare (2008, p.8), escrita em 1592, imortalizou o Cruentation. No ato I, cena II, Ana é a esposa do recém falecido Eduardo, príncipe de Gales que junto com seu pai, Henrique VI, rei da Inglaterra, foram mortos pelo malvado Ricardo III, duque de Gloucester. No cortejo fúnebre do seu sogro, Ana profere a seguinte maldição ao perceber o cadáver sangrando após o assassino se aproximar do caixão para prestar falsas condolências:

Demónio imundo, vai-te por amor de Deus, e não nos atormentes; que da terra feliz fizeste o teu inferno, encheste-a com gritos de maldição e com profundos clamores. Se te deleitas em contemplar teus feitos odiosos, põe os olhos neste exemplo de tua carnificina.

Oh, senhores! Olhai, olhai as feridas do Rei Henrique sem vida abrindo bocas congeladas e de novo sangrando. Vergonha para ti, vergonha, ó tu, massa informe de sórdida disformidade, pois que é tua presença que aqui faz verter o sangue das veias geladas e vazias onde o sangue já não tem morada! O teu feito inumano e contrário à natureza provoca este dilúvio contrário a toda natureza.

Oh, Deus! Tu que criaste este sangue, vinga a sua morte. Oh, terra! Tu que bebes este sangue, vinga a sua morte. Ou que os relâmpagos dos céus se abatam sobre o assassino, ou que a terra se abra e de súbito o devore, tal como tu, ó terra, sorves todo o sangue deste bondoso Rei que seu braço comandado pelo inferno tão cruelmente matou.

Há registros também na Europa medieval de ordálias realizadas usando pão seco e queijo abençoados por um padre, conhecidas em latim como Iudicium Offoe e de uso majoritário pelos anglo-saxões. Outra forma seria usando a hóstia consagrada. Se o acusado se engasgasse, tivesse dificuldade ao engolir ou passasse mal era considerado culpado.  Seria uma prova de que estava mentindo ou que tinha pacto demoníaco, pois um alimento abençoado estava sendo rejeitado pelo corpo do pecador condenado.

Um dos casos emblemáticos de ordália pelo fogo foi retratado pelo pintor Dieric Bouts, célebre artista do período quatrocentista holandês. Pintado no século XV, o quadro “The Ordeal by Fire” retrata um episódio que aconteceu ao imperador Otto III, do Sacro Império Romano Germânico, no século X.

Apesar de dúvidas sobre a exatidão histórica do ocorrido, Jacopo de Varazze, Arcebispo de Gênova e compilador da obra medieval “Legenda Áurea”, relatou que a Imperatriz tinha se apaixonado por um conde e o havia cortejado. O conde, muito fiel à sua esposa e à sua honra, negou os avanços da soberana. Ela, enraivecida e com espírito vingativo, denunciou ao imperador dizendo que ela que fora insolentemente assediada pelo conde. Otto III mandou decapitar imediatamente o homem inocente, que antes de morrer pediu para sua esposa se submeter a ordália do bastão de ferro quente para provar a sua inocência e resgatar sua honra no post mortem. A viúva, segurando a cabeça perdida do falecido marido, solicitou uma audiência com o imperador para se sujeitar ao teste e provar que tudo tinha sido armação da imperatriz mentirosa. Ao perceber que a viúva teve sucesso na ordália e tinha dito a verdade, se deu conta da grande injustiça que cometeu, e para compensar, deu-lhe, então, títulos de nobreza, terras e o prazer de ver a morte da própria imperatriz, queimada viva por suas mentiras.

Mares, rios e lagos eram também usados para realizar os testes. Em uma das modalidades o acusado era jogado na água e se afundasse era considerado inocente – sendo depois içado pelas testemunhas; aquele que flutuava era considerado culpado. Dependendo do contexto e cultura local, poderia ser o inverso. Esse foi um método popular usado esporadicamente até o século XVII, na Europa, para aferir a responsabilidade de mulheres acusadas de bruxaria ou feitiçaria. Estudiosos afirmam que o alto teor de gordura corporal das mulheres – ligadas à sua função reprodutiva - favoreciam a flutuação, sendo considerada culpadas. Homens e crianças afundavam por possuírem menor quantidade de tecido adiposo.

O duelo, como modalidade de ordália de natureza sobrenatural, só entrou em declínio a partir do século XVI. Já o embate de habilidades e técnicas de luta sem o elemento sagrado persistiu por muito mais tempo. No Uruguai, por exemplo, o duelo foi objeto de regulamentação pela lei 7253 de 1920 e só foi formalmente revogado em 1992, havendo nesse intervalo vários confrontos históricos, principalmente entre membros da elite em questões relacionadas à política, assuntos empresariais ou defesa da honra.

Na Idade Média, o duelo era usado em casos que não havia testemunhas ou confissões para disputas relacionadas a terras, dinheiro, honra e crimes graves, como homicídio, perjúrio, traição e deserção. De origem germânica, possui ampla documentação histórica dos milhares de casos que aconteceram. O procedimento era especial, muitas vezes regulado por leis jurídicas que organizava os pormenores do combate. Não há registro histórico de que essa forma de resolver questões judiciais tenha sido utilizada sistematicamente nas civilizações orientais, é algo único do Ocidente. Acreditava-se que Deus enviava ao inocente a força necessária para os golpes e destreza para se defender. Os participantes deveriam estar dispostos a morrerem pela sua causa.

O duelo foi amplamente rejeitado pela Igreja Católica e teve muitos detratores que deixaram sua desaprovação em vários documentos, ressaltando a inutilidade de tantas mortes causadas por questões, muitas vezes, insignificantes baseadas em orgulho e vaidade. Os inquisidores Kramer e Sprenger (1991, p.445) fizeram uma importante distinção entre o duelo e as ordálias:

Há, todavia, uma diferença entre um duelo e o ordálio pelo ferro em brasa ou por água fervendo. O duelo se afigura mais humanamente razoável - por serem os combatentes de força e de habilidade semelhante - do que a prova pelo ferro em brasa. Pois embora o propósito de ambos seja o de descobrir alguma coisa oculta através de um ato humano, no caso do ordálio pelo ferro em brasa busca-se um efeito miraculoso, o que não acontece no caso de um duelo, em que o máximo que pode acontecer é a morte de um ou de ambos os combatentes. Portanto, a prova do ferro incandescente é absolutamente ilícita; não obstante o duelo não o seja no mesmo grau.

Há de reparar-se que, em virtude das palavras de S. Tomás ao fazer a distinção mencionada: [...] Seu primeiro argumento é de que o duelo, como as demais provas pelo ordálio, tem por finalidade o julgamento de algo oculto, que há de ser confiada ao juízo de Deus, como já dissemos. [...] Seu segundo argumento é de que os Juízes devem especialmente observar que num duelo o poder, ou pelo menos uma licença, é dada a cada uma das partes para se matarem. Mas como um dos dois é inocente, tal poder ou licença é dado para que se mate um inocente; e isso é ilícito por ser contrário ao que ditam a lei natural e os ensinamentos de Deus. Portanto, o duelo é absolutamente ilícito, não só por parte de quem a ele apela e por parte de quem lhe responde, mas também por parte do Juiz e de seus conselheiros, que passam a ser todos considerados igualmente homicidas culposos. Em terceiro lugar, acrescenta que o duelo é o combate único entre dois homens, cujo propósito é o de que a justiça do caso se elucide pela vitória de uma das partes, como se fosse por juízo Divino, não obstante uma dessas partes lutar por causa injusta; e é nesse sentido que se desafia a Deus. Portanto, é ilícito pela parte do apelante e do respondente. Mas ao considerarmos o fato de que o Juiz não possui outro meio de chegar a um bom termo na disputa, justo e equânime, caso não se faça uso desse recurso, e recomenda ou mesmo permite o duelo, está a consentir a morte de uma pessoa inocente.

As ordálias, segundo Jeffrey Richards (1993), poderiam ser classificadas como o primeiro método de policiamento comunitário e reflexo de uma administração popular da Justiça. A sua gradual inutilização proporcionou um deslocamento da justiça local para uma espécie de justiça oficial, composta de tribunais estruturados por uma autoridade centralizada. Se antes o crime tinha a natureza privada, de ofensa contra um indivíduo, no novo sistema passou a ser uma ofensa contra toda sociedade - simbolizada pelo rei, e com o castigo proporcional a tal afronta. Operando através do método processual inquisitório, a concentração do poder jurisdicional, levaria mais tarde, ao nascimento das monarquias absolutistas da Idade Moderna.

Partindo do pressuposto do equilíbrio de crenças entre os participantes da ordália e usando a teoria das escolhas racionais, o economista Peter Leeson (2012, p.691) argumenta que as ordálias não eram tão absurdas quanto parecem. Elas foram, na maioria das vezes, eficazes em atingir o seu objetivo. A crença religiosa era tão enraizada que apenas os efetivamente inocentes se dispunham a enfrentar o teste, confiando na proteção divina. O administrador da ordália, geralmente um padre, conhecendo bem o caso, o contexto, os antecedentes do acusado, quantas vezes ia à missa, se participava da comunhão ou tinha outros problemas, poderia direcionar os resultados da experiência. Através de mecanismos ocultos, o padre poderia inocentar ou culpar o acusado - baseado na sua intuição ou conhecimento. Mandar o acusado colocar o braço no caldeirão de água quente um pouco antes da ebulição ou benzê-lo, antes do teste, com água benta misturada a substâncias cicatrizantes seria uma das formas utilizadas para decidir a questão.

A maioria dos acusados efetivamente culpados, entretanto, confessavam ou faziam acordos antes de passar pela ordália. Era menos custoso e doloroso sofrer a pena justa ou pagar a reparação do que suportar os graves ferimentos e a ira expressa de Deus.

A ordália e a tortura coexistiram por algum tempo no período medieval, mas não podem ser confundidas. Os julgamentos baseados nos “juízos de Deus”, segundo o historiador Jeffrey Richards (1993), tinham a vantagem de sempre obter um resultado palpável e definitivo, algo que não acontecia nas torturas e no sistema inquisitório que se desenvolveu posteriormente. Geralmente o dano causado pela ordália era consideravelmente inferior ao da tortura e da pena sucedânea da confissão, mesmo que falsa.

Em relação à confissão mediante tortura, o papa Gregório I, no século VI, já havia declarado que seria inválida e assim foi reafirmado no Decretum de Graciano no século XII, instrumento jurídico de fundamental importância no direito canônico. Para muitos, a Igreja e o poder secular ignoravam a própria lei, pois o uso da tortura continuou após a declaração papal. O filósofo Cesare Beccaria (2007, p.37) no seu afã iluminista não fez distinções entre ordálias e torturas:

Esse meio infame de chegar à verdade é um monumento da bárbara legislação de nossos avós, que honravam com o título de “julgamento de Deus” as provas de fogo, aquelas da água fervente e a sorte oscilante dos combates. Como se os elos dessa corrente eterna, a origem da qual reside no seio da Divindade, pudessem ser desunidos ou partir-se a cada momento, ao sabor dos caprichos e das frívolas instituições humanas. A única diferença que existe entre a tortura e a prova de fogo é que a tortura apenas prova o delito quando o acusado quer confessar, ao passo que as provas que queimam deixavam uma marca exterior, tida como a prova do crime.

Contudo, tal diferença é mais aparente do que real. O acusado é tão capaz de não confessar o que se exige dele quanto o era antigamente de obstar, sem fraude, os efeitos do fogo e da água fervente. Todos os atos de nossa vontade são proporcionais à força das impressões sensíveis que os causam, e a sensibilidade de todo o homem é limitada. Ora, se a impressão da dor se faz muito forte para assenhorar-se de todo o poder da alma, ela não deixa a quem a sofre qualquer outra atividade que exercer a não ser tomar, no momento, a via mais curta para obstar os tormentos atuais. Assim o réu não mais deixar de responder, pois não poderia fugir às impressões do fogo e da água. O inocente gritará, então, que é culpado, para que cessem as torturas que já não mais aguenta; e o mesmo meio usado para distinguir o inocente do criminoso fará desaparecer qualquer diferença entre ambos.

Beccaria, criador das bases do Direito Penal da modernidade, lutava por uma mudança de paradigma acerca da pena, buscava uma modernização do sistema e a extinção de métodos supersticiosos.


Próximo Artigo: Parte 4 - O Fim das Ordálias no Ocidente


Notas e Referências:

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VARAZZE, Jacopo de. Legenda Áurea: Vidas de Santos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003


Tiago Didier. . Tiago Didier é Advogado em Recife/PE e grande entusiasta da história do Direito, arqueologia e antropologia. Email: tiago_didier@hotmail.com . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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