Operação Carne Fraca e combate à corrupção: “quem mais corre, mais tropeça”

23/06/2017

Por Ruiz Ritter e Raul Linhares – 23/06/2017

Muito tem chamado a atenção no intenso movimento de combate à corrupção no Brasil. Entretanto, uma circunstância se destaca dentre as demais: a pressa. A pressa que sacrifica garantias processuais penais, que outorga poderes ilimitados ao Ministério Público e que conduz o Direito Penal e o Processo Penal a uma lógica mercantilista na qual “quem tem mais a oferecer recebe o melhor prêmio”, desprezando-se o devido processo e até mesmo a pena, tudo em nome da “justiça”.

É preciso, porém, que se compreenda que tudo possui um tempo próprio. O meio ambiente possui o seu tempo, as mudanças culturais e sociais também o possuem e o Direito da mesma forma. Tentar apressar o Direito (o que tem sido feito no combate à corrupção) é o caminho direto para a flexibilização de garantias e, consequentemente, produção de ilegalidades tão combatidas quando não se dispunha de um Estado de Direito e se tolerava a manifestação do poder punitivo na sua mais austera expressão.

Ao se refletir sobre esse contexto, aliás, não há como não se recordar da advertência feita por Frei Lourenço a Romeu, na peça shakespeariana Romeu e Julieta: “Devagar: quem mais corre, mais tropeça”. Sem dar ouvidos, Romeu correu por amor e tropeçou por amor. E, de fato, não se precisaria voltar ao século XVI para ilustrar a problemática envolvendo a aceleração com que se quer ver solucionados todos os problemas sociais, em especial aqueles ligados ao tema da corrupção, mas não somente, custe o que custar. Basta recordarmos do recente episódio vivenciado pelo País no âmbito da “Operação Carne Fraca” para observarmos os prejuízos desse fenômeno.

Afinal de contas, na respectiva operação, no afã de dar uma resposta imediata à mídia (difícil se chegar a outra conclusão), o Delegado da Polícia Federal responsável pela investigação das supostas práticas ilícitas envolvendo aproximadamente 30 empresas alimentícias, incluindo as principais fornecedoras de carne do mundo (JBS e BRF), dispensou o trabalho dos peritos oficiais da corporação (o que, diga-se, foi lamentado publicamente tanto pela Associação dos Delegados de Polícia Federal, quanto pela Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais) e prestou declarações precipitadas e generalizadas sobre a mesma, gerando danos à economia e à imagem do país que sequer podem ser dimensionados no momento, ainda que o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Borges Maggi, já tenha assumido a possibilidade de que correspondam a “números estratosféricos”, quando em audiência conjunta das comissões de Agricultura e Assuntos Econômicos do Senado.

Ou seja, no império da pressa, onde o valor das informações e as respostas das autoridades são medidas pela sua rapidez e não sensatez, o Brasil estampou de forma extremamente negativa as manchetes internacionais, colocando em xeque uma de suas principais indústrias exportadoras e mais de dez anos de luta para abrir mercado no exterior, nas palavras do ex-ministro da Agricultura e presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal, Francisco Sérgio Turra.

Observe-se: tal escândalo “lança dúvidas sobre a indústria do agronegócio no Brasil, um pilar relativamente firme da fraca economia do país” – New York Times; “Empresas brasileiras 'subornaram fiscais para manter carne podre no mercado' e se envolveram em investigação de corrupção” - CNN; “Brasil investiga gigantes de alimentos que estariam vendendo carne podre” e “as autoridades alertaram que o caso foi um duro golpe para a imagem internacional do setor de agronegócio brasileiro, com o qual o governo contava fortemente para ajudar o Brasil a se recuperar da pior recessão em décadas” – The Telegraph.

E nada disso, frisa-se, deve ser confundido com concessão ou apoio à corrupção. Apenas, e somente isso, cientes do risco de fracasso que geralmente acompanha a pressa, defende-se a calma e a cautela necessária à preservação do Direito e à inocorrência de tropeços. Afinal, quando se corre por “justiça”, também se pode tropeçar por “justiça”.


Ruiz Ritter. Ruiz Ritter é Advogado criminalista, Sócio-Fundador do Escritório Ritter & Linhares Advocacia, Mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS, Especialista em Ciências Penais pela PUC/RS. E-mail: ruiz@ritterlinhares.com.br . .


Raul Linhares. . Raul Linhares é Advogado criminalista, Sócio-Fundador do Escritório Ritter & Linhares Advocacia, Mestre em Direito Público pela UNISINOS. E-mail: raul@ritterlinhares.com.br . .


Imagem Ilustrativa do Post: Run! [Explored] // Foto de: Franck Michel // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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