No curso da vida, e também aqui na coluna sobre direito empresarial e análise econômica, refletimos sobre tantas coisas e utilizamos tantos conceitos. No último sábado, dialogava com meus dois filhos, João e Ana, e minha mulher, Vilma, a respeito do conteúdo da obra “Família: urgências e turbulências” quando percebi que realmente a Análise Econômica do Direito (AED) cabe em qualquer ambiente onde as pessoas se relacionam, se comportam e a economia de fato enxerga o direito como uma estrutura de incentivos.
Sem planejar ou perceber, repentinamente, falávamos sobre “custo de oportunidade”, um conceito emprestado da economia com ampla possibilidade de aplicação nos processos decisórios.
Logo sobreveio a lembrança sobre a minha geração, a geração dos meus pais e dos meus avós, onde a visão de sucesso tinha íntima relação com a ideia de família. Ao comparar com a geração atual, dúvidas pairaram sobre o que de fato estaria em primeiro plano: carreira, família, fuga pelo individualismo ou autodefesa? Esbarramos na nossa intimidade, em várias situações nocivas da atualidade, prejudiciais e desagregadoras de importantes valores, agora em risco.
Veja! Estava eu, ali, como pai, elegendo prioridades e fazendo escolhas. Naquele momento, por óbvio, por mais que estivéssemos debruçados curtindo a leitura e o diálogo, era o “momento família”, todos aproveitando um do outro o máximo e, por mais que soubéssemos que não dispomos de muito tempo juntos, aquele e tantos outros momentos vividos tinham muita qualidade, em uma sociedade que nos subordina. Verdade? Ou o discurso da subordinação é uma fuga da realidade, dos erros que cometemos nas relações entre pais e filhos, justamente porque, ao deixarmos as coisas como estão, alocamos mais recursos na comodidade.
Diante do quadro e do diálogo ali conduzido, logo veio à mente um conceito econômico que cabia naquele cenário real, e a relação dele com o direito para solucionar ou impulsionar uma convivência sadia entre pais e filhos, qual seja, “custo de oportunidade”.
Como sustenta SALAMA, “a escassez força os indivíduos a realizarem escolhas e incorrerem em tradeoffs. Os Tradeoffs são, na verdade, ‘sacrifícios’: para se ter qualquer coisa é preciso abrir mão de uma outra coisa – nem que seja somente o tempo. Esse algo, de que se abre mão, é o chamado ‘custo de oportunidade’. Todas as escolhas têm custos de oportunidade (...) A visualização de tradeoffs torna o processo decisório mais transparente e, portanto, mais democrático”[1].
A economia vê o direito, suas fontes, especialmente a lei, como uma estrutura de incentivos.
Resolver um caso, esteja ou não judicializado, ou apenas dar base a uma escolha humana em um ambiente de recursos escassos, pela lente da AED, não traz o dever de aplicação de vários conceitos econômicos, mas ao menos um.
Sabe-se que “além de uma teoria científica do comportamento, a economia fornece um padrão normativo útil para avaliar o direito e as políticas públicas”[2].
Duas observações são importantes ao conceito de economia: “por um lado, as necessidades humanas tendem a se multiplicar indefinidamente; por outro, os recursos para o seu atendimento são rigorosamente limitados e finitos – numa palavra: escassos”[3].
Aqui se pretende demonstrar que o “custo da comodidade” é maior do que o “custo da interação e da participação”. E para chegar a algum resultado, nada melhor do que partilharmos algumas provocações anotadas no livro que escolhemos naquela tarde de sábado para ler em família.
Dizia o autor, “os pais precisam eleger qual é a prioridade. E eu sempre lembro que a palavra ‘prioridade’ não tem ‘s’ no final. Ela é sempre no singular. Se o casal tem filhos, fez a escolha. Então é preciso cuidar e isso toma tempo, demanda reeleger a prioridade”[4].
Nesta particularidade, tratar da relação entre direito e economia passa pelo entendimento não apenas de como as pessoas se comportam, mas de quais são os incentivos legais justificadores desta ou daquela conduta, pois, na relação entre pais e filhos, existem normas constitucionais e infraconstitucionais relacionadas ao direito de família, ao direito à vida, à liberdade, à integridade, à educação, entre tantas outras, além de inúmeras políticas públicas norteadoras, igualmente, do comportamento. É o ambiente, a estrutura jurídica formativa e informativa, onde fazemos nossas escolhas e tomamos nossas decisões.
Sem dúvida alguma, ser pai ou mãe é uma daquelas escolhas entre as mais admiráveis na essência. Essa escolha decorre de um intenso movimento de interação, de união de perspectivas e missão divina, sempre na expectativa de dar oportunidades, para que aqueles que nos são caros não enterrem os seus talentos, como diz a parábola, mas os coloquem em prática para fazer a diferença na vida das pessoas, pela multiplicação.
Feita a escolha, outra mensagem do autor é pertinente, ao fazer um paralelo entre as atribuições da escola e as da família. Sobre as funções da escola destaca: “o ensino, a socialização, a construção da cidadania, a experiência científica e a responsabilidade social”. Por outro lado, afirma que: “é a família que faz a educação. A escolarização é apenas uma parte do processo de educar, não a sua totalidade. Já existem personal trainer, personal stylist. Agora querem personal father, personal mother? Se o motivo da terceirização é não querer usar o meu tempo para estar com a criança, voltamos à questão da prioridade”[5].
Ao colocarmos na balança, do lado esquerdo, a “comodidade” e, do lado direito, “a participação e a interação”, em um primeiro momento, ao pensarmos em curto prazo, parece que o custo mais pesado fará a balança pender para o lado direito. Àquilo de que abrimos mão dá-se o nome de custo de oportunidade.
Racionalmente tomaremos a decisão que incorra em um menor custo. Logo, se o custo da comodidade for mais leve, a decisão apontará nesse sentido, mas de fato precisamos conhecer o que há por trás do custo da comodidade e se, em médio e longo prazo, a situação não se reverte em favor da participação e da interação, hipótese em que a decisão correta apontará em sentido inverso ao da comodidade.
Sempre que a ideia de comodidade tomar espaço, cabe socorrer-se da economia para encontrar elementos capazes de fazer pender a balança para o lado esquerdo, para que fique mais pesado, enquanto que o lado da interação e da participação, mais leve, pois a participação e interação ativa entre pais e filhos, em cada etapa da vida, usando o pouco tempo e o transformando em qualidade vivida, marcará o futuro dos nossos filhos.
Abrindo parênteses, ao eleger esta proposta com o tema: “onde mesmo o direito e a economia se encontram?”, estava a pensar no custo da desonestidade no Brasil e em que isso afeta o mercado, pois ainda candente, na minha lembrança, a palestra do Prof. Guilherme Freire de Melo Barros, no Seminário Internacional IEL sobre a Integridade na Indústria da América Latina, organizado pela Faculdade da Indústria-IEL em parceira com o CIFAL, braço do UNITAR, Instituto vinculado às Nações Unidas.
Naquele momento, como proposta de solução para o empresário, o mencionado palestrante elegia a “assimetria informacional” como ferramenta da economia, ou seja, o impacto que a diferença de conhecimento das partes em uma negociação trazia para o mundo dos negócios. Justificava, ali, que o custo da implantação de programas de compliance é menor do que o custo da não implantação, pois a desonestidade afasta o bom investidor, mantém o oportunista e enfraquece o mercado. Por outro lado, o compliance tem o potencial de gerar confiança no mercado, atrair novos negócios e aumentar a receita[6]. Esse tema, certamente, será contemplado no futuro, cabendo retornar à segunda parte da proposta.
Para ilustrar com um exemplo: nós, professores, quando desejamos que os Alunos venham até um evento que organizamos ou compareçam a um evento que contribuirá muito para a sua formação, com a ressalva de que tal feito tem sido cada vez mais desafiante, logo pensamos em aumentar o custo de se ficar em casa, quem sabe, por meio da estratégia de exigir um resumo e valorizar os participantes.
Nesse contexto, cabe indagar: como aumentar o custo da comodidade e aliviar o peso da participação e da interação? De fato, um grande desafio, quem sabe, o maior da nossa experiência enquanto genitores. Todavia, esse trabalho de constatação é fato empírico já observado por outras ciências. Logo, ao que parece, basta-nos trabalhar esses resultados no nível da consciência e deixar que isso seja impulsionado pelo inconsciente.
Assim, se é fato que a participação ativa na educação e nas atividades das crianças aponta para resultados promissores, no sentido de agregar valores aos filhos e prepará-los para os desafios futuros, é certo que a alocação de recursos deverá se deslocar para o “tempo” ou para a “qualidade do tempo” de interação, participação e convivência, retirando recursos da “comodidade”, da delegação e da terceirização da educação.
Pode não parecer óbvio falar em direito e economia nessas relações entre pais e filhos, suscetível, portanto, de críticas, já aceitas na origem. Mas nem sempre são óbvias todas as coisas e o objetivo desta proposta não é apenas demonstrar que decisões mais racionais podem ser tomadas levando-se em conta a AED, mas também contribuir para o debate sobre a eleição de prioridades, e aqui se conclui com a eleição da prioridade de “participação e interação” entre pais e filhos e não a de “comodidade, delegação ou terceirização”. Não importará o resultado, mas a gratificação pelo esforço, e aí a conclusão de Cortella, “uma das sensações mais gostosas da vida é perceber que você não desiste daquilo que precisa ser cuidado”[7].
[1] SALAMA, Bruno Meyerhof. Direito e economia: textos escolhidos. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 22/29.
[2] COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 26.
[3] NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 39.
[4] CORTELLA, Mario Sergio. Família: urgências e turbulências. São Paulo: Cortez, 2017. p. 26.
[5] CORTELLA, Mario Sergio. Família: urgências e turbulências. São Paulo: Cortez, 2017. p. 51-52.
[6] BARROS, Guilherme Freire. Os custos da corrupção em um ambiente de negócios sob o enfoque da análise econômica do direito. Painel no Seminário Internacional IEL sobre a Integridade na Indústria da América Latina, organizado pela Faculdade da Indústria-IEL em parceira com o CIFAL. Nov/2017.
[7] CORTELLA, Mario Sergio. Família: urgências e turbulências. São Paulo: Cortez, 2017. p. 138.
Ao falar sobre as preocupações desta geração e sobre o jovem de hoje, CORTELLA revela: “O que faz mal a ele? O desperdício, a não reverência ao que foi obtido, o não reconhecimento ao esforço e, especialmente, a ausência de gratidão (...). Afinal, se ele não pode ter e precisa ter de qualquer jeito, esse ‘qualquer jeito’ que ele dará poderá levá-lo a condutas extremamente negativas” (p.34/37).
Imagem Ilustrativa do Post: Orange Tunnel, Man and Boy - 124/365 // Foto de: Barney Moss // Sem alterações
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