Onde está o impeachment? – Por Léo Rosa de Andrade

16/12/2015

Onde está o Direito? A opinião mais ouvida é a de que está na lei. Se a letra da lei dá um comando, nesse dizer da lei está o dizer do Direito. Resolvido. Bem, estaria resolvido se não houvesse intérpretes da norma. Diferentes intérpretes da norma, com variadas formações, oferecem múltiplas interpretações dos códigos legais.

Então o Direito estaria lá onde o juiz diz que está? Bem, é a sentença transitada em julgado que concretiza o enunciado na norma, não? Então o Direito estaria mesmo na declaração judicial do legal. Mas, onde o juiz formou suas convicções sobre o justo e o injusto, ou, pelo menos, sobre o legal e o ilegal?

O juiz aprendeu direito na faculdade. O que sabe, ele trouxe dos professores que o marcaram. Os cursos de Direito, na medida em que educam seus alunos, constituem seus conhecimentos. Depois, alguns deles, como juízes, dão sentenças fundadas no conhecimento acumulado. O professor é o Direito.

O professor, contudo, à sua vez, traz conhecimentos dos livros, e recomenda leituras. Os doutrinadores, pois, são a base da complexidade do conhecimento jurídico. Sem livros, sem aula. A referência bibliográfica avaliza as falas professorais e os trabalhos acadêmicos estudantis. O saber legal, pois, está na doutrina.

Outra coisa: o juiz não inventa quando aplica o Direito. Ele considera julgados anteriores: a jurisprudência. Há juízes que dialogam com ela; há juízes que se pautam por ela. Os que têm a formação jurídica baseada nas remansosas jurisprudências mais não sabem nem ouviram dizer. Não obstante, é incrível, funcionam.

Há, ainda, a formação de carreira do juiz. Os magistrados são “treinados” em escolas preparatórias para a magistratura. Nessas escolas eles aprendem não exatamente Direito, mas o Direito que vai cair no concurso para a Magistratura. O trânsito do estudante para o magistrado conforma o pensamento que elabora a sentença.

E também há a “concretude do mundo” incidindo sobre a lei, o professor, a escola, a doutrina, a sentença: as formações religiosas, as preferências políticas, as visões de classe, os favores, as adulações, os interesses, as filiações partidárias, as corrupções, as mídias. Toda a linha do Direito está sujeita a essas coisas, sem ilusão.

Bem, a Pátria está deparada com uma discussão: juridicamente, cabe ou não cabe impeachment? A torcida da Dilma diz que não; a torcida adversária diz que sim. Juristas produzem pareceres contra, assim como outros juristas os produzem a favor. Tudo me parece muito próprio. São os efeitos da “concretude do mundo”.

O que me soa estranho é a não percepção da maioria das pessoas, mesmo as lúcidas, de que os discursos de sustentação de um e outro lado são todos de interesse. Interesse não como coisa feia, malvada, mas interesse como realidade, como posição de poder. Interesse mesmo como negócio da vida mundana.

Há de ingenuidade a mau-caratismo na louvação à Dilma ou na execração ao Cunha; ou nas claques de cunhistas que abominam o dilmismo. Isso é tolo. Faz pouco tempo essas figuras conversavam sobre que nacos da República tocariam a apaniguados de cada qual. Agora se desentenderam, só isso. Jogo de poder.

Mas, afinal, esse é o assunto: juridicamente, cabe impeachment? Claro que sim; claro que não. Depende de onde está o Direito, ou seja, de quem, no caso, tem legitimidade para dizer se cabe, ou não. O Direito (e a legitimidade) para decidir sobre a pertinência do processo de impeachment está onde estiver o juiz Congresso Nacional.

Mas, não é um golpe? Sim, na opinião de uns tantos; não, na consideração de tantos outros. E se for o caso de tal questão ser dirimida, ela não o será por torcidas odientas dum ou doutro lado. A legitimidade para concluir por legalidade ou golpismo será do Supremo Tribunal Federal (onde estará o Direito) e de mais ninguém.

Bem, nosso eleitor elege interesses, não Direito. E impeachment independe de tipificação jurídica; é julgamento político. Seu resultado está à sorrelfa nas tramoias, não na ética republicana, que corrompemos. Collor caiu; Lula sobreviveu repartindo o País com Sarney. Dilma, não sei. Talvez já não tenha poder para barganhar o Brasil.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Manifestação pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff // Foto de: Editorial J // Sem alterações

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