Por Márcio Soares Berclaz – 04/01/2017
"Os estudantes são os únicos que mantém um espírito de combate" Carlos Pronzato, cineasta documentarista, poeta e escritor, autor de filmes sobre as ocupações estudantis no Chile e no Brasil.
"Estou aqui para conversar com vocês, para falar sobre ocupações...(...) de quem é a escola, a quem a escola pertence? (...) falo para vocês sobre a legitimidade desse movimento (...) nós sabemos pelo que nós estamos lutando (...) somos um movimento que se preocupa com as gerações futuras, com a sociedade e com o futuro do país (...) é por isso que nós ocupamos as nossas escolas (...) uma semana de ocupação (...) nos trouxe mais conhecimento sobre política e cidadania do que muitos outros anos que a gente vai ter dentro de sala de aula" Ana Júlia, estudante secundarista do Paraná em discurso na Assembleia Legislativa do Paraná.
As ocupações nas escolas e universidades foram um dos grandes momentos das lutas insurgentes no ano de 2016, repetindo o que já havia ocorrido em 2015 no Estado de São Paulo.
Representaram muitos mais do que um simples direito de manifestação e, ainda, muito menos do que uma desobediência civil. Foram expressões de um legítimo direito ao protesto exercido sem qualquer tipo de abuso.
As ocupações, na conjuntura do Brasil atual, foram uma expressão de democracia viva e um sinal de que os detentores do poder delegado ("potestas") não podem fazer o que bem entendem sem consequências.
Pena que o "Direito", mais uma vez, no seu tradicional papel de instância conservadora, tenha servido, como quase sempre, ao "capital", no caso, ao interesse do Estado em obter reintegrações de posse de assunto que nunca chegou a ser um problema possessório. É óbvio que não se toma nem se turba o que já é, de direito, de quem ocupa.
Nesse contexto, muito importante pesquisar e desvendar qual foi o papel desempenhado pelo Ministério Público como instituição oficiante em todos esses processos de reintegração de posse, lembrando que à instituição, antes de ser "fiscal da ordem jurídica", cabe defender o regime democrático.
A valorosa ocupação simbólica e temporária das escolas tem o potencial de despertar e inspirar outras lutas estudantis de efetivo controle social sobre a política pública educacional. Esse deve ser o maior legado.
Muito antes de serem "baderneiros" ou "massa de manobra", todos os conscientes estudantes envolvidos no processo das ocupações foram exemplo de cidadania ativa e não alienada em prol do interesse coletivo da comunidade, distante do jogo egoísta e mesquinho dos interesses individuais.
Em jogo não se tratava de querer ou não estudar, mas de não aceitar que agentes do poder estatal possam prejudicar ainda mais uma política já historicamente precarizada e insuficiente.
A Ocupação Secundarista no Paraná e no resto do Brasil fez a sua parte e escreveu uma bela página na história das lutas sociais do nosso povo.
Afinal, não se constrói cidadania sem identidade de causa; as ocupações serviram para mostrar que a construção da subjetividade de luta se dá no curso firme da história a partir de iniciativas concretas.
Contudo, dessa histórica medida mobilizadora ainda pode advir muito mais. Se as ocupações reagiram contra o fechamento de escolas, contra irregularidade na merenda, contra a subtração de recursos da educação pela PEC 55 (depois 241) de limitação de gastos, podem reagir contra a falta de prioridade e insuficiente fiscalização dos recursos públicos envolvidos na educação, podem servir como fermento e instrumento de luta para muitas outras frentes.
Que o espírito unificador das ocupações - na sua marcante pretensão de democrática e transformadora horizontalidade, continue exercendo a capacidade de interpelar o Estado para que este atenda as necessidades dos estudantes, dos profissionais da educação e, de modo geral, da comunidade escolar.
Ocupar é resistir; e resistir politizadamente na teoria e na prática, mais do que nunca, é de uma necessidade gritante e vital. Sim, os estudantes também são sujeitos em busca de um reconhecimento e de uma experiência concreta de autonomia. A escola já é uma trincheira qualificada na espera do início das próximas lutas.
As ocupações representam o "novo" e carregam algo sempre necessário para mais um ano que se inicia: princípio esperança. Esperança que precisa continuar como os estudantes: #firme.
Márcio Soares Berclaz é Doutorando em Direitos das Relações Sociais (UFPR), Mestre em Direito do Estado (UFPR), sócio-fundador do Grupo Nacional de Membros do Ministério Público (www.gnmp.com.br), membro do Ministério Público Democrático, membro da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude – ABMP, membro da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público em saúde pública – AMPASA, membro do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais – IPDMS, autor do Blog Recortes Críticos (www.recortescriticos.blogspot.com) e Promotor de Justiça no Ministério Público do Paraná.
Imagem Ilustrativa do Post: Ato Ocupações Secundaristas contra a PEC55 | 24-11-2016 | Belo Horizonte // Foto de: Mídia NINJA // Sem alterações
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