O valor da causa nas ações cautelares preparatórias – Por Felippe Borring Rocha

14/04/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

O conceito atual do valor da causa foi fixado, no Brasil, com pequenas diferenças, há mais de 100 anos, e foi positivado no art. 43 do CPC de 1939, que dizia ser ele a quantia em dinheiro equivalente ao benefício patrimonial pretendido na ação.[1] O mesmo Código dispunha que “si o pedido não fôr de quantia certa em dinheiro, o próprio autor estimar-lhe-á o valor, para a determinação da alçada” (art. 48). Nascia, assim, a expressão “valor de alçada”, para designar o valor da causa feito por estimativa do autor, nas ações onde não houvesse um benefício patrimonial direto ou mensurável.

Durante a vigência do CPC de 1939, apesar da omissão legal, tanto doutrina como jurisprudência sustentavam que o valor da causa nas ações cautelares seria um caso de valor por alçada, já que neste tipo de demanda o foco era a proteção do processo.[2]

Infelizmente, a omissão quanto ao valor da causa na ação cautelar foi repetida no CPC de 1973. Não obstante, continuou sendo pacífico que o valor da causa também deveria constar da petição inicial da ação cautelar. E, da mesma forma que no regime anterior, esse valor deveria ser fixado por estimativa do autor, nos termos do art. 258, que afirmava que “a toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato”. Como bem assinalou Ovídio Araújo Baptista da Silva:[3]

“A omissão quanto ao valor da causa, ao contrário, não foi suprida pelo legislador, mantendo-se o Código silente quanto ao ponto. Domina em doutrina, no entanto, o entendimento de que a ação cautelar, como qualquer outra, deverá ter um valor que se traduza numa expressão monetária e que não deve confundir-se com o valor da ação principal ou do bem objeto do direito a ser protegido. Por exemplo, o valor da ação de sequestro de um imóvel não poderá equivaler ao valor da ação reivindicatória que tiver o mesmo imóvel por objeto. Como, porém, o Código não oferece, no art. 259, nenhum critério capaz de orientar na fixação do valor a ser dado à ação cautelar, o recurso será o arbitramento de seu valor, feito pelo autor e sujeito à discrição do juiz”

Pois bem. Chegamos a 2015 e o Novo CPC, por razões que fogem à compreensão, manteve a tradição processual brasileira e, mais uma vez, não regulou o valor da causa nas ações cautelares preparatórias. O problema é que o Novo Código dispôs que o valor da causa nas ações satisfativas preparatórias (irmã gêmea da ação cautelar preparatória, mas não univitelina) será o valor do “pedido de tutela final”:

“Art. 303.  Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

(...)

§ 4º Na petição inicial a que se refere o caput deste artigo, o autor terá de indicar o valor da causa, que deve levar em consideração o pedido de tutela final.”

Estabeleceu, ainda, o Códex de 2015 que o pedido principal será formulado nos autos da ação cautelar preparatória, independentemente do adiantamento de custas:

“Art. 308.  Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais”

Por conta desses dispositivos, parte da doutrina passou a sustentar que o valor da causa nas ações cautelares seria, sob a vigência do Novo CPC, o valor da ação principal.[4]

Com o devido respeito, mas esse entendimento não parece ser o mais adequado.

De fato, como já sublinhado, o valor da causa deve corresponder ao proveito econômico que o demandante espera obter com a vitória processual. Esse conceito permanece inalterado no Novo CPC (art. 292). Da mesma forma, subsiste a possibilidade de formulação de uma estimativa para o valor da causa, quando não for possível aferir sem conteúdo econômico no momento da propositura da demanda (art. 291).

Portanto, como nas ações cautelares preparatórias não há um proveito econômico imediato, mas simples proteção do resultado útil do processo (art. 300), o valor da causa deve ser fixado por estimativa, como vem sendo feito há mais de 100 anos. No momento da propositura da ação principal, no entanto, apesar da dicção do caput do art. 308, deve o interessado promover um ajuste de custas, caso o valor da ação cautelar tenha sido fixado em patamar inferior ao valor do pedido principal.

Neste passo, importante esclarecer que o comando previsto no citado art. 303, § 4º, do CPC de 2015 não pode ser aplicado por analogia à ação cautelar, na medida em que a ação satisfativa preparatória, via de regra, tem potencial de gerar para o seu requerente efetivo proveito econômico.


Notas e Referências:

[1] TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol.I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 256. Muito antes disso, o tema já era cristalizado no direito europeu continental. Neste sentido, dizia Guiseppe Chiovanda que o valor da causa “não é o valor do objeto mediato da demanda, nem da causa petendi isoladamente considerados, mas da combinação dos dois elementos, ou seja, é o valor daquilo que se pede, considerando em atenção a causa petendi, isto é, a relação jurídica baseada na qual se pede; é o valor da relação jurídica, nos limites, porém, do petitum" (Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II, Campinas: Bookseller, 2000, p. 161).

[2] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes. Comentários ao Processo Civil. Tomo III: Arts. 154 a 281. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 401.

[3] Curso de Processo Civil. Vol. II, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 111.

[4] Por todos, veja-se HARTMNN, Rodolfo Kronemberg; HARTMNN, Guilherme Kronemberg. Petições e Prática Cível. Niterói: Impetus, 2017, p. 18.


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