O uso do Blockchain na governança corporativa das Sociedades Anônimas

13/09/2018

Coluna Direito Empresarial e Análise Econômica / Coordenador João Carlos Adalberto Zolandeck

Inicia-se a abordagem a partir da seguinte indagação: existe alguma relação entre o uso da tecnologia  Blockchain e a criação de um ambiente corporativo de confiança?

                É certo que as iniciativas comportamentais deste ou daquele agente econômico repercutem no estado de confiança, que é fundamental para o ambiente empresarial, sendo relevante atrair novas tecnologias capazes de simplificar e dar velocidade às transações diárias a que a empresa se submete. Isto porque, relacionar-se está no âmago dos objetivos empresariais para atrair forças geradoras de riquezas, especialmente em um País como o nosso, fundado em uma economia de mercado, nos termos do artigo 170 da Constituição da República, que traz como base de sustentação a livre iniciativa e a livre concorrência.

            Contar com um ambiente de confiança é uma necessidade empresarial imperativa, onde se busca incessantemente a simplicidade dos atos transacionais e ou autorizativos relacionados à gestão, entendendo-se que uma base de dados descentralizada e compartilhada por meio da rede mundial de computadores apresenta-se como uma boa solução aplicada à governança corporativa. Trata-se da tecnologia Blockchain, inicialmente utilizada, apenas, para registrar trocas de criptomoedas, todavia, percebeu-se que tal ativo poderia ser aproveitado nos mais variados segmentos, principalmente naqueles que dependem de segurança nas informações.

Funciona como uma cadeia de blocos, uma espécie de “livro-razão” de registros públicos compartilhado, como se depreende da seguinte análise:

“Ao contrário das redes usuais, em que há um servidor central e os computadores (clientes ou nós, nodes, em inglês) se conectam a ele, uma rede peer-to-peer não possui um servidor centralizado. Nessa arquitetura de redes, cada um dos pontos ou nós da rede funciona tanto como cliente quanto como servidor – cada um dos nós é igual aos demais (peer traduz-se como ‘par’ ou ‘igual’) –, o que permite o compartilhamento de dados sem a necessidade de um servidor central. Por esse motivo, uma rede peer-to-peer é considerada descentralizada, em que a força computacional é distribuída”.[i]

Lançada no ano de 2009, por Satoshi Nakamoto, juntamente com a criptomoeda Bitcoin, permite o registro de transações de forma segura, rápida, eficiente, sem a necessidade de um terceiro interveniente.

A rede, que funciona de forma descentralizada, é constantemente verificada, por meio de cálculos matemáticos feitos pelos computadores que nela estão interligados, em um sistema distribuído de base de dados em log, por meio de uma rede peer-to-peer — P2P. Quatro são os fundamentos para o uso desta tecnologia: segurança das operações, descentralização do armazenamento, integridade de dados e imutabilidade de transações.[ii]

No momento em que ocorre uma transação, o registro de sua ocorrência entra na rede descentralizada. Após isso, inicia-se o processo de validação, e, havendo um consenso da maioria de que a transação deve ser considerada verdadeira, passa, ela, a integrar a cadeia de blocos.

Este processo de verificação é denominado “mineração”, uma espécie de processo de cálculos matemáticos feitos por computadores, que funciona por meio de consenso e serve para confirmar as transações, protegendo a neutralidade da rede, na medida em que se utiliza de diferentes computadores harmonicamente sincronizados. As transações são incluídas em bloco, aplicando-se a criptografia para prevenir que blocos antigos sejam modificados pelas mesmas pessoas, inviabilizando-se, assim, a reversão das próprias transações[iii].

É desta forma que a rede se torna segura e descentralizada. A segurança decorre da dificuldade de fraudar a respectiva base de dados, pois, para que isso fosse possível, deveria haver uma espécie de combinação entre milhares de computadores ao redor do mundo.

A partir do momento em que um registro é inserido em sua cadeia, torna-se quase que impossível de ser modificado, isso somente seria viável havendo um novo consenso geral, com toda a rede de computadores à qual está interligado.

É por estes motivos que se considera uma rede descentralizada e neutra. Descentralizada, no sentido de não estar ligada a um servidor específico, e neutra, por não haver um detentor principal e centralizado que tem em seu poder todas as informações, pelo contrário, estas estão registradas na rede como um todo.

Esta tecnologia disruptiva funciona como uma espécie de “livro-razão”, capaz de armazenar todos os registros de transações ocorridos na história, não dependendo de uma rede central para funcionar ou definir regras, encontrando-se espalhada pela rede mundial de computadores e que funciona através de consenso, não podendo, portanto, ser modificada, atacada ou bloqueada[iv].

Sendo assim, é tida com um “livro-razão” inviolável, descentralizado, neutro e distribuído.

Os blocos se apresentam ordenados uns em relação aos outros, não sendo independentes, funcionando em forma de cadeia, e seguem uma lógica matemática. Desta forma, para se alterar qualquer informação em alguma parte da cadeia, é necessário que todos os demais blocos sejam recalculados.

Entre as principais vantagens da tecnologia blockchain tem-se a segurança e a riqueza da informação, a redução de riscos, a minimização de custos e o aumento da confiança.

Isto porque há redução do tempo de uma transação, feita de forma quase que instantânea; elimina custos de intermediários, melhorando a eficiência, e reduz a possibilidade de fraudes e crimes cibernéticos[v]. Tais pressupostos estão absolutamente alinhados com a Análise Econômica do Direito, que tem em suas raízes o entendimento e a busca por estratégias redutoras de custos de transação.

Falou-se no uso da tecnologia em comentário em um universo de situações, podendo, hoje, ser amplamente percebido nas autenticações de documentos digitais, contratos inteligentes, assinatura de documentos de forma eletrônica, cadeias de suprimentos, votações eletrônicas, registros de dados, setor financeiro, internet das coisas e outras funcionalidades, cujo raciocínio se aplica e se expande para o ambiente corporativo e de negócios.

É importante verificar uma ilustração de como isto tudo funciona. A tecnologia criada por Satoshi Nakamoto permite que não haja a necessidade de uma autoridade central para dar confiança a uma transação, a rede em si permite que as transações sejam feitas de forma segura e sejam validadas pela própria rede[vi], como se vê na imagem abaixo:

   Fonte: MURRAY (2018)

Cada nó (node) tem a possibilidade de verificar e validar a transação ocorrida. A partir do momento em que há um consenso da maioria dos nós (nodes), a transação é validada e passa a fazer parte do bloco.

Como dito, torna-se praticamente impossível alterar uma transação já validada pela rede, isto porque seria necessário haver um consenso da maioria para que essa modificação fosse efetivada. Tal feito exigiria uma enorme quantidade de energia e esforço de cálculos feitos por computadores, tornando quase que inviável a sua mudança (pelo menos até os dias de hoje).

Quer-se enfatizar que o uso desta nova tecnologia vai além das transações relacionadas a criptomoedas, considerando-se que outros setores da sociedade podem e devem beneficiar-se do uso do blockchain, como, por exemplo, o governo, o setor financeiro, a internet das coisas e até mesmo as corporações privadas, diante de seus benefícios, destacando-se: transparência, redução de fraudes, controle mais assertivo de acesso, rastreabilidade, gestão eficiente de pessoas, imutabilidade de registros entre outros. Aliás, alguns governos já se utilizam desta tecnologia inovadora, como o da Estônia, por meio do programa e-redidency e plano de saúde com registros médicos; o da Suíça, com o registro de transações imobiliárias e o do Reino Unido, no controle da distribuição de benefícios do departamento de trabalho e pensões[vii].

O objetivo deste texto é acalorar o debate pelo uso do blockchain na governança corporativa das sociedades anônimas, a fim de garantir uma participação mais efetiva de seus acionistas, bem como dar eficácia às decisões da respectiva organização empresarial.

A governança corporativa tem cada vez mais sido utilizada nas sociedades e nas organizações, e entende-se como a forma pela qual as empresas podem ser “dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas.[viii]

Sabe-se que são notórios os problemas advindos da efetiva participação e votação dos acionistas nas assembleias gerais das sociedades anônimas. “As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum.[ix]

A aplicação da tecnologia do blockchain, a fim de garantir a participação dos acionistas a distância, nas assembleias, bem como a votação dos termos nela discutidos, tem-se apresentado como uma alternativa viável, segura, garantindo agilidade e eficácia nas decisões.

Conforme afirmam LAFARRE e VAN DER ELST, a tecnologia do blockchain pode oferecer benefícios às assembleias gerais, que sofrem com todas as necessidades burocráticas, além de permitir uma participação mais efetiva dos acionistas. Confira-se a íntegra do pensamento:

Blockchain é uma tecnologia que pode oferecer soluções inteligentes para problemas clássicos de ineficiências de governança nas corporações, especialmente no relacionamento entre acionistas e a empresa. Assembleias Gerais Anuais (AGOs) são geralmente consideradas rituais anuais obrigatórios e importantes, a informação, fórum e funções de tomada de decisão, são de fato corroídos. Além disso, as assembleias sofrem de falhas processuais, especialmente quando os acionistas votam de forma remota. Portanto, fazemos um forte apelo para a modernização das assembleias com o uso de tecnologia blockchain. A tecnologia Blockchain pode reduzir os custos de voto dos acionistas e sua organização custa substancialmente para as empresas. Além disso, a tecnologia do blockchain pode aumentar a velocidade de tomada de decisão, facilitar de forma rápida e eficiente o envolvimento dos acionistas. Além disso, os principais problemas com a atual cadeias de intermediários e sistema de votação remota tem a ver com a transparência, verificação e identificação - questões diretamente ligadas às vantagens da tecnologia blockchain.[x]

A utilização do blockchain nas práticas de governança corporativa tende a estimular a participação dos acionistas na tomada de decisões importantes da sociedade.

Por mais que as modernas práticas de governança sejam cada vez mais utilizadas e vistas como necessárias dentro das organizações, as formas de participação nas assembleias de acionistas permanecem ultrapassadas.

Apesar da importância das assembleias na governança corporativa, o seu “esboço clássico permaneceu inalterado. Muitas disposições que regem os direitos dos acionistas e procedimentos na assembleia remontam ao século 19.”[xi]

YERMACK expande esta compreensão nos seguintes termos:

“O voto corporativo poderia se tornar mais preciso, e estratégias como ‘votação vazia’, que são projetadas para separar os direitos de voto de outros aspectos da propriedade de ações, podem se tornar mais difíceis de executar secretamente. Qualquer e todas essas mudanças podem afetar drasticamente o equilíbrio de poder entre diretores, gerentes e acionistas.[xii]

O uso do blockchain nas práticas de governança não só garante o estímulo à participação do acionista, bem como a segurança das informações prestadas, a agilidade na tomada de decisões, a eficácia e a redução dos custos de transação, diante da eliminação de obstáculos, dificuldades e da burocracia.

Os benefícios advindos deste método ensejam a modernização das assembleias, permitindo um sistema de votação remota, feita de forma transparente, verificada e com identificação das partes, onde não há possibilidade conhecida de fraudes ou equívocos, premiando a gestão eficiente e transparente da entidade empresarial.

 

Notas e Referências

[i] ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. 1. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2014, p. 44.

[ii] BRAGA, Alexandre Melo et al. Tecnologia Blockchain: uma visão geral, 2016, p. 6. Disponível em: <https://www.cpqd.com.br/wp-content/uploads/2017/03/cpqd-whitepaper-blockchain-impresso.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2018.

[iii] BITCOIN, Bitcoin.org. Processando - minerando, 2018. Disponível em: < https://bitcoin.org/pt_BR/como-funciona>. Acesso em: 25 mai. 2018. 

[iv] OSÓRIO, Edilson. Blockchain e o futuro da Governança, 2016. Disponível em: <https://pt.slideshare.net/iGovExplica/blockchain-e-o-futuro-da-governanca>. Acesso em: 17 mai. 2018. 

[v] JERONYMO, Luiz. Blockchain uma nova realidade para o mundo dos Negócios, 2016. Disponível em: <https://pt.slideshare.net/iGovExplica/blockchain-uma-nova-realidade-para-o-mundo-dos-negcios>. Acesso em: 17 mai. 2018.

[vi] MURRAY, Maryanne. Blockchain explained, 2016. Disponível em: <http://graphics.reuters.com/TECHNOLOGY-BLOCKCHAIN/010070P11GN/index.html?utm_content=buffere0fd3&utm_medium=organicsocial&utm_source=facebook-su&utm_campaign=buffer>. Acesso em: 20 jun. 2018.

[vii] BRAGA, Alexandre Melo et al. Tecnologia Blockchain: uma visão geral, 2016, p. 11/20. Disponível em: <https://www.cpqd.com.br/wp-content/uploads/2017/03/cpqd-whitepaper-blockchain-impresso.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2018.

[viii] IBGC. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Governança Corporativa, 2018. Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/governanca/governanca-corporativa>. Acesso em: 25 jun. 2018.

[ix] IBGC. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Governança Corporativa, 2018. Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/governanca/governanca-corporativa>. Acesso em: 25 jun. 2018. 

[x] LAFARRE, Anne et al. Blockchain Technology for Corporate Governance and Shareholder Activism, 2018, p. 3. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract_id=3135209>. Acesso em: 01 jun. 2018.

[xi] LAFARRE, Anne et al. Blockchain Technology for Corporate Governance and Shareholder Activism, 2018, p. 8. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract_id=3135209>. Acesso em: 01 jun. 2018.

[xii] YERMACK, David. Corporate Governance and Blockchains. Review of Finance, Volume 21, Issue 1, 1 March 2017, p.8. Disponóvel em: <https://doi.org/10.1093/rof/rfw074>. Acesso em: 25 jun. 2018.

 

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