Coluna Advocacia Pública e outros temas jurídicos em Debate / Coordenadores Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta
Há aproximadamente 20 (vinte anos) anos as Procuradorias-Gerais de Estados constataram a necessidade de instituir linhas de atuação específicas e profissionalizadas, perante as Cortes Superiores em Brasília, à semelhança de grandes escritórios de advocacia.
Foram então implantadas, paulatinamente pelos Estados, as Setoriais de suas Procuradorias em Brasília[1], com Procuradores lotados na capital federal, cujo propósito era exercer representação judicial qualificada e especializada nas demandas próprias das Cortes Superiores.
Com efeito, a jurisprudência defensiva dos Tribunais Superiores e os requisitos de admissibilidade cada vez mais exigentes dos recursos excepcionais passavam a demandar envolvimento mais próximo e específico dos Procuradores de Estados, para que a atuação se conformasse o máximo possível às exigências formais e, principalmente, com vistas à atuação exitosa.
A advocacia pública exercida perante os Tribunais Superiores mostrou-se de grande importância, sendo revestida de especificidades, tal qual diversas áreas especializadas das Procuradorias de Estados o são.
Tratar da advocacia pública perante as Cortes Superiores é falar em atuação especial tanto quanto é a atuação especializada dos setores tributários e consultivos, por exemplo. Não se trata de atuação mais ou menos importante, mas simplesmente, atuação especializada em segmento judicial próprio.
A aproximação entre Procuradores dos diversos Estados atuando na capital federal foi um caminho natural, promovido tanto pela atuação do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e Distrito Federal (CONPEG), quanto pela coincidência e afinidade de temas debatidos pelos Estados, especialmente nas causas cujo embate é travado com a União Federal, os chamados conflitos federativos.
Quanto ao Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e Distrito Federal (CONPEG), sua organicidade e atuação concertada remontam à década de 80, momento de significativo protagonismo das Procuradorias de Estados no cenário da federação, conforme registros históricos resgatados em artigo de abertura da obra “Federalismo na Visão dos Estados”, de autoria do Procurador do Estado de Minas Gerais, Onofre Alves Batista Júnior e João Leonardo Silva Costa[2]:
“Os primórdios do CONPEG remontam a outubro de 1984, durante o Décimo Congresso Nacional de Procuradores dos Estados, em Maceió (AL), ocasião na qual os Procuradores-Gerais e Advogados-Gerais dos Estados, avistando as incumbências e responsabilidades que o porvir reservaria à procuratura, decidiram conceber uma instituição que congregasse a cúpula da Advocacia Pública de Estado, de modo a articular e centralizar uma atuação jurídica concertada entre os Estados.
(...)
Relevante perceber que desde sua origem a instituição foi criada para ser um autêntico “Colégio”, e não um fórum, um conselho ou uma ouvidoria sobre os problemas que os Estados enfrentavam. Ainda que o acrônimo da instituição tenha variado ao longo do tempo, sendo anteriormente referido como CNPGEDF, CNPGEDFT, ou CNPGE, sua missão precípua se manteve intacta: o fortalecimento da federação, no desempenho de articulações entre os Estados em defesa da legalidade, na construção de políticas públicas conjuntas e em ações de interesse comum em prol dos entes subnacionais.”
Os interesses comuns facilmente identificados nas reuniões do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais transitavam em torno de conflitos federativos travados, o mais das vezes, com o governo central.
Os problemas enfrentados pelos Estados, relatados e compartilhados pelos Procuradores-Gerais, restavam muitas vezes sem possibilidade de encaminhamentos práticos, dadas as dificuldades de integração e atuação judicial conjunta, considerando a autonomia dos Estados e a vocação jurídica regional e local de suas Procuradorias.
Os escritórios setoriais de Brasília permitiram grande avanço no trato dos temas comuns aos entes federados, viabilizando o encontro de Procuradores de todos os Estados em um mesmo espaço territorial, com a frequência necessária à maturação de temas e teses, bem como, à atuação judicial conjunta.
Nesse cenário foi então criada a Câmara Técnica do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e Distrito Federal:
“Progressivamente o Colégio também se formalizou. Desde as suas origens havia um regimento interno sobre sua constituição e funcionamento. Mas autêntico marco em sua história foi a criação de sua Câmara Técnica (CT) em 2008, primeiramente coordenada pela Procuradora do Estado Sandra Maria do Couto e Silva (AM), coadjuvada pelas colaboradoras também Procuradoras do Estado Ana Carolina Monte Procópio (RN) e Vanessa Abreu (MG), contando com a participação do atual presidente da CT, Ulisses Schwarz Viana, como 1º Vice-presidente à época, e das colegas Christina Aires Correa Lima (RJ) e Sérgio Santana (PE).
A criação da Câmara foi impulsionada, dentre outros motivos, pela sistemática da Repercussão Geral, no STF, e dos Recursos Repetitivos, no STJ, e pelo anseio de que houvesse um centro que gestasse ações jurídicas concertadas entre os Estados, a evitar o tumulto processual, e a combater aberrações autoritariamente impostas pelo poder central.”[3]
A identificação de conflitos federativos comuns aos Estados e a modernização dos processos de demanda de massa, com a introdução no sistema processual do julgamento de recursos repetitivos impulsionou os Estados e Distrito Federal a se organizarem em ambiente permanente de estudo e troca de experiências.
Esse ambiente de trabalho coletivo, que como dito, tem foro na capital federal e é protagonizado pelos Procuradores de Estados que atuam perante as Cortes Superiores, lotados em escritórios Setoriais em Brasília, realiza reuniões mensais, nas quais são submetidos a debates os mais variados temas comuns, de interesse federativo e que despertam a atuação conjunta dos Estados-membro.
As reuniões são usualmente realizadas na sede da Procuradoria-Geral do Distrito Federal, que acolhe, nesse propósito, as demais Procuradorias de Estados e confere apoio fundamental ao bom desempenho de tão relevante atribuição.
O compartilhamento de informações entre os Procuradores lotados na capital e a coleta de dados com os setores especializados das Procuradorias, nas bases estaduais, é elemento fundamental no desempenho da advocacia interfederativa.
Traço de importância relevantíssima, o esforço de congregação de informações, dados, estatísticas e elementos locais fáticos, necessários à instrução das mais variadas demandas, são obtidos em ambiente virtual, exigindo dos participantes enorme envolvimento e organicidade em plataformas digitais de uso comum e de domínio público, como chats de conversação, nuvens e correio eletrônico.
A velocidade da informação, de fácil acesso e compartilhamento entre os advogados públicos federais, que contam com um único sistema de dados espraiado por todo o país, escapa aos Procuradores dos Estados que atuam nas causas federativas.
Com efeito, Estados e Distrito Federal, por força de sua autonomia e em razão da enorme variedade de sistemas de gestão de processos (alguns Estados nem mesmo os tem), somados à diversidade de realidades regionais, ausência de sistema integrado e compartilhado de troca de informações, não contam com a facilidade de acesso a dados que tem o governo central, o que impõe aos Procuradores de Estados que atuam na capital federal dedicação diária a ambientes virtuais e softwares de domínio público que, longe de ser instrumentos de lazer, mostram-se ferramentas de trabalho de relevantíssima utilidade.
Exemplo da utilização de instrumentos digitais – sem qualquer custo aos entes públicos – a Câmara Técnica reúne-se, diariamente, no ambiente do aplicativo WhatsApp, em grande grupo de atuação no qual são trocadas informações, peças processuais, minutas de adesão, documentos de interesse dos Estados, sendo ambiente em que, principalmente, são deliberadas – com legitimidade – muitas estratégias de atuação judicial conjunta e concertada dos Estados-membro.
Os Tribunais se modernizam constantemente e criam os mais variados mecanismos digitais de aperfeiçoamento de julgamentos. Contam, tal qual as procuradorias federais, com a unicidade de tratamento de dados e informações. Um mesmo sistema atendendo todo um universo judicial, facilitando a comunicação de informações e o trabalho do operador do direito.
Os Procuradores dos Estados que atuam em conjunto na capital federal, pelas causas comuns dos entes federativos, não podem contar com sistema unificado de troca de dados e informações e têm nas plataformas digitais mais singelas, de domínio público e sem custo (tecnologias gratuitas), o refúgio para bem desempenhar sua missão.
Em um cenário de grande especialização digital, portanto, os Estados e o Distrito Federal têm se desincumbido de tarefa jurídica de grande envergadura sem fazer uso de softwares elaborados e custosos. Ainda assim, vêm experimentando novo avanço na advocacia federativa exercida em conjunto, na capital federal.
Com efeito, é possível afirmar que o compartilhamento diário de informações e material relevante para os Estados pelas plataformas digitais utilizadas pela Câmara Técnica consiste em verdadeira prática de advocacia pública inovadora, conquanto não seja atuação imposta institucionalmente aos Procuradores, mas aderida e utilizada espontaneamente por aqueles que desempenham tais atribuições, além de ser um foro reconhecidamente legítimo por todos os que dele se utilizam.
A espontaneidade no uso e, ao mesmo tempo, reconhecimento da legitimidade do ambiente virtual pelos Procuradores de Estados e Distrito Federal que integram a Câmara Técnica são elementos de fundamental importância para o sucesso da advocacia pública federativa.
Com efeito, a autonomia dos Estados inviabiliza a atuação centralizadora ou hierárquica de um ente federado sobre o outro. Tentativas de uniformização de sistemas de dados, compartilhamento de informações padronizadas ou aplicação de medidas disciplinares por atuação destoante de modelos pré-definidos não se coadunam com a harmonia da advocacia interfederativa.
A preservação do pacto federativo e da autonomia dos Estados é, justamente, grande elemento propulsor da atuação da Câmara Técnica e do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal, de modo que, para consecução de seu mister, não poderiam os mesmos valer-se de expedientes capazes de enfraquecer as balizas constitucionais federativas.
É nessa sensível equação que caminha a atuação dos Procuradores dos Estados e Distrito Federal que congregam a Câmara Técnica: a espontaneidade em atuar coletivamente, o respeito pela autonomia de cada ente federado, a harmonia na atuação conjunta, com o propósito de conduzir a defesa dos Estados em caminho de interesse comum, pela preservação do pacto federativo e em sistema de moderação de forças com a União Federal.
A advocacia federativa colaborativa, portanto, não pode perder de vista o elo constitucional que a motiva e que justifica sua razão de ser:
Constituição Federal:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
É bem dizer, para desempenhar a advocacia interfederativa, os Procuradores que integram a Câmara Técnica e os Procuradores-Gerais, no CONPEG, devem atuar preservando e enaltecendo a autonomia dos Estados-membro, de modo a fortalecer o pacto federativo.
É exatamente por atuarem em equilíbrio de forças e no exercício da autonomia constitucional que lhes é conferida que se revela a legitimidade da atuação coletiva dos Estados e Distrito Federal, sendo a coligação de esforços um traço de reafirmação da autonomia dos entes federativos, que optam por atuarem em conjunto na defesa de causas de interesse comum.
A autonomia, como princípio constitucional, legitima a unidade federativa na tríplice capacidade: de auto-organização, autogoverno e auto-administração, observados os limites do poder soberano. Por conseguinte, compete ao Estado reger sua disciplina administrativa e política, até porque é dotado de Poder Constituinte decorrente devendo reger-se pela Constituição e leis que adotar, observados os princípios da Carta Magna.
Quanto aos conceitos de soberania, autonomia e federação, transcreve-se trecho doutrinário extraído da obra Curso de Direito Constitucional, de autoria do Min. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco:
“Assim, a soberania, no federalismo, é atributo do Estado Federal como um todo. Os Estados-membros dispõem de outra característica – a autonomia, que não se confunde com o conceito de soberania.
A autonomia importa, necessariamente, descentralização do poder. Essa descentralização é não apenas administrativa como, também, política. Os Estados-membros não apenas podem, por suas próprias autoridades, executar leis, como também é-lhes reconhecido elaborá-las. (...)
A autonomia política dos Estados-membros ganha mais notado relevo por abranger também a capacidade de autoconstituição. Cada Estado-membro tem o poder de dotar-se de uma Constituição, por ele mesmo concebida, sujeita embora a certas diretrizes impostas pela Constituição Federal, já que o Estado-membro não é soberano.
É característico do Estado federal que essa atribuição dos Estados-membros de legislar não se resuma a uma mera concessão da União, traduzindo, antes, um direito que a União não pode, a seu talante, subtrair das entidades federadas; deve corresponder a um direito previsto na Constituição Federal. (...)
Sustenta-se, ainda, que a Constituição Federal deve ser rígida e que o princípio federalista deve ser cláusula pétrea, para prevenir que a União possa transformar a Federação em Estado unitário.”[4]
É em torno de tais premissas que muitas das demandas judiciais enfrentadas pela advocacia interfederativa são travadas. Para assegurar o pacto federativo e moderar forças com o governo central, os Estados, no exercício da autonomia constitucional de que gozam, optam por unir esforços entre si e desempenham atuação coletiva que, longe de enfraquecer referida autonomia, a reafirma e a consolida.
É enorme, como se vê, o desafio de se apresentar de modo uníssono, com elementos comuns, com teses construídas em bases uniformes para todos os Estados e Distrito Federal, especialmente quando se vislumbra o aparato de sistemas e recursos digitais de que dispõe a União Federal, maior opositora judicial dos Estados nas trincheiras das demandas federativas.
Para viabilizar essa atuação coordenada, de modo a preservar a autonomia dos entes federativos, a Câmara Técnica conta com regimento interno[5] que disciplina, de forma sucinta, procedimentos para os encaminhamentos dos trabalhos:
Art. 3º. Nos recursos extraordinários processados nos termos dos artigos 543-A e 543-B do Código de Processo Civil, os Estados e o Distrito Federal poderão apresentar manifestação conjunta sobre a questão da repercussão geral, visando a defesa do interesse público comum, observadas as disposições do artigo 4º da Resolução CNPGEDF n.º 1/2008 e os seguintes procedimentos:
§1º - Destacada a existência de repercussão geral de matéria relevante para o interesse comum dos Estados e do Distrito Federal, a Procuradoria/Advocacia Geral do ente federativo que figurar como parte no processo comunicará o fato ao Colégio Nacional de Procuradores-Gerais e ao Presidente da Câmara Técnica, que cientificará os integrantes da câmara e designará o coordenador das medidas necessárias à manifestação conjunta no feito na qualidade de terceiros interessados na análise da repercussão geral, na forma do art. 543-A, §6º do CPC.
§2º - Reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal a existência de repercussão geral, a Procuradoria/Advocacia Geral do ente federativo que for parte no recurso extraordinário comunicará o fato ao Colégio Nacional de Procuradores-Gerais e ao Presidente da Câmara Técnica, que cientificará os membros da câmara e, se ainda não houver, designará o coordenador das medidas necessárias à intervenção conjunta no feito, observado o disposto no art. 327, §2º do RISTF.
§3º - O Presidente da Câmara Técnica designará o coordenador na forma do §2º, do art. 4º, da Resolução n.º 001/2008-CNPGEDF.
§4º - Na hipótese do parágrafo anterior, o coordenador da manifestação conjunta, a quem competirá elaborar a minuta da manifestação, será designado dentre os representantes da Câmara Técnica, salvo determinação em contrário.
§5º - O ente federativo que decidir pela apresentação de manifestação autônoma comunicará a decisão ao Presidente por meio de seu representante na Câmara Técnica.
§6º - As manifestações conjuntas serão submetidas e subscritas pelos Procuradores/Advogados Gerais, que poderão delegar a subscrição das peças aos respectivos representantes perante a Câmara Técnica.
Nota-se, pelas disposições transcritas do regimento interno da Câmara Técnica, que a atuação conjunta dos Estados é feita com grande independência entre os mesmos, não havendo determinação impositiva de atuação coletiva, ao mesmo tempo em que não há traço hierárquico entre os entes federados.
A mesma sistemática prevista no art. 3º acima transcrito deve ser observada para os temas de recursos repetitivos perante o Superior Tribunal de Justiça, bem como ações diretas de inconstitucionalidade/constitucionalidade de interesse comum dos Estados.
Há registros de atuação coletiva dos Estados-membro, também, em arguição de inconstitucionalidade perante o Tribunal Superior do Trabalho (índices de atualização de débitos da fazenda, Arg. Inc. 479-60.2011.5.04.0231), bem como em incidente de resolução de demandas repetitivas perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (repartição de receitas IRRF, IRDR 5008835-44.2017.4.04.000), e até mesmo em sede de Recurso em Habeas Corpus, no célebre caso do devedor contumaz, atuação interfederativa brilhantemente liderada pelas Procuradoras Luciana Marques Vieira da Silva Oliveira (Procuradora do Distrito Federal) e Ana Carolina de Carvalho Neves (Procuradora do Estado de Santa Catarina à época, atualmente Procuradora do Estado da Bahia) (RHC 163.334, Supremo Tribunal Federal).
Também há registros de atuação coletiva dos Estados e Distrito Federal no âmbito do FONAP – Fórum Nacional de Advocacia Pública, em que os Procuradores que atuam perante os Tribunais Superiores trocaram experiências com Procuradores Federais, tendo havido proposição formal, subscrita pelo CONPEG, de solução administrativa de contencioso federativo pacificado no Supremo Tribunal Federal, por meio de pareceres normativos da Advocacia-Geral da União, a exemplo das causas que tratam de inscrição no CAUC sem a conclusão do devido processo legal, bem como processos que tratam do princípio da intranscendência das sanções (restrições aplicadas aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário não podem contaminar um ao outro).
A atuação colegiada das Procuradorias dos Estados também deu azo à propositura de ações, com petição inicial subscrita por diversos Procuradores, deduzindo as mesmas e únicas razões de interesse comum. São exemplos nesse sentido a Ação Cível Originária n.º 3150 e Ação Cível Originária n.º 3151, propostas perante o Supremo Tribunal Federal, nas quais se questiona a queda de repasses constitucionais do Fundo de Participação dos Estados (FPE) pela União e nas quais se requer a reposição das perdas detectadas, bem como, ajustes no sistema federal de escrituração e repartição de receitas, de modo a corrigir as distorções identificadas.
Outro exemplo de atuação coletiva em ação originária proposta conjuntamente pelos Estados e Distrito Federal perante o Supremo Tribunal Federal é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n.º 523), na qual se sustenta a tese de que a União vem praticando verdadeira fraude fiscal em ampliar e perpetuar a desvinculação de receitas (DRU) e instituir contribuições, quando deveria ampliar sua capacidade de arrecadação por meio de tributos cujas receitas possam ser repartidas com os demais entes federativos, conforme comandos constitucionais explícitos a respeito.
Nesse ponto, importante destacar a confecção coletiva de peças, em exemplo de perfeito entrosamento, harmonia e respeito entre os Procuradores dos mais variados Estados, fatores que fortalecem e legitimam as teses levadas a juízo, sempre impressionando positivamente os Ministros que são visitados nas inúmeras audiências realizadas pelos representantes das Procuradorias na capital federal.
A atuação coletiva, por sua vez, pode suscitar questionamentos quanto à legitimidade de atuação e preservação da autonomia constitucional dos entes federados, especialmente nos casos de propositura de ações subscritas em conjunto pelos Estados e Distrito Federal, assim como nos momentos em que um Estado representa os demais no uso da tribuna em sessões de julgamento, o que vem acontecendo com grande frequência, em nome da economia processual e organicidade e eficiência das sessões de julgamento.
O presente ensaio pretende, exatamente, demonstrar que, longe de enfraquecer a autonomia dos Estados e Distrito Federal, sua atuação coletiva em verdade é resultado do irrestrito exercício de tal autonomia, revelando-se de grande importância para preservação do pacto federativo e para a moderação de forças com o governo central.
A ausência de subordinação entre os entes, ausência de hierarquia e controle disciplinar, demonstra que a atuação colegiada dos Estados e Distrito Federal perante as Cortes Superiores consiste no exercício da autonomia com total preservação das normas constitucionais, tratando-se de atuação absolutamente legítima.
O resultado desse trabalho de advocacia pública interfederativa não passa despercebido nos Tribunais Superiores, conforme registrado em matéria jornalística publicada no jornal Folha de São Paulo, em 18/03/2018, intitulada “Como se relacionam os influenciadores do Supremo”:
“A comunidade central, azul, mais heterogênea e conectada, é eminentemente composta por entes da federação, incluindo-se o amigo mais frequente do STF: a União. Eles tendem a opinar sobre guerra fiscal e outros temas relativos ao federalismo e financiamento estatal.
No caso dos Estados, podem orquestrar sua atuação a partir da Câmara Técnica de Procuradores de Estado, um centro de decisão conjunta que funciona junto ao Supremo”.
À atuação dos Procuradores de Estados na capital federal, como se vê, instituída em princípio para especialização da advocacia perante os Tribunais Superiores, considerando os crescentes requisitos de admissibilidade dos recursos excepcionais e abrangência da jurisprudência defensiva de referidas Cortes, agregou-se atuação interfederativa que somente tem sido possível em razão de novas práticas de advocacia pública colaborativa, realizadas, inclusive, por meio de plataformas digitais que, embora de domínio público e não institucionais, viabilizam a necessária integração para o bom desempenho de tão relevante papel.
O compromisso assumido com a carreira comum de Procurador de Estado e com a causa federativa tem viabilizado a atuação judicial coletiva dos Estados e Distrito Federal, sem que haja norma vertical impositiva.
Enfrenta-se neste ensaio o questionamento sobre possível violação à autonomia constitucional dos entes federados, considerando-se a atuação judicial e administrativa coletiva de Estados e Distrito Federal.
Em conclusão, e de modo propositivo, justamente por não haver hierarquia ou sobreposição de um ente sobre o outro, conclui-se que essa atuação coletiva de advocacia interfederativa revela total expressão da autonomia dos Estados e Distrito Federal, não havendo qualquer violação constitucional no modelo de condução coletiva de demandas ora apresentado.
O resultado de tal atuação tem sido a prática de advocacia pública harmônica, a revelar o federalismo de cooperação no seu estado mais puro, com respeito à autonomia dos entes federados e direcionamento dos esforços profissionais para interesses comuns, especialmente à preservação do pacto federativo e moderação de forças com o governo central.
Notas e Referências
BARROSO, Luís Robert; Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 7ª ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2018.
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves; O Federalismo na Visão dos Estados – uma homenagem do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal – CONPEG – aos 30 anos de Constituição. 1ª ed. Belo Horizonte: Letramento, 2018.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015.
MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2015.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 9ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2013.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira e SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional – teoria, história e métodos de trabalho. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014.
[1] Os primeiros escritórios setoriais das Procuradorias de Estados em Brasília datam, na verdade, das décadas de 70 (Bahia) e 80 (São Paulo). Mas foi somente em meados dos anos 90 e início dos anos 2000 que o movimento de fixação de escritórios na capital federal se consolidou. Exemplificativamente: Pernambuco (1996), Alagoas (1999), Pará (2000), Mato Grosso do Sul (2000), Sergipe (2002), Espírito Santo (2003), Ceará (2005).
[2] BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves; O Federalismo na Visão dos Estados – uma homenagem do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal – CONPEG – aos 30 anos de Constituição; 2018. Casa do Direito, fls. 10-12,
[3] Ob. cit. fls. 16.
[4] 10ª ed., Ed. Saraiva, São Paulo, 2015, fls. 814/815.
[5] Regimento Interno da Câmara Técnica do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e Distrito Federal – Criada pela Resolução n.º 01/08-CONPEG.
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