Coluna Práxis / Coordenadoras: Juliana Lopes Ferreira e Fabiana Aldaci Lanke
Para Entelman, a formação acadêmica, sob forte influência normativa, constituiu profissionais do direito habituados a terem no sistema jurídico resposta para todas as suas perguntas. Com a assertiva kelseniana, de que tudo é juridicamente permitido salvo o juridicamente proibido, conhecia-se os direitos, os deveres e as condutas passiveis de sanções.
Contudo, as respostas são insuficientes para resolver conflitos entre conflitantes com pleitos antagônicos juridicamente permitidos, sendo preciso expandir a visão para sair do condicionamento de se pensar o conflito juridicamente. O sistema de pensamento que distingue quem tem o direito e quem tem a obrigação. Em busca de novas respostas, Entelman – inspirado por Thomas Kuhn – estabelece um novo paradigma para compreensão do conflito.
Para estabelecer uma noção em linhas gerais, Entelman apresenta a visão sistêmica do conflito quando observa a interação dos membros de um dado sistema social. Para o autor, se os membros do sistema possuem objetivos compatíveis, tendem a uma relação de cooperação. Se possuem objetivos incompatíveis, tendem a uma relação conflituosa.
É indiscutível o avanço social histórico do direito quando atrai para si o monopólio da força, proibindo o particular de exercê-la de modo direto, como em sociedades primitivas.
Nas sociedades primitivas todas as condutas eram possíveis até tornarem-se indesejadas. Eram evitadas com o uso da persuasão ou da violência para não ocasionar determinado tipo de comportamento. O tempo passou e para motivar as condutas que eram desejadas, as sociedades recorriam a autoridade moral, geralmente um chefe religioso.
Novamente com o passar do tempo, além da motivação de certas condutas em detrimento de outras, passou a existir como motivação indireta a ameaça de sanção àqueles que realizavam as condutas contrárias. Essa motivação indireta é a origem do uso da força monopolizada pelo grupo. Hoje o uso da força é monopolizado pelo Poder Judiciário.
Assim se compreende o sistema jurídico como um método violento para resolução de conflitos, uma vez que as normas jurídicas (substantivas e procedimentais) funcionam na vida social como instrumento para a solução de problemas concretizada pelo uso da força sempre que necessário.
Isso porque os atos realizados pelos magistrados envolvem a sanção [1] em seus aspectos básicos i) privação de algum bem (coisas, liberdade) e ii) uso da força no cumprimento de eventual obrigação, caso resistida. A ameaça que as pessoas fazem umas às outras (em situações conflituosas) e que o juiz utiliza quando intima alguém para a entrega de um bem, como exemplifica Entelman, são expressões do uso da força física, nomeada de “força pública” quando exercida pelo órgão estatal.
A rotina forense brasileira apresenta esse aspecto no cotidiano. O credor ajuíza ação de cobrança em face do devedor e se apodera dos bens do executado por meio da ordem judicial, que autoriza o uso de força caso o devedor não entregue os bens espontaneamente.
Quando Entelman expõe o paradigma normal da Justiça como método violento e propõe enxergar o conflito social antes da formação do conflito jurídico, possibilita alternativas não necessariamente dentro do âmbito do direito para solução das controvérsias.
Entelman sugere uma teoria geral do conflito, considerando conflito uma espécie do gênero relação social, cuja premissa é o enfrentamento de pretensões incompatíveis de qualquer magnitude (conflito entre Estados, entre empresas, entre famílias) e não necessariamente pelo sistema jurídico, que atua como mecanismo violento para resolução dos conflitos.
Há um conflito sociológico antes da lide. Por isso, conjugar diversas áreas do conhecimento para compreensão do conflito se faz necessário por considerá-lo a partir das relações sociais e não propriamente do direito, um equívoco de muitos estudiosos.
Investigar a administração do conflito compreende analisá-lo em seus elementos, forma de condução e prevenção. O conflito é dinâmico por configurar-se em uma sucessão de comportamentos, mas em sua análise o autor também leva em consideração sua natureza estática.
Para João Alves Silva, “A relevância da análise estática [do conflito, por Entelman] tem sentido porque é preciso conhecer os elementos que o compõem. Cada quadro (...) deve ser analisado para compreensão do todo” [2]. E como o conflito é dinâmico por configurar-se em uma sucessão de comportamentos, Entelman prossegue seus estudos com detida análise sobre os atores, a consciência e poder que possuem em relação à controvérsia, sua intensidade e o papel de terceiros como facilitadores de outras formas de administração do conflito.
Quando os atores não conseguem enxergar a relação conflituosa de forma ampla, junto com uma perspectiva passada, atual e eventualmente futura da relação, torna-se mais difícil conceber o conflito como problema comum que deve ser solucionado pelos envolvidos de forma compartilhada e criativa.
Notas e Referências
[1] É da expressão sanção que se estabelece quais condutas podem ou devem ser feitas (ou não). A consequência das condutas averiguada pelos magistrados resulta na sanção.
[2] SILVA, João A. Teoria de conflitos e direito: em busca de novos paradigmas. Pensar, fortaleza, v. 13, n. 2 p.216-222, jul./dez. 2008.
ENTELMAN, Remo F. Teoría de conflictos: Hacia um nuevo paradigma. Barcelona: Gedisa, 2002.
SILVA, João A. Teoria de conflitos e direito: em busca de novos paradigmas. Pensar, fortaleza, v. 13, n. 2 p.216-222, jul./dez. 2008.
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