Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini
A Reforma Trabalhista no Brasil, instrumentalizada pela Lei nº 13.467/2017, trouxe uma mudança significativa na Consolidação das Leis do Trabalho. Dentre os inúmeros pontos trazidos pela reforma, tem-se o instituto das horas “in itinere”, também denominadas de horas de percurso.
De acordo com a CLT, antes das alterações realizadas em 2017, o tratamento disciplinado no artigo 58, §2º da CLT, garantia ao empregado uma remuneração, como horas de efetivo trabalho, do tempo despendido no percurso de ida e volta ao emprego e sua soma à jornada de trabalho, desde que o local de trabalho fosse de difícil acesso e não servido por transporte público regular, e que o empregador fornecesse o meio de transporte.
Essa conjectura fora posteriormente expandida pela Súmula nº 90 do Tribunal Superior do Trabalho, que passou a abarcar aquelas situações em que o empregador fornece o meio de transporte, em razão dos horários de início e término da jornada de trabalho do colaborador não serem compatíveis com os horários do transporte público regular.
Apresentando sentido essencialmente contrário, a nova redação do mencionado artigo passou a desobrigar totalmente o empregador do pagamento do título em questão, de modo que, a partir da vigência da nova lei que ocorreu em novembro de 2017, as horas in itinere não mais são devidas pelo empregador.
Nessa temática, os empregados contratados após a vigência da nova lei não terão direito a tais horas, pois o direito não mais existe em nosso ordenamento jurídico.
Porém, questão crucial a ser enfrentada, refere-se ao trabalhador rural, disciplinado por legislação específica, e que não tem, por força da própria normatização, subordinação quanto ao disposto na CLT, a exemplo do próprio artigo 58, §2º da CLT.
Assim, não há como receber interpretação diversa, sendo que, mesmo com a reforma trabalhista, trabalhador rural recebe por deslocamento, uma vez que as modificações não atingiram o rurícola, que se encontra em situação diversa dos demais.
As alterações da reforma no art. 58 da CLT só dizem respeito ao trabalhador urbano.
Por força do que dispõe o artigo 7º, alínea “b”, da CLT, aos trabalhadores rurais não se aplicam os dispositivos consolidados, salvo quando houver determinação expressa em sentido contrário. Isso decorre justamente em razão das peculiaridades dos serviços executados por essa categoria profissional.
Os trabalhadores rurais têm tratamento legal próprio, na Lei nº 5.889/1973, regulamentada pelo Decreto 73.236/1974.
Essas normas explicam quais são os dispositivos da CLT que se aplicam aos trabalhadores rurais, e o art. 58 da CLT não está na lista. In verbis:
“Art. 4º Nas relações de trabalho rural aplicam-se os artigos 4º a 6º; 8º a 10; 13 a 19; 21; 25 a 29; 31 a 34; 36 a 44; 48 a 50; 62 alínea b; 67 a 70; 74; 76; 78 e 79; 83; 84; 86; 116 a 118; 124; 126; 129 a 133; 134 alíneas a, c, d, e, e f; 135 a 142; parágrafo único do artigo 143; 144; 147; 359; 366; 372; 377; 379; 387 a 396; 399; 402; 403; 405 caput e § 5º; 407 a 410; 414 a 427; 437; 439; 441 a 457; 458 caput e § 2º; 459 a 479; 480 caput e § 1º; 481 a 487; 489 a 504; 511 a 535; 537 a 552; 553 caput e alíneas b, c, d, e, e §§ 1º e 2º; 554 a 562; 564 a 566; 570 caput; 601 a 603; 605 a 629; 630 caput e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 7º e 8º; 631 a 685; 687 a 690; 693; 694; 696; 697; 699 a 702; 707 a 721; 722 caput, alíneas b e c e §§ 1º, 2º e 3º; 723 a 725; 727 a 733; 735 a 754; 763 a 914; da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; com suas alterações. (...)” (grifo nosso)
Assim, pela natureza dos serviços prestados pelos rurícolas, é possível afirmar que, o transporte oferecido pelo empregador para o deslocamento do empregado até os locais de trabalho, constitui mesmo necessidade indispensável para a própria execução dos serviços, ou seja, uma condição inerente ao próprio contrato de trabalho, visto que sem esse transporte se tornaria inviável a prestação do trabalho, que comumente ocorre em regiões distintas das áreas urbanas, sem acesso por intermédio de linhas regulares de transporte público.
Durante esse percurso o empregado já se encontra à disposição do empregador, que desenvolve suas atividades em locais longínquos e, por isso, deve remunerar esse tempo despendido pelo trabalhador, conforme estabelece a Súmula nº 90 do TST, nota-se:
Súmula nº 90 do TST
HORAS "IN ITINERE". TEMPO DE SERVIÇO (incorporadas as Súmulas nºs 324 e 325 e as Orientações Jurisprudenciais nºs 50 e 236 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I - O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho.
II - A incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas "in itinere".
III - A mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento de horas "in itinere".
IV - Se houver transporte público regular em parte do trajeto percorrido em condução da empresa, as horas "in itinere" remuneradas limitam-se ao trecho não alcançado pelo transporte público.
V - Considerando que as horas "in itinere" são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo.
Ainda, não há que se afirmar que a referida Súmula não pode ser aplicada ao trabalhador rural, e que deve sofrer cancelamento após as alterações da Lei nº 13.467 de 2017, por força do que estabelece o art. 8º, § 2º da CLT, ipsis verbis, uma vez que o próprio dispositivo não atinge os contratos de trabalho dos rurais, conforme já abarcado acima.
“Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
(...)
§2oSúmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei. (...)” (grifo nosso)
Dessarte, não há que se falar em revogação ou qualquer mudança no preceito sumular 90 do TST, que trata do cômputo das horas de trajeto na jornada do empregado, com o consequente pagamento como extraordinária das horas que extrapolarem a jornada legal, pois essa atende os trabalhadores rurais, que não estão sob a observância do quanto disposto nos artigos 8º e 58, §2º da CLT.
Notas e Referências
Lei nº 5.889, de 8 de Junho de 1973. PLANALTO. Estatui Normas Reguladoras do Trabalho Rural. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5889.htm>. Acesso em: 23 de Julho de 2019.
Decreto Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. PLANALTO. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 23 de Julho de 2019.
CASSAR, Vólia Bomfim. CLT Comparada e Atualizada com a Reforma Trabalhista. São Paulo: Editora Método, 3ª Edição, 2018.
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