O termo é de Aristóteles, pensador que viveu há 24 séculos e ainda hoje é referência importante na filosofia, na política, nas artes, na ciência em geral. Ele nomeava topoi (plural de tópos) as verdades aceitas que formam a base dos entendimentos e orientam as escolhas cotidianas.
Doxa são argumentos em que as pressuposições se apoiam em opiniões comuns sacralizadas; juízos supostamente verdadeiros e até óbvios, mas que não passam de crença ingênua e superável. Tais entendimentos são descobertos ou inventados em “lugares” chamados tópicos.
Houaiss, tópico: “diz-se dos lugares-comuns ou o estudo ou os tratados a respeito dos mesmos”; Aurélio, tópicos: “lugares-comuns”. Os dicionários trazem vários significados para lugar-comum. Cuido do que remete à ideia de fórmula trivial, de amplo consentimento em determinada cultura.
Esmiuçando: os topoi são as verdades, digamos, populares, que se repetem, se espraiam e acabam por se consolidar, adquirindo status de sabedoria tradicional; tornam-se referência. Confundem-se um pouco com os provérbios e, como eles, transformam-se em saber sentencioso.
Os topoi não necessitam portar conteúdo moralizante como os aforismos, mas acabam, igualmente, adquirindo foro de certeza proverbial. Também não são dogmas, dado que estes são arrimos fundamentais e indiscutíveis, base de autoridade, sobretudo, das religiões monoteístas.
Os topoi, pois, permitem discussão, mas, como estruturam as compreensões primárias das tão buscadas “explicações das coisas”, não é nada fácil desconstruí-los. Desestruturar topoi equivale a solapar o ferramental intelectivo que as pessoas usam para explicar a vida que levam.
Bem, encontro postado no mural do Facebook de Emilly Fidelix: Na prática a teoria é outra. Provoco-a: “A afirmação de que na prática a teoria é outra é, ela própria, uma teoria, ou seja, uma afirmação teórica. Então, em sendo uma teoria, na prática ela pode ser outra coisa”.
Sigo, então, pautando na contramão do senso-comum: “Logo, podemos admitir que, na prática, a teoria pode perfeitamente ser a mesma coisa.” Emilly contesta: “Neste caso, não acredito que seja uma teoria, mas sim uma ideia formada, uma afirmação não demonstrada”.
Achei a resposta arguciosa. Se não é filosoficamente verdadeira, é, todavia, uma “verdade” circulante. É uma ideia assentada, dessas que acabam não mais sendo questionadas, tornando-se base de explicações e compreensões da realidade, alcançando grau de autorreferentes: topoi.
Essas ideias formadas apenas com base nelas mesmas estabelecem-se sem verificação prévia ou confirmação posterior, portanto, estão suportadas em coisa nenhuma. Em palavras científicas, não são demonstradas; não são uma conclusão induzida ou deduzida. São porque são.
Emilly e eu chegamos a uma questão: um teorema seria só uma teoria ou uma prática demonstrada? Rematamos: teorema é uma proposição possível de ser demonstrada por processo lógico. Teorema, pois, pode principiar como hipótese, mas resta como teoria. Lembra? C.Q.D.
Agora, a pensar: a proposição demonstrada pode ter aplicação prática, então, vamos à desconstrução de um topoi: em sendo um teorema uma teoria, se a teoria fosse necessariamente diferente da prática, cada aplicação prática de um teorema seria diferente de outra, mas não é.
Em verdade, uma teoria, quando posta em prática, pode restar igual, ou não. Variáveis podem incidir entre a teoria e a prática dessa teoria. Nos atos humanos, variáveis não são sempre controláveis, pois no caminho da realização prática é comum haver desvirtuamento da teoria.
Aí, novamente a teoria está correta: ela avisa que o humano (felizmente) não se comporta com muita uniformidade e coerência. Uniformes e coerentes são os insetos. Na vida, nós somos incoerentes. Humanos só se repetem com coerência em experiências controladas de laboratório.
Emilly e eu discutimos outros topoi. Há um muito citado por gente com jeito de sabichona: Toda regra tem exceção. Pois bem, se toda regra tem exceção, então a regra que diz que toda regra tem exceção igualmente haverá de ter, ela mesma, exceção. Logo, nem toda regra tem exceção.
Algum capcioso responderá que tudo é relativo. Ah!, basta contradizer: a afirmação tudo é relativo é um absoluto; não cabe, com um absoluto, dizer que tudo é relativo. Enfim, topoi: máximas do senso comum; impostas como naturais e necessárias, facilmente caem. Basta refletir.
Imagem Ilustrativa do Post: abstract // Foto de: bm.iphone // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/bmiphone/6057706295/
Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/