INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo discorrer sobre a importância do Tiro de Comprometimento dentro da doutrina de Gerenciamento de Crises. Por meio de legislação relacionada ao tema e da pesquisa bibliográfica, analisaremos o gerenciamento de crises e, dessa forma, examinaremos o tiro de comprometimento nele inserido, e seu funcionamento de acordo com a doutrina e a legislação pertinente.
É de suma importância o estudo e as consequências jurídicas do tiro de comprometimento quando da ação do atirador de elite. Da mesma forma, em determinadas situações, a inércia ou morosidade do agente estatal em relação a autorizar a alternativa tática do disparo técnico e/ou letal efetuado pelo sniper, poderá caracterizar a responsabilidade por omissão do Estado diante de um evento crítico.
O Comandante do Teatro de Operações deve ser um profissional técnico, com experiência e treinamento, para autorizar a alternativa tática do tiro de comprometimento e assim neutralizar o perpetrador do evento crítico. É o gerente da crise que dá o sinal verde para atuação do atirador policial de elite.
Os órgãos de segurança pública têm a obrigação de capacitar o seu efetivo para as situações de crise, e nesse diapasão, os policiais são os profissionais responsáveis, os atores da condução de eventos críticos. Os agentes políticos não devem decidir ou autorizar alternativas táticas no gerenciamento de crises, ainda mais em um tema de grande relevância quando se fala no tiro de comprometimento.
Os benefícios serão evidentes para aqueles que lidam diariamente no gerenciamento de crises, pois, possuidores da técnica, do conhecimento operacional além da experiência da atividade policial, terão mais legitimidade e segurança em suas ações quando observarem no caso concreto qual a solução tática é a mais eficaz e adequada para a crise.
1 GERENCIAMENTO DE CRISES
O gerenciamento de crises na atividade policial no Brasil está em evolução e muito ainda há de se discutir, já que é uma área de transformação constante.
As escolas de Polícia do País receberam forte influência da Doutrina Americana no tocante ao gerenciamento de crises. E talvez nesta questão tenhamos um grande problema, pois trazer integralmente para nosso País uma doutrina americana, necessita de adequação em razão de vivermos uma outra realidade. Assim, esse campo do conhecimento de Segurança Pública deve preconizar os princípios que regem o Estado Democrático de Direito de nossa nação, com racionalidade e prudência.
Para entendermos o gerenciamento de crises, é preciso que conceituemos o que seria uma crise. Crise é um evento ou uma situação imprevisível capaz de provocar danos substanciais a um organismo e/ou instituição.
A Academia Nacional Federal Bureau of Investigation - FBI - define crise como um evento ou situação crucial que exige uma resposta especial da Polícia, a fim de assegurar uma solução aceitável. O consagrado autor da doutrina de gerenciamento de crises, Salignac (2011, p. 21) afirma que “a responsabilidade de gerenciar e solucionar as situações de crise é exclusivamente da Polícia”.
1.1 O gerenciamento de crises
Gerenciar uma crise é atribuição afeta a profissionais que devem ter formação técnica específica na área. Não é lugar para oportunistas e aventureiros.
Segundo a Academia Nacional do FBI, o gerenciamento de crise é definido como “o processo de identificar, obter e aplicar os recursos necessários à antecipação, prevenção e resolução de uma crise”.
No meio policial, existem ocorrências que à primeira vista não parecem tão graves. No entanto, essas situações podem se transformar em um evento crítico que exigirá uma resposta especial e uma solução aceitável. Assim, gerenciar uma crise se torna uma tarefa crucial para os organismos policiais, pois estes devem conhecer as características ou elementos fundamentais desse evento crítico.
Dentre as características de uma crise temos a ameaça à vida, imprevisibilidade e compressão de tempo.
Na ameaça a vida, a natureza do evento crítico impõe às pessoas envolvidas um grande risco às suas vidas. De forma geral, engloba o risco à vida do perpetrador do evento crítico, refém, policiais, bem como das demais pessoas próximas ao ponto crítico.
A imprevisibilidade mostra a premente necessidade de os órgãos policiais anteciparem-se aos eventos críticos desde o treinamento até o momento em que atuem com o intuito de solucionar uma crise. Tal característica evidencia que a mesma pode acontecer a qualquer momento, e as forças policiais terão que estar prontas para usarem da técnica adequada no gerenciamento de crises.
A compressão de tempo e/ou urgência é uma situação em que as equipes especializadas uma vez acionadas prestarão um atendimento emergencial e célere para atuar naquele evento crucial. As decisões devem ser rápidas em razão do exíguo espaço de tempo.
1.2 A gerência e seu objetivo
O objetivo do gerenciamento de crises, notadamente, na doutrina utilizada no Brasil, é de preservar vidas e aplicar a lei.
Na Carta Magna de 1988, em seu art. 5º, caput, assevera: “Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida [...]”.
Como destacado, vemos que o direito à vida é um bem jurídico tutelado pela nossa lei maior, a Constituição Federal. Outrossim, temos em outros ordenamentos jurídicos a proteção da vida.
O Código Penal Brasileiro disciplina o crime de homicídio com o objetivo de proteção e preservação da vida, in verbis “Artigo 121 do CPB: Matar alguém: Pena – Reclusão, de seis a vinte anos”.
Ao gerenciar uma crise, o comandante do teatro de operações deverá colocar sempre esse objetivo de preservar vidas como sua principal e grande missão. Assim, ao mesmo tempo sua ação proporcionará que as leis vigentes tenham efetividade e, deste modo, sejam aplicadas ao caso concreto.
Ocorre que em cada crise temos um tipo de causador de evento crítico, o que ocasionará uma resposta especial decidida pelo gerente da crise ao evento crítico em que se busca uma solução.
No estudo da tipologia dos tomadores de refém, temos várias terminologias elaboradas ao longo do desenvolvimento da doutrina de gerenciamento de crises. Faremos uma explanação de 03 (três) motivações de maior destaque que são: Motivação criminosa, motivação política e motivação por perturbação mental.
Motivação criminosa: A ação do indivíduo ocorre com o propósito de fuga e segurança pessoal. Geralmente é levada a efeito sem planejamento prévio e há interferência imediata da Polícia quando o crime está acontecendo. Sua motivação primeira é a fuga e a segurança pessoal.
Motivação Política: O detrator politicamente motivado e compromissado com uma causa, na maioria das vezes, tem uma personalidade racional, com exceção de seu fanatismo. Possui uma personalidade relativamente normal e não está afetada por problemas mentais. Na verdade, esse indivíduo entende que ele não é um criminoso, e sim, um patriota combatendo pela liberdade. Gosta de chamar a atenção e atrair os holofotes da imprensa.
Motivação por perturbação Mental: Este tipo de indivíduo mentalmente perturbado apresenta-se das mais variadas formas. Poderá estar criminal e politicamente motivado ou simplesmente perturbado, podendo ser caracterizado como se estivesse reagindo a alguma forma de esgotamento devido a frustrações e/ou desilusões, bem como uma série de outras questões de ordem pessoal.
Temos, então, uma série de motivações as quais serão a base das ações de determinados tipos de criminosos que, nas mais variadas vezes, agirão contra a vida das pessoas em crises como: assalto com tomada de reféns, sequestro de pessoas, rebelião em estabelecimentos prisionais, assalto a banco com reféns, atos de terrorismo, ameaça de bombas, ente outros.
Imaginemos que uma equipe policial efetua patrulhamento ostensivo e preventivo em determinado bairro. De repente, os policiais deparam-se com uma crise em que um indivíduo, ao adentrar uma farmácia, dá voz de assalto e utiliza uma senhora que estava no local como refém. A referida equipe dirige-se ao local e atua como primeiro interventor. Nessa função, a equipe policial, como medida preliminar e imediata, de acordo com Greco (2017, p. 157), deve: “Doutrinariamente, tem-se entendido que, em situações de crise, três posturas devem ser adotadas: 1) conter; 2) isolar a área; 3) negociar”.
Conter a crise é não deixar que ela se alastre. É fundamental que a situação crítica seja contida, mantendo-se no ponto onde está e, igualmente, sua redução de forma proporcional.
Isolar é “congelar” a crise. Evita-se o contato dos causadores da crise com elementos externos. Geralmente são utilizados para isolar o local cordas, cavaletes e até mesmo policiais e viaturas.
Negociar é iniciar o diálogo com os causadores do evento crítico no intuito de buscar informações e evitar concessões. De forma inicial, a equipe de 1ª intervenção tentará estabilizar a crise até a chegada dos negociadores habilitados para atuar na ocorrência.
Com a definição dos perímetros de segurança (interno e externo) do local de crise e a instalação de um posto de comando, o comandante do teatro de operações, a partir daí, coordenará as ações do evento crítico no tocante aos passos do gerenciamento da crise. Nesse prisma, a doutrina delineia que será necessário o uso das alternativas táticas para que a crise tenha no final uma solução aceitável.
Alternativas táticas são todas as opções disponíveis aos comandantes da operação para atuarem em uma situação crítica, buscando alcançar, assim, o melhor resultado possível para a resolução do evento crucial.
Para Santos (2010, p.43), “Alternativa tática significa a forma a maneira, o modo e as opções que o comandante da operação possui para dar uma solução aceitável à mesa”.
As alternativas táticas são:
- Negociação;
- Técnicas não letais;
- Tiro de comprometimento;
- Invasão tática.
Todas as alternativas táticas são importantes e a evolução da crise mostrará quais delas serão mais adequadas de forma individual e/ou conjunta.
A negociação é considerada “a rainha das alternativas táticas”. De acordo com Silva (2016, p. 198), a negociação “é um conjunto de técnicas que utiliza a barganha, a persuasão, a influência e o poder de convencimento como ferramentas para a resolução da crise”. No geral, as crises são contidas e solucionadas com essa alternativa tática, ou seja, uma boa negociação conduzirá a ação policial para um resultado positivo.
As técnicas não letais consistem no uso de materiais e equipamentos que, utilizados de forma correta, não causam a morte de uma pessoa. Nesse emprego, o uso da força será mínimo, pois essa alternativa tática buscará incapacitar naquele momento o criminoso.
O tiro de comprometimento é uma alternativa tática para resolver crises que está ligada ao disparo de precisão. Pode-se efetuar um tiro tático ou um tiro letal de comprometimento.
A invasão tática é a última opção a ser empregada em uma crise. É a mais drástica e perigosa, e só será utilizada em razão de as outras alternativas não terem dissuadido o perpetrador. Consiste na atuação da equipe tática de modo a avançar e invadir o ponto crítico no intuito de salvar o refém da ação criminosa do causador do evento crítico. O time tático deve ser muito bem treinado, pois a grande exposição dos policiais e o risco de morte dos envolvidos são iminentes.
1.3 A alternativa do tiro de comprometimento
Para a utilização do tiro de comprometimento, o gerente da crise deve verificar se no caso concreto a negociação técnica não evoluiu. Deve-se levar em conta as impressões acerca de como o perpetrador reage no decorrer do evento e suas condições mentais, psicológicas e, também, suas intenções com o passar do tempo no evento crítico.
Pode parecer até simples a atuação do sniper na crise, no entanto, o profissional deve possuir uma série de predicados para exercer a função de atirador elite.
1.3.1 O sniper policial ou atirador de precisão
Esgotadas as possibilidades de negociação o atirador policial entra em cena. A atuação deste profissional, no âmbito da crise, tem como pontos cruciais observar, proteger e neutralizar.
Através de sua luneta, o sniper observa todas as nuances do teatro de operações. Fornece informações sobre o ponto crítico, quantidade de perpetradores, tipo de armamento utilizado pelos captores, características do local da crise. Ademais, saber transmitir de forma fidedigna todos os elementos visualizados no local, de forma rápida e precisa, para o gerente da crise.
Proteger resume a própria atividade do sniper. Assim, o atirador de elite, assume o compromisso de proteger, através de seu conhecimento, treinamento e técnica, a vida de terceiros que estão nas mãos de algum tipo de criminoso.
Neutralizar significa garantir que a agressão não ocorra. O atirador efetua o disparo de precisão após o sinal verde dado pelo gerente da crise. A partir daí o sniper não deve manifestar emoção, apegos religiosos e conflitos existenciais. O atirador é resoluto do melhor momento para efetuar o tiro técnico ou tático por meio da racionalidade e de sua técnica apurada.
1.3.2 A autorização para o tiro de comprometimento
Muito se tem discutido sobre quem seria a autoridade responsável para autorizar a alternativa tática do tiro de comprometimento.
Em 19 de agosto de 2002, o poder executivo do Estado de Goiás criou o Decreto nº 5.642/02 (em anexo), que trata da comissão de gerenciamento de crises e que normatiza ações dos órgãos de segurança pública no atendimento a eventos de natureza policial. O art. 11 do Decreto nº 5.642/02 diz:
Não obtido sucesso nas negociações e se a situação exigir o emprego imediato e irreversível da solução tática, a fim de preservar direito próprio ou alheio, nos limites traçados pelo código penal, esta deverá ser precedida de autorização do governador do Estado, que será transmitida para o comandante da cena de ação através do secretário da segurança pública e justiça.
Percebemos que a normatização transfere para um agente político a autorização para a implementação de uma solução tática. Esta pode ser o tiro de comprometimento e/ou a invasão tática.
A boa doutrina de gerenciamento de crises preconiza que o gerente da crise é o encarregado de planejar, coordenar, organizar, gerenciar e conduzir todas as operações necessárias para uma solução aceitável do evento crítico.
Desnecessário e impróprio transferir e tabular responsabilidades a autoridades que não detém a técnica, experiência, treinamento e preparo para conduzir a missão do gerenciamento de crises, já que vidas estão em risco nesses eventos.
Todas as ordens devem partir do comandante da cena de ação. As funções no gerenciamento de uma crise são delimitadas. E o próprio gerente cumpre apenas sua função. Cabe ao negociador a tentativa de dissuadir o perpetrador do crime, como ao sniper de neutralizar o agressor quando acionado.
1.3.3 A responsabilidade pela omissão do agente estatal quanto a não utilização da solução tática do sniper
Uma vez verificado um evento crítico, faz-se necessária uma medida enérgica e rápida para solucionar de forma aceitável a crise. Assim, os agentes estatais podem responder por omissão em virtude de sua negligência para com a situação. Fato este que se constata pelo receio quando se fala em utilizar do tiro de comprometimento.
A inação do atirador de elite em efetuar o tiro de comprometimento em virtude de não autorização para o disparo pode caracterizar a responsabilidade civil, administrativa e penal do Estado e de seus agentes.
1.3.4 O tiro de comprometimento e suas consequências jurídicas
Uma grande celeuma existe na doutrina de gerenciamento de crises em relação às consequências jurídicas do tiro de comprometimento.
Se o causador do evento crítico é neutralizado perante a necessidade das circunstâncias, o refém tem assegurada a preservação de sua vida, daí obtemos um resultado aceitável para a crise. As condutas e os critérios de ação quanto ao tiro de comprometimento são aceitáveis, necessários e o risco foi válido. Neste prisma, as consequências jurídicas quanto às responsabilizações dos agentes são justificadas pelas normas jurídicas do direito pátrio.
O Código Penal Militar, no art. 44, preconiza que: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
A doutrina discute se o atirador policial age em legítima defesa e/ou em estrito cumprimento do dever legal. Outrossim, se o agente público que autoriza o uso da alternativa tática do tiro de comprometimento, tem a excludente da legítima defesa ao seu favor.
O Código Penal comum, no art. 23, inciso III, não apresentou o conceito do estrito cumprimento do dever legal, nem seus elementos característicos. Apenas limitou-se a dizer que não há crime quando o agente pratica o fato em estrito cumprimento do dever legal.
De acordo com Santos (2011, p. 87), “[...] para a configuração do mencionado instituto jurídico, é imprescindível a existência de uma norma jurídica que dê respaldo a atuação do agente [...]”.
Por conseguinte, se existir uma norma que legitima a conduta e atuação do sniper teremos a utilização do instituto do estrito cumprimento do dever legal no gerenciamento de crises.
2 METODOLOGIA
Utilizou-se uma metodologia teórica e explicativa realizada com a pesquisa bibliográfica descritiva.
Dessa forma, por meio de doutrinas, desenvolveu-se o estudo quanto ao tiro de comprometimento. Foram utilizados, também, pesquisas da legislação pertinente ao tema.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
O tiro de comprometimento não é estático no estudo e doutrina de gerenciamento de crises. Os profissionais que tem a missão de operar nessa área específica devem pensar, refletir e atualizar seus conhecimentos de forma constante. Por isso, os diversos autores de obras sobre o tema divergem quanto às questões relevantes, como a autorização para o disparo incapacitante, consequências jurídicas do uso da força letal como alternativa tática e omissão do Estado frente a situações de crise.
A Polícia Militar tem sua competência definida no art. 144, § 5º, da Constituição Federal que diz: “Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil”.
Logo, a autoridade técnica e competente para decidir sobre o emprego do tiro de comprometimento é o gerente da crise, e este pertence aos quadros da segurança pública. Além disso, o sniper só age mediante ordem do superior hierárquico. Já as autoridades eclesiásticas, executivas e judiciárias têm o seu campo de atuação.
Trazendo à baila o Decreto nº 5642/02 do Estado de Goiás, no tocante ao chefe máximo do executivo autorizar a solução tática, a normatização prestigia um agente político a tomar uma decisão. Apesar das forças policiais serem subordinadas aos chefes de governo, o gerenciamento de crises é afeto às forças policiais.
Entendimento corroborado por Santos (2011, p. 99) ao entender que “[...] deve-se observar a competência técnica e hierárquica, para se identificar a autoridade responsável por determinar o tiro letal do sniper policial militar.”
Nessa linha de pensamento chega-se a um posicionamento que deve ser dominante: Agentes políticos não devem gerir uma situação de crise. A autorização para o disparo letal deve ser do profissional de segurança pública.
Assim, o Estado, representado por seus agentes, não será negligente quanto à decisão acerca da autorização para o tiro de comprometimento, pois inexistirão receios quanto a repercussões veiculadas nos órgãos de comunicações. Além disso, o agente político poderia retardar uma tomada de decisão e isso acarretaria responsabilidades no campo administrativo, civil e criminal. O policial é técnico e age de acordo com a doutrina e treinamento exaustivo.
Por isso, na condição de gerente da crise, o policial é a autoridade competente para autorizar que o atirador de elite cumpra seu mister, para que a crise tenha, ao final, uma solução tática aceitável.
3.1 As excludentes de Ilicitude e implicações
Para Greco (2017), o atirador policial atua na legítima defesa de terceiros.
Nesse sentido, a pesquisa direciona para um resultado em que se nota que o sniper tem ao seu favor duas excludentes de ilicitude: A legítima defesa e o estrito cumprimento do dever legal. Essa última com uma ressalva: a necessidade de edição de uma norma que possa resguardar a ação do atirador de elite quando da utilização do tiro de comprometimento. Assim, temos a configuração do estrito cumprimento do dever legal.
Pode-se alegar que a edição de uma norma que regulamente um disparo letal seria uma autorização para matar. Mas, na verdade, o profissional da segurança pública, ao neutralizar o perpetrador, cumpre o objetivo do gerenciamento de crises de forma a preservar a vida do refém em razão da violência e prática criminosa do causador do evento crítico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o passar dos anos, a doutrina de gerenciamento de crises deve ser aprimorada constantemente. Nenhum campo do conhecimento deve ficar imutável.
Os agentes estatais podem ser responsabilizados pela omissão em não atuar de forma eficiente em um evento crítico. E o profissional da segurança pública, no caso o policial, é a autoridade técnica e competente para gerenciar uma crise, e, outrossim, para autorizar o atirador de elite a efetuar o tiro de comprometimento e neutralizar o agressor da sociedade. Impor a um agente político essa função pode causar desgastes com danos irreparáveis ao caso concreto, além de desprestigiar os profissionais da área.
Ademais, para resolver e solucionar a crise, o policial - comandante do teatro de operações - tem a sensibilidade e a técnica para, em suas tomadas de decisões, obter um resultado aceitável pela sociedade.
É evidente que a utilização do tiro de comprometimento é uma das respostas mais drásticas para a solução de uma crise, e por isso não ocorrerá de forma corriqueira e descompassada. Em razão disso, os órgãos legiferantes devem editar uma norma jurídica no intuito de trazer segurança jurídica na atividade do atirador policial.
Nesse sentido, conclui-se que o sniper policial teria o respaldo da legítima defesa de terceiros e do estrito cumprimento do dever legal. Essa última, existindo norma regulamentando sua ação.
Por derradeiro, assentar de forma definitiva que o policial, gerente da crise, é o agente estatal, técnico e competente para autorizar que o sniper execute o disparo letal no agressor da sociedade, é contribuir para que os agentes envolvidos naquele evento crítico tenham a capacidade de dar o seu melhor, sabedores de que o comandante da cena de ação é o profissional adequado para conduzir as etapas da crise.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 15 nov. 2017.
________. Decreto nº 5.642 de 19 de agosto 2002. Cria a Comissão de Gerenciamento de Crises e normatiza as atividades das Polícias Militar e Civil e do Corpo de Bombeiros Militar no atendimento a eventos de natureza policial, com reféns e rebeliões em presídios e outras. Disponível em: <http://www.gabinetecivil. go.gov.br/pagina_decretos.php?id=1389> Acesso em: 15 nov. 2017.
________.Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1001.htm> Acesso em: 15 nov. 2017.
________.Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>Acesso em: 15 nov. 2017.
GRECO, Rogério. Em atividade policial. 8. ed. São Paulo: Impetus, 2017.
SALIGNAC, Angelo Oliveira. Negociação em crise: a busca para solução em eventos críticos. São Paulo: Ícone, 2011.
SANTOS, Gilmar Luciano. Como vejo a crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade. Belo Horizonte: Probabilis Assessoria, 2010.
________. Sniper policial. Belo Horizonte: Biográfica, 2011.
SILVA, Marco Antônio da. Gerenciamento de crises policiais. Curitiba: Intersaberes, 2016.
ANEXO
GOVERNO DO ESTADO DE GOIÁS
Gabinete Civil da Governadoria
Superintendência de Legislação.
DECRETO Nº 5.642, DE 19 DE AGOSTO DE 2002.
Cria a Comissão de Gerenciamento de Crises e normatiza as atividades das Polícias Militar e Civil e do Corpo de Bombeiros Militar no atendimento a eventos de natureza policial, com reféns e rebeliões em presídios e outras.
O GOVERNADOR DO ESTADO DE GOIÁS, no uso de suas atribuições constitucionais e legais e considerando a necessidade de regular procedimentos, disciplinar condutas operacionais e aplicar a doutrina de gerenciamento de crises de natureza policial no âmbito da competência da Secretaria de Segurança Pública e Justiça,
DECRETA:
Art. 1º. Fica criada a Comissão de Gerenciamento de Crises, subordinada ao Secretário da Segurança Pública e Justiça, com a finalidade de gerenciar e buscar soluções legais às crises de natureza policial, porventura advindas do sistema de segurança pública do Estado.
Art. 2º. A Comissão de Gerenciamento de Crises será presidida pelo Secretário da Segurança Pública e Justiça e composta pelo Comandante-Geral da Polícia Militar, Diretor-Geral da Polícia Civil e por um Delegado de Polícia Civil e um Oficial da Polícia Militar, ambos com formação em curso de gerenciamento de crises.
Parágrafo único. A Comissão mencionada neste artigo terá, ainda, como convidados, representantes dos Poderes Judiciário e Legislativo e mais dos seguintes órgãos e entidade: (- Redação dada pelo Decreto nº 5.861, de 17-11-2003).
I - Ministério Público Estadual;
(- Redação dada pelo Decreto nº 5.861, de 17-11-2003).
II - Agência Goiana do Sistema Prisional;
(- Redação dada pelo Decreto nº 5.861, de 17-11-2003).
III - Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, Seção do Estado de Goiás.
(- Redação dada pelo Decreto nº 5.861, de 17-11-2003).
IV - Agência Goiana do Sistema Prisional.
Art. 3º. Todos os componentes da Comissão e representantes convidados deverão tomar conhecimento da doutrina de gerenciamento de crises, que será ministrada por especialista no assunto.
Art. 4º. Incumbe à unidade da Polícia Militar ou Civil que primeiro tomar conhecimento dos fatos e sob cuja circunscrição territorial acontecer o evento tomar as providências imediatas para isolar o local, conter a crise, iniciar as negociações preliminares e comunicar imediatamente ao Secretário da Segurança Pública e Justiça, a quem caberá tomar as decisões urgentes e, após reunida a Comissão e ouvido, se necessário, o Governador do Estado, estabelecer critérios e condições a serem negociados com os infratores ou rebelados, tendo sempre como objetivo primordial a preservação de vidas e o cumprimento da lei.
Art. 5º. O Comandante da Cena de Ação será um Delegado de Polícia Civil ou um Oficial da Polícia Militar, designado pelo Secretário da Segurança Pública e Justiça, que instalará seu Posto de Comando e coordenará e controlará as ações dos integrantes das unidades de apoio e dos grupos táticos especiais de ambas as polícias, que agirão de forma integrada, bem como requisitará toda assessoria especializada e os reforços necessários à sua missão.
Art. 6º. A negociação ficará a cargo de uma autoridade denominada “Negociador”, que deverá ter respeitabilidade e confiança, além de aptidão e treinamento específico sobre gerenciamento de crises e técnicas de negociação e se subordinará, operacionalmente, ao Comandante da Cena de Ação, contando com substitutos de igual conhecimento.
Parágrafo único. Em razão da incompatibilidade de funções, o “Negociador” não poderá ser policial integrante de grupo de operações especiais.
Art. 7º. O Grupo de Apoio será composto pelo Comandante da unidade da Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros Militar da circunscrição do evento, pelo Comandante-Chefe do grupo de operações especiais da Polícia Militar e da Polícia Civil e de representantes da Companhia Elétrica do Estado de Goiás (CELG), da Saneamento de Goiás S.A. (Saneago) e de outros órgãos que o Comandante da Cena de Ação julgar necessários para a solução do evento, considerando-se a gravidade da crise e o pessoal envolvido, cabendo ao Secretário da Segurança e Justiça acionar esses órgãos.
Art. 8º. Nos eventos referidos neste decreto, a responsabilidade pela operação caberá ao Secretário da Segurança Pública e Justiça, devendo ser mantidos os acordos realizados e respeitada a autoridade do Comandante da Cena de Ação e do Negociador, sempre considerando a legalidade das ações e a segurança de todas as pessoas envolvidas.
Parágrafo único. A negociação na solução da crise tem prioridade absoluta e o uso da solução tática é a última opção.
Art. 9º. O isolamento total da área de operações ficará a cargo da Polícia Militar, sendo expressamente proibida a entrada de pessoas, policiais ou não, estranhas ao evento, que deverão permanecer fora do perímetro de isolamento.
Art. 10. O Comandante da Cena de Ação manterá no local do evento apenas o contingente policial necessário ao bom desempenho da missão.
Art. 11. Não obtido sucesso nas negociações e se a situação exigir o emprego imediato e irreversível da solução tática, a fim de preservar direito próprio ou alheio, nos limites traçados pelo Código Penal, esta deverá ser precedida de autorização do Governador do Estado, que será transmitida para o Comandante da Cena de Ação através do Secretário da Segurança Pública e Justiça
Art. 12. Culminando a operação com eventuais prisões, as providências de polícia judiciária ficarão a cargo do Delegado de Polícia Civil da circunscrição do evento, que deverá adotar os procedimentos legais.
Art. 13. As Polícias Militar e Civil, através de seus órgãos competentes, deverão, no prazo de 30 (trinta) dias, elaborar plano de operações integrado e único para a situação prevista neste decreto, observando suas prescrições e a doutrina de gerenciamento de crise, submetendo-o à aprovação do Secretário da Segurança Pública e Justiça.
Art. 14. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DE GOIÁS, em Goiânia, agosto de 2002,114º da República.
MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR
Walter José Rodrigues
Jônathas Silva
(D.O. de 20-8-2002)
Este texto não substitui o publicado no D.O. de 20.08.2002.
Imagem Ilustrativa do Post: Sniper // Foto de: schlacher_a9 // Sem alterações
Disponível em: https://flic.kr/p/8LCNHX
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode