O terror que nos habita

29/06/2016

Por Charles M. Machado e Aicha Eroud – 29/06/2016

Enquanto você lê as linhas desse artigo, muitas mães na última noite choraram a perda do filho levado brutalmente pelo explodir da bombas no aeroporto de Ataturk, são quase 36 vidas ceifadas de forma brutal e outras 147 pessoas feridas, vítimas da ignorância, que barbariza a relação humana tornando a todos descrentes da humanidade, afinal quando uma bomba explode, levando consigo inocentes, leva junto a esperança os sonhos e no lugar deles assume a dor e a saudade de arrumar o quarto do filho que já morreu.

Na noite desta terça 28, dois suicidas se explodiram no aeroporto, durante confronto com a polícia local. Nos últimos meses, o grupo Falcões pela Libertação do Curdistão (TAK) realizou diversos atentados em solo turco. Com 26 milhões de pessoas, os curdos são a maior etnia sem Estado próprio em todo o mundo, eles reclamam soberania sobre um território que cobre majoritariamente o Sudeste da Turquia e o Norte do Iraque e da Síria. Estima-se que o conflito de décadas com Ancara já tenha deixado mais de 40 mil mortos.

Desde 2004, esse tipo de ação tem sido crescente. No ano passado, foram mais de 16 mil, com mais de 43 mil mortos no mundo. Cidadãos comuns foram o principal alvo nos últimos 45 anos, e a explosão de bombas a ação mais usada. Iraque, Paquistão e Índia registram o maior número de ataques e de vítimas, mais como nos últimos atentados nenhum país está livre dessas bárbaras ações.

O terror é apenas uma face, dessa irracionalidade no trato e defesa das causas, onde os estremos produzem resultados nefastos.

No nosso é evidente que essas reiteradas ações que correm o mundo, semeando o medo e a desconfiança e colhendo a raiva e o preconceito, logo aumentam os casos de intolerância religiosa, discriminações e racismo, ofendendo dessa maneira o princípio da isonomia, que encontra-se resguardado na nossa Constituição Federal, além de restringir a liberdade religiosa, onde deve-se considerar que o Brasil é um Estado Laico, o qual prega valores e ensinamentos que possuem como característica principal a liberdade religiosa das pessoas e que isso deve ser respeitado por todos, independentemente de crença, objetivando assim, o respeito às diferenças.

O racismo está tipificado como uma conduta ilícita penal, onde esse tipo de crime, por ser considerado e provido com meio de ódio, o qual não deve ser considerado tão somente como crime individual, pois atinge um determinado grupo que possui as mesmas semelhanças e identidade, causando assim, um efeito negativo na coletividade. Por isso é crime inafiançável e imprescritível, conforme descrito na nossa Constituição Federal:

Art. 5. - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...) XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei’ (Constituição Federal de 1988)

Em tempos modernos, onde os meios de comunicações são amplos e ultrapassam fronteiras, tem-se como atingir um relevante número de pessoas, de forma fácil e rápida. Por esse motivo, a legislação brasileira compreende como necessidade a criação de leis que punem determinadas condutas cometidas no âmbito virtual, entendo dessa forma, que por se tratar de um ambiente onde as pessoas sentem maior liberdade de expressar opiniões, e muitas vezes optam por manter anonimato, podem ter suas opiniões consideradas como abusivas ou ofensivas. Tal prática não deve ficar impune, devendo assim, haver um tipo de punição para determinada conduta ilícita.

No dia 15 de junho foi aprovada pela Legislação participativa e Comissão dos Direitos Humanos, o PLS 80\2016, do senador Paulo Paim (PT-RS), que atualiza a lei de racismo no nosso país, permitindo ao juiz interditar conteúdos de acesso público, podendo ser mensagens ou páginas que proferem tais ofensas. O acusado poderá ser punido com pena de reclusão de dois a cinco anos, além de multa.[1]

Conforme relata a organização não-governamental SaferNet Brasil, no período de 2006 à 2015, foram reportadas 16496 páginas por haver conteúdos de racismo e intolerância religiosa, sendo esta também uma problemática que vem atingindo inúmeros brasileiros[2].

Já a intolerância religiosa é considerada crime de ódio, imprescritível e inafiançável, que fere a dignidade humana. Sua ocorrência configura uma grave violação aos Direitos Humanos. O Estado tende a visar a laicidade investindo em educação pública, objetivando a proteção da liberdade de crença e religião.

O Preâmbulo da Constituição Federal, que é a sua certidão de nascimento, elaborado pelo Poder Constituinte Originário, declara os princípios de maior valor expressos em nossa Carta Magna.

”Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.

É notória a presença da proteção aos direitos mais valiosos, que foram inseridos coma finalidade de estabelecer a paz e o Estado Democrático de Direito, porém, muito falta para a plena efetividade dessas leis que se encontram positivadas em nosso ordenamento jurídico.

Quais subsídios e fundamentos devem ser utilizados como resposta sobre alguns casos de intolerância religiosa, que mesmo sendo de conhecimento público e atingindo uma grande parcela da população mundial, são em tese abandonadas de lado, como se não houvesse importância? Podendo ser citado neste caso, a propagação de que o Islam é uma religião de terroristas, usando como fundamentação alguns casos isolados para julgar uma nação inteira. Porém, quando um crime é cometido por um suposto muçulmano denomina-se terrorismo, e quando este mesmo ato executório é praticado por pessoas integrantes de outras religiões, essas acabam sendo “diagnosticadas” algumas vezes como “doentes mentais”.

A mesma magna Carta ao inserir a atuação brasileira no contexto internacional preconiza:

“Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I - independência nacional;

II - prevalência dos direitos humanos; (grifo nosso)

Aqui abrimos um parênteses para destacar que toda e qualquer relação brasileira com os demais Estados, pressupõe o respeito a proteção dos direitos humanos, o que muitas vezes coloca nossa diplomacia em choque com alguns países.

III - autodeterminação dos povos;

A autodeterminação, e a soberania vai ao encontro do respeito ao Estado de Direito interno dessas nações. O integrar-se ao universo jurídico pressupões o respeito ao Estado de Direito de outras nações, onde nem sempre o diferente é errado.

IV - não-intervenção;

V - igualdade entre os Estados;

VI - defesa da paz;

VII - solução pacífica dos conflitos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

Todo e qualquer ato de barbárie deve ser combatido, seja qual for o nome da causa, pois os fins não justificam os meios.

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X - concessão de asilo político.

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

Nota-se que a concessão do asilo político é a forma de amparar as pessoas que em seus países de origem são perseguidas por suas opiniões.

Aqui damos destaque a evolução dos atos de terrorismo, que se define o emprego específico de violência, bastante sutil, apesar de o termo ser usado para definir outros tipos de violência consideradas inaceitáveis.

O termo ganhou novos ares após a Segunda Guerra Mundial, sobretudo no fim da década de 1960 e durante a década de 1970, quando então o terrorismo era visto como parte de um contexto revolucionário. O uso do termo foi expandido para incluir grupos nacionalistas e étnico-separatistas fora do contexto colonial ou neocolonial, assim como organizações radicais e inteiramente motivadas por ideologia.

A comunidade internacional, inclusive a ONU, considerou por um período, politicamente legítimas as lutas pela autodeterminação dos povos, legitimando-se portanto o uso da violência política por esses movimentos.

Ações terroristas típicas incluem assassinatos, sequestros, explosões de bombas, matanças indiscriminadas, raptos, aparelhamento e linchamentos. Uso de violência, assassinato e tortura para impor seus interesses, invariavelmente essas ações andam de braços dados com atividades ilícitas (drogas, prostituição, tráfico de pessoas, tráfico de órgãos, venda de armas, corrupção) como forma de financiamento dessas atividades.

O terrorismo, para efeitos de mera classificação pode assim ser dividido:

1. Terrorismo psicológico - Indução do medo por meio da divulgação de noticias em benefício próprio.

2. Terrorismo de Estado - Recurso usado por governos ou grupos para manipular uma população conforme seus interesses.

3. Terrorismo econômico - Subjugar economicamente uma população por conveniência própria.

4. Terrorismo religioso - Quando o incentivo do terrorismo vem de alguma religião.

Os atentados de 11 de setembro de 2001 por certo criou uma divisão na história, como fundante de um novo período da história, abrindo assim im novo século, mostrando a fragilidade de grandes impérios e que a maldade pode não ter limites, não separando inocentes de culpados.

Os terroristas que destruíram as torres gêmeas introduziram uma forma alternativa de violência que se dissemina em alta velocidade. A nova modalidade está gerando uma visão de realidade que o homem desconhecia. O terrorismo funda o admirável mundo novo. Bom ou mau, é o que há de novo em filosofia. O terrorismo está alterando a realidade e a visão de mundo. Para lidar com um fato de tamanha envergadura, precisamos assimilar suas lições por meio do pensamento.

O uso dessa estratégia, é histórico, lembramos que o historiador Xenofonte (430-349 a.C.) conta que o terrorismo era praticado pelos governos das cidades gregas como forma de guerra psicológica contra populações inimigas. Também semearam o terror os imperadores romanos Tibério e Calígula, os membros da Santa Inquisição, Robespierre e seus adeptos, os integrantes da Ku Klux Klan, as milícias nazistas e muitos outros.

A história da humanidade, bem poderia ser contada pelos atos de barbárie, é evidente que os meios de comunicação atual pela sua dinâmica, acabam por dar maiores holofotes e uma dinâmica maior aso recentes acontecimentos, e logo uma cortina de fumaça cobre esse confronto secular entre civilização e barbárie.

Não são poucos os atos de barbárie, que pela dimensão, acabaram ganhando números de genocídio, é bom lembrar que os sucessivos genocídios sempre foram cometidos em nome do combate a barbárie.

Esse talvez seja o maior dos riscos que o mundo atual vive, as práticas de Direito realizadas pela “civilização” que tenta se proteger dos bárbaros, e afinal quem são os bárbaros?

Muros, políticas de cotas, são sempre um bom simulacro para a segregação, que quase sempre termina em atos de violência. São atos sistemáticos que visam eliminar uma população cultural, religiosa ou étnica. O estudo do genocídio tem crescido desde o século 20, quando o termo foi criado, então, o genocídio não é um fenômeno novo. E os avanços em tecnologia durante o século 20 permitiram documentar melhor quando uma atrocidade aconteceu.

A primeira tentativa registrada de genocídio no mundo, ocorreu após a tentativa do General Hannibal cartaginês de saquear Roma, Roma então iniciou uma guerra contra Cartago, localizado no norte da África, atualmente, a Tunísia. O resultado da derrota cartaginesa foi em dizimação da cidade e de 90% de seu povo que era um dos mais poderosos da época. A população de Cartago caiu de 500.000 para 55.000, para se ter uma ideia das dimensões desse número imagine o tamanho da população mundial daquela época?

Logo o primeiro e significativo genocídio, como ato de barbárie, foi executado por um império, que sempre teve por habito incluir as classes dominantes dos territórios invadidos no seu status quo, através de licenças de comércio e títulos de nobreza.

Para os que olham o islã com preconceito é bom puxar pela memória, que o maior ato de barbárie realizado na história da humanidade, foi produzido em nome da pureza da raça ariana. O Holocausto perpetrado contra o povo judeu pelos nazistas resultou em cerca de 6 milhões de judeus mortos, o que representava 67% da população inteira de judeus na Europa.

Após uma década de políticas cada vez mais anti-semitas, sim isso mesmo o preconceito sempre é um inimigo que caminha silencioso, com a complacência dos que nada fazem, e que acabou por descambar por uma solução mágica final que sancionou o recolhimento e assassinato sistemático do povo judeu, na Europa ocupada por nazistas. Os judeus foram mortos por fome e doenças em guetos, por fuzilamento, através de experimentos científicos antiéticos, tortura, e por câmaras de gás nos campos de concentração infames, tudo isso com a complacência de uma classe que mantinha e ampliava seus privilégios na sociedade alemã.

Durante esse mesmo período, que a barbárie ganhou um novo capítulo, quando armas nucleares foram usadas pela primeira vez na história contra alvos civis. Quem utilizou do expediente, foi o império que hoje mais sofre com as ações terroristas.

O uso desse armamento, depois de uma campanha de bombardeios que destruiu várias cidades japonesas, foi uma prova de que a bárbarie muitas vezes é utilizada na defesa daquilo que chamamos civilização, logo onde estão os bárbaros?

Apesar da Alemanha nazista ter assinado o acordo de rendição em 8 de maio de 1945, a Guerra do Pacífico continuou. Juntamente com Reino Unido e China, os Estados Unidos pediram a rendição incondicional das forças armadas japonesas na Declaração de Potsdam em 26 de julho de 1945, ameaçando uma "destruição rápida e total", o que não ocorreu.

Foi então que a bomba atômica de urânio (Little Boy) foi lançada sobre Hiroshima em 6 de agosto de 1945, seguido por uma explosão de uma bomba nuclear de plutônio (Fat Man) sobre a cidade de Nagasaki em 9 de agosto. Dentro dos primeiros 2-4 meses após os ataques atômicos, os efeitos agudos das explosões mataram entre 90 mil e 166 mil pessoas em Hiroshima e 60 mil e 80 mil seres humanos em Nagasaki; cerca de metade das mortes em cada cidade ocorreu no primeiro dia. Durante os meses seguintes, vários morreram por causa do efeito de queimaduras, envenenamento radioativo e outras lesões, que foram agravadas pelos efeitos da radiação.

Todos os acontecimentos narrados acima dão um claro exemplo que a barbárie, não escolhe lado, ela não escolhe pele ou religião, ela sempre surge no silêncio das pessoas de bem, que ficam inerte diante do avanço ideológico do atraso, onde os crimes de ódio encontram um terreno fértil.

Esses crimes de ódio, também chamados de crimes motivados pelo preconceito, são crimes cometidos quando o criminoso seleciona intencionalmente a sua vítima em função de esta pertencer a um certo grupo. E as razões mais comuns são o ódio contra a vítima em razão de sua raça, religião, orientação sexual, deficiência física ou mental, etnia ou nacionalidade.

Quando a diferença alimenta a intolerância e a barbárie ganha terreno, elas ocorrem em um massacre na favela, ou num estupro coletivo.

Estes crimes passam mensagens ameaçadoras aos demais integrantes do grupo social sobre o risco que estão correndo, eles ocorrem diariamente diante da nossa indiferença, podem estar na palavra de ordem de extremistas ou no grito das torcidas organizadas.

Logo podemos entender que o crime de ódio é, antes de tudo, um crime social e se sustenta nas relações sociais e culturais de rejeição, violência e discriminação. Muitas vezes o crime passional é confundido com o crime de ódio e suas fronteiras são bastante tênues de serem detectadas. Os crimes passionais acontecem em relações de identidades e de identificação, enquanto que os crimes de ódio, em relações de diferença e de “desindentificação”.

O preconceito a opção sexual ou a escolhode religião, é e sempre será preconceito, ele não escolhe classe e se alimenta da nossa ignorância.

Nos momentos extremos se escutam propostas das mais absurdas, e logo soluções surgem em um passo de mágica, como se fosse fácil viver em sociedade com tantas diferenças.

O ódio encontra um campo fértil na ignorãncia e na soberba dos que não respeitam as diferenças, é ele que nos leva e desperta os mais primitivos desejos que chamamos de ira.

E que o Senhor nos proteja nesse momento de pobreza espiritual, pois o terror que nos habita é e sempre será alimentado pela ignorância, afinal e nela e no desconhecimento que brotam as piores sementes das nossas relações pessoais, é nesse campo fértil onde prosperam todo e qualquer preconceito

Eis que muitos veem diferença o errado e que por diversas vezes acaba por espelhar o atraso que quase sempre adormece nas nossas consciências, a espera de um sopro.

Oremos pra que esse atraso permaneça em sono eterno.


Notas e Referências:

[1] http://www.meionorte.com/noticias/politica/aprovada-prisao-para-crimes-de-racismo-e-discriminacao-na-internet-296167

[2] http://indicadores.safernet.org.br


Charles M. MachadoCharles M. Machado é Professor nos Cursos de Extensão da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, em Direito das Marcas e Direito do Intangível, é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha, Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também já foi  palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email:charles@charlesmachado.adv.com.br


Aicha Eroud. . Aicha Eroud é Acadêmica de Direito da FAFIG, Faculdade de Foz de Iguaçu. . . .


Imagem Ilustrativa do Post: September 11th, 2001 // Foto de: Cliff // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/nostri-imago/4951995540

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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