O terceiro Templo  

14/04/2019

 

O terceiro Templo é um assunto pouco conhecido fora dos meios religiosos, mas esse tema pode significar a convergência de problemas que impliquem em uma nova guerra mundial, pela união de questões teológicas, políticas e econômicas.

Conforme informado pela Sputnik, agência internacional de notícias do governo russo: “Segundo ensinos religiosos judaicos, o Templo será erguido pela terceira vez marcando a chegada do Messias e do Juízo Final” (https://br.sputniknews.com/mundo_insolito/2018111212656050-fimdomundo-juizo-final-biblia-profecia-jerusalem/).

Pelas narrativas bíblicas, o primeiro Templo foi construído no monte Moriá pelo rei Salomão, tendo sido destruído pelos babilônios no ano 586 a.C., enquanto o segundo Templo foi construído depois do exílio na Babilônia, a partir de 539 a.C., durando até sua destruição pelos romanos no ano 70 d.C.

A função teológica do Templo na tradição judaico-cristã pode ser compreendida no excelente vídeo “Heaven & Earth” – com apensa seis minutos e legenda em português  (https://www.youtube.com/watch?v=Zy2AQlK6C5k).

Para os judeus, que não reconhecem Jesus como Messias, seu grande Rei ainda virá e entrará no Templo de Deus, que é exatamente o terceiro Templo, segundo esse entendimento teológico, a ser construído de acordo com a visão do profeta Ezequiel, tendo como base as descrições dos capítulos 40 e seguintes do livro de Ezequiel.

O problema está no fato de que no local onde deve ser construído o terceiro Templo estão situados o Domo da Rocha e a Mesquita de Al-Aqsa, o terceiro local mais sagrado para o islamismo, região conhecida como Esplanada das Mesquitas, ou monte do Templo. Caso Israel inicie essa construção, isso será o motivo definitivo para a união de todo mundo muçulmano contra Israel, numa guerra total.

A recente vista de Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, a Israel tem relação com questão do terceiro Templo, sendo o eleitorado evangélico parte significativa de sua base política, o mesmo valendo para Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, como pode ser constatado na seguinte notícia da BBC (https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47771872). Vale ressaltar que Bolsonaro assinou o livro de apoio à construção do terceiro Templo (https://guiame.com.br/gospel/israel/bolsonaro-apoia-construcao-do-terceiro-templo-em-jerusalem.html), o que foi igualmente objeto de notícia no programa GloboNews Internacional que tratou da viajem de Bolsonaro a Israel.

Ainda que seja salutar a aproximação entre judeus e cristãos, assim como o é o avizinhamento com os muçulmanos, o que, no primeiro caso, já foi antecipado pelo apóstolo Paulo na carta aos Romanos, a ideia de construção do terceiro Templo, com apoio de cristãos, não tem suporte na Teologia de Cristo, é um completo nonsense em termos cristãos.

Conforme narrado por Paulo:

Não quero que ignoreis, irmãos, este mistério, para que não vos tenhais na conta de sábios: o endurecimento atingiu uma parte de Israel até que chegue a plenitude dos gentios, e assim todo Israel será salvo, conforme está escrito: ‘De Sião virá o libertador e afastará as impiedades de Jacó, e esta será minha aliança com eles, quando eu tirar seus pecados’. Quanto ao Evangelho, eles são inimigos por vossa causa; mas quanto à Eleição, eles são amados, por causa de seus pais” (Rm 11, 25-28).

A parte de Israel que não aceitou Jesus é aquela que continuou com sua tradição, inclusive quanto ao sacrifício de animais no Templo, porque outra parte de Israel aceitou Jesus como o Messias judeu, no que se incluem os apóstolos, José de Arimateia, que era membro do sinédrio, Nicodemos, um fariseu “notável entre os judeus”, e também outro fariseu, Saulo, que se transformou em Paulo e foi o principal divulgador do que depois veio a ser conhecido como Cristianismo.

A velha Israel, pois, que foi endurecida, conforme narrado por Paulo, não reconheceu a virada teológica proporcionada por Jesus, O Cristo, dando início ao novo Templo de Deus, que é a própria humanidade, feita pelo Criador, dispensando a construção de  de templos humanos, ou a Sua adoração em locais específicos, como explicado no vídeo indicado acima.

Como descrito no início do quarto Evangelho:

E o verbo fez-se carne em habitou entre nós” (Jo 1, 14).

Quanto ao versículo 14 acima transcrito, é curioso notar que a tradução tradicional, ora transcrita, pode ocultar uma realidade teológica, uma vez que Frederico Lourenço, Doutor em línguas e literaturas clássicas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, afirma, em sua tradução do texto acima, que:

“__ ‘habitou entre nós’: a forma verbal em grego correspondente a ‘habitou’ é eskênôsen, em que reconhecemos a palavra skênê, ‘tenda’, que é a tradução grega para Tabernáculo e aponta para o episódio do AT em que Israel recebe a incumbência de fazer uma ‘tenda’ para que Deus nela habite entre o Seu povo (Êxodo 25, 8-9). O radical skn do verbo grego é assemelhado por Brown (vol. I, p. 33) ao radical hebraico shkn, presente na palavra shekinah, termo para a presença de Deus entre o Seu povo. Note-se que, no v. 14 de João, a expressão ‘entre nós’ é literalmente ‘em nós’ (em hêmîn)” (Novo Testamento: os quatro Evangelhos. Tradução de Frederico Lourenço. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 324 – negrito meu).

Portanto, a Teologia Cristã transforma a humanidade em habitação de Deus, a qual deixou de ser um templo construído por mãos humanas. Existe a tradução da passagem anterior no sentido de que o verbo se fez carne e “tabernaculou” em nós, ou seja, fez de nós seu tabernáculo: “E o Meu domicílio será no meio deles; e serei para eles Deus; e ele ser-Me-ão um povo” (Ez 37, 27).

E como deixou claríssimo o apóstolo Paulo:

Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que está em vós e que recebestes de Deus? … e que, portanto, não pertenceis a vós mesmos? Alguém pagou alto preço pelo vosso resgate glorificai, portanto, a Deus em vosso corpo” (1Cor 6, 19-20).

Voltando ao terceiro Templo, vale salientar que no final da profecia de Ezequiel, após a descrição de sua visão do novo Templo, supostamente o terceiro, consta, a respeito de Jerusalém, que “as portas da cidade terão os nomes das tribos de Israel” (Ez 48, 31), o que foi replicado no Apocalipse, sobre a nova Jerusalém, “cercada por muralha grossa e alta, com doze portas. Sobre as portas há doze Anjos e nomes inscritos, os nomes das doze tribos de Israel” (Ap 21, 12).

É importante enfatizar que no livro do Apocalipse a nova Jerusalém desce do Céu, de junto de Deus, com a glória de Deus, seja lá o que isso signifique; também sendo necessário salientar que esse evento somente ocorre após o fim do milênio, após a era messiânica, depois que os reis sacerdotes de Cristo reinarem com Cristo por mil anos, quando o Dragão, ou Satanás, estiver acorrentado e impedido de seduzir as nações, significando um período em que os governantes das nações serão efetivamente justos e honestos, o que ainda nunca ocorreu na história da humanidade. A divergência de interpretação entre esses tempos pode decorrer da dificuldade de compreensão da linha do tempo extraída da linguagem simbólica apocalíptica, notadamente quando o profeta é arrebatado para uma realidade em que eventos milenares acontecem simultaneamente, “pois mil anos são aos teus olhos como o dia de ontem que passou, uma vigília dentro da noite!” (Sl 90, 4).

Além disso, outro ponto de relevo está no fato de que Ezequiel viveu antes da construção do segundo Templo, na medida em que, como exposto na Bíblia de Jerusalém: “De acordo com o estado atual do texto, Ezequiel exerceu toda a sua atividade no meio dos exilados de Babilônia entre 593 e 571, que são as duas datas extremas apresentadas pelo texto (1, 2 e 29, 17)” (Bíblia de Jerusalém. 1. ed. 9.ª reimpressão. São Paulo: Paulus, 2013, p. 1242).

Portanto, a profecia quanto ao Templo descrito por Ezequiel pode se referir simbolicamente ao segundo Templo, cuja construção teve início por volta de 539 a.C., por ordem de Ciro, ou mesmo ao Templo reformado por Herodes, que foi destruído pelos romanos em 70 d.C., no qual, de fato, o Messias entrou. Mas não faz o mínimo sentido, neste momento histórico, para o Cristianismo, falar, no que se refere à atividade messiânica, em construção do terceiro Templo sobre a Esplanada das Mesquitas.

No ponto, assim, sem desconsiderar graves falhas teológicas dos muçulmanos, estão errados os judeus endurecidos, bem como os cristãos que se alinham à construção humana de um terceiro Templo em Jerusalém, nesses incluídos Trump e Bolsonaro, por maior que seja a boa-fé deste último, ressalvando que não são os melhores exemplos de cristãos aqueles crentes que estão na segunda ou terceira esposa, principalmente com a primeira ou segunda ainda vivas.

E sobre esse tema do casamento, é possível que algumas profecias relacionadas à violação do Templo se referiam a outro âmbito sagrado, que inclui o casamento.

As seguintes passagens são indicadas como referidas ao Templo e sua profanação, pelo anticristo, antes da manifestação do Filho da Humanidade, o Messias, em sua aparição gloriosa.

Quando, pois, virdes que a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel, está no lugar santo; quem lê, entenda” (Mt 24, 15).

Não vos deixeis enganar de modo algum por pessoa alguma; porque deve vir primeiro a apostasia, e aparecer o homem ímpio, o filho da perdição, o adversário, que se levanta contra tudo que se chama Deus, ou recebe um culto, chegando a sentar-se pessoalmente no templo de Deus, e querendo passar por Deus” (2Ts 2, 3-4).

A profanação do Templo pode ser da própria humanidade, pela tentativa de passar por lícito aquilo que é abominável, porque o Reino de Deus tem uma clara conotação político-jurídica, o que vale igualmente para o plano legislativo, deturpação como ocorre com a defesa da juridicidade do morticínio humano que é o aborto ou do famigerado “casamento gay”, que é uma deturpação da união sagrada geradora de vida.

O argumento definitivo no sentido de que nós somos o Templo de Deus está nas palavras do próprio Jesus, quando indagado pela samaritana sobre onde deveria ocorrer a adoração ao Altíssimo, se em Samaria, no monte Gerizim, ou se em Jerusalém, no monte do Templo.

Disse-lhe a mulher: ‘Senhor, vejo que és um profeta... Nossos pais adoraram sobre esta montanha, mas vós dizeis: é em Jerusalém que está o lugar onde é preciso adorar’. Jesus lhe disse: ‘Crê, mulher, vem a hora em que nem sobre esta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora — e é agora — em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade, pois tais são os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade’. A mulher lhe disse: ‘Sei que vem um Messias (que se chama Cristo). Quando ele vier, nos anunciará tudo’. Disse-lhe Jesus: ‘Sou eu, que falo contigo’” (Jo 4, 19-26).

O verdadeiro Templo de Deus não é, portanto, em Jerusalém, Meca ou Medina, mas onde ocorre autêntica adoração a Ele, em espírito e verdade, onde permitimos que Ele habite em nós, porque o verdadeiro Cristão antecipa, em todos os momentos e lugares, em vida sua habitação com Deus, na nova Jerusalém, onde não mais haverá templos:

Não vi nenhum templo nela, pois o seu templo é o Senhor, o Deus todo-poderoso, e o Cordeiro” (Ap 21, 22).

 

 

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