O Superior Tribunal de Justiça e a aplicação da técnica de ampliação do colegiado em embargos de declaração  

11/09/2020

Projeto Elas no Processo na Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

No dia 25 de agosto de 2020, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por maioria de votos, que a técnica de julgamento ampliado, prevista no art. 942 do CPC/2015, é cabível em sede de embargos de declaração interpostos em face de recurso de apelação, julgados por decisão não unânime, quando o voto vencido for suficiente para modificar o resultado do julgamento da apelação, qualquer que seja o resultado dos embargos. A decisão foi publicada no dia 1º de setembro de 2020 e o relator para o acórdão foi o Ministro Marco Aurélio Bellizze[1].

A decisão sob comento foi prolatada em julgamento de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, relativo a recurso de apelação oferecido contra sentença de procedência de pedido de ressarcimento por danos morais e materiais, em ação ajuizada por um menor e seus genitores contra um condomínio residencial. O TJTO deu provimento à apelação, por unanimidade, reformando a sentença e julgando improcedentes os pedidos de ressarcimento. Contra tal decisão, foram opostos embargos de declaração, alegando-se ausência de intimação prévia do Ministério Público, os quais foram rejeitados por maioria de votos. O voto divergente e que restou vencido era no sentido de acolher os embargos com efeitos infringentes, para fins de negar provimento à apelação. Foram apresentados novos embargos declaratórios, alegando-se a necessidade de aplicação da técnica prevista no texto do art. 942 do CPC/2015, tendo sido igualmente rejeitados, à unanimidade de votos.

Interposto recurso especial, alegou-se, em síntese: i) nulidade do julgamento da apelação por ausência de intimação prévia do Ministério Público; ii) ocorrência de negativa de prestação jurisdicional; e iii) necessidade de ampliação do quórum do órgão julgador (art. 942 do CPC/2015) quando os embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação são julgados por maioria, possuindo o voto vencido o condão de alterar o resultado inicial da apelação.

Como dito anteriormente, o julgamento da apelação foi unânime, pela improcedência dos pedidos da ação, não tendo havido, pois, incidência do art. 942 do CPC. Contudo, os recorrentes defenderam a tese de que, dada a existência de voto vencido na decisão que apreciou os embargos de declaração, opostos em face do acórdão que julgou a apelação, e que os aclaratórios teriam a função de complementar a apelação, devido ao seu efeito integrativo, seria indispensável a observância da técnica de julgamento ampliado, em virtude do que entenderam como julgamento não unânime da apelação, invocando o disposto nos arts. 941, §3º e 942 do CPC/2015.

O recurso especial foi inadmitido no tribunal a quo, tendo sido interposto agravo em recurso especial, que não foi conhecido pela Presidência do STJ. Interposto agravo interno, foi ele provido para determinar a conversão do AREsp em recurso especial. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso, para que o acórdão da apelação fosse declarado nulo, por ausência de sua intimação prévia, bem como pela nulidade do julgamento dos embargos declaratórios, em razão da não aplicação da técnica de julgamento ampliado, encampando a tese defendida no recurso especial.

Iniciado o julgamento do recurso em 23/06/2020, a Ministra Relatora, Nancy Andrighi, votou pelo seu improvimento, refutando todos os argumentos dos recorrentes. Especificamente no que concerne ao art. 942 e à sua aplicabilidade aos embargos de declaração, a Relatora, embasada na doutrina de José Roberto de Albuquerque Sampaio[2], Fredie Didier Júnior e Leonardo Carneiro da Cunha[3], entendeu que há uma única hipótese em que incide a técnica de julgamento ampliado nos embargos declaratórios: quando de seu acolhimento, por maioria, com efeitos infringentes, modificando-se o resultado anterior, ensejando, em consequência, a reapreciação da apelação.

O Ministro Marco Aurélio Bellizze, contudo, pediu vista e, na sessão do dia 25/08/2020, apresentou voto divergente, justamente quanto à ausência da aplicação da técnica de julgamento do art. 942 do CPC/2015, para dar parcial provimento ao recurso especial. Partindo da premissa de que a técnica de julgamento ampliado tem por escopo o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, com a qualificação do debate relativo às matérias levadas ao colegiado, e chamando a atenção para a relevância do voto vencido, que enseja a incidência da técnica, o Ministro Marco Aurélio considerou aplicável aos embargos de declaração o art. 942 do CPC, especialmente diante do efeito integrativo de tal recurso, que acarreta a aderência da fundamentação do julgamento dos embargos à da decisão embargada, resultando em um “julgado uno”. Assim, concluiu o Ministro que “a técnica de julgamento ampliado, positivada no art. 942 do códex processual em vigor, deve ser observada nos embargos de declaração não unânimes decorrentes de acórdão de apelação, quando a divergência for suficiente à alteração do resultado inicial, pois o julgamento dos embargos constitui extensão da própria apelação, mostrando-se irrelevante o resultado majoritário dos embargos (se de rejeição ou se de acolhimento, com ou sem efeito modificativo)”.

Por fim, os Ministros da 3ª Turma deram provimento parcial ao REsp nº 1.833.497/TO, por maioria, nos termos do voto do Ministro Marco Aurélio Bellizze, designado relator para o acórdão, que foi acompanhado pelos Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro. Acompanhou o voto da Relatora o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Como se sabe, o CPC/2015 prestigiou a colegialidade como regra ao tratar dos julgamentos nos tribunais. Nesse sentido, houve o fortalecimento dos juízos colegiados por meio do texto disposto no art. 942, que estabelece uma “majoração da turma julgadora em casos de decisão não unânime durante o julgamento com a composição originária”[4]. Assim, a inexistência de consenso amplia automaticamente o número de juízes, favorecendo a dialogicidade no julgamento dos recursos.

O CPC/2015 denomina o procedimento de “técnica de julgamento” (art. 942, §3º), já a jurisprudência do STJ o denomina ora “técnica de ampliação do colegiado”, ora “técnica do julgamento ampliado”[5].

Tal técnica foi prevista como sucedâneo do extinto recurso de embargos infringentes, que estava previsto no art. 530 do CPC/1973 e era cabível contra acórdão não unânime que reformasse, no julgamento de apelação, a sentença de mérito ou que julgasse procedente a ação rescisória. Nos termos do art. 942 do CPC/2015, quando o julgamento da apelação no tribunal não for unânime, prosseguirá na mesma sessão ou em outra que vier a ser designada, com a presença dos julgadores que não participaram do julgamento inicial e que compõem o órgão colegiado do tribunal, em quantitativo suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial. Não haverá proclamação do resultado até a conclusão do julgamento após a ampliação do colegiado e os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (art. 942, §2º).

A implementação da técnica no processo é automática, não dependendo da prática de nenhum ato pelas partes, ao contrário do que ocorria no caso dos embargos infringentes, que, por ser espécie recursal, tinham a voluntariedade como pressuposto de admissibilidade. Em razão de tal especificidade, inclusive, Eduardo José da Fonseca Costa concebe a técnica de ampliação do colegiado como embargos infringentes ex officio[6]. Preferimos, entrementes, a denominação técnica de julgamento, que foi incorporada ao texto do CPC, como já dito.

No caso da apelação, a utilização da técnica de ampliação do colegiado independe do resultado do julgamento. Ou seja, mantida ou reformada a sentença por maioria, terá sido dado o impulso para o procedimento de ampliação do colegiado. A técnica também se aplica ao agravo de instrumento e à ação rescisória, porém, condicionada ao resultado do julgamento: no primeiro caso, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito (art. 942, §3º, inciso II); no segundo, quando o resultado for a rescisão da sentença (art. 942, §3º, inciso I).

No que tange aos embargos declaratórios, o CPC nada dispôs, devendo-se ressaltar que expressamente restou estabelecida a não incidência da técnica aos incidentes de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, à da remessa necessária e ao julgamento não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial (art. 942, §4º).

Não se pode olvidar que os embargos de declaração têm efeito integrativo. Conforme lição de Humberto Theodoro Júnior, os embargos têm a função de complementar ou aperfeiçoar a decisão, tornando-se dela parte integrante. Ainda segundo o mesmo autor, “uma vez julgados os embargos, somente existe uma decisão recorrível: aquela resultante do somatório dos dois decisórios”[7].

Assim, é de se concluir pela incidência da técnica aos embargos declaratórios, a questão é definir os limites dessa aplicabilidade.

Para Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha, que foram citados no voto da relatora, “o art. 942 do CPC somente incide se o julgamento dos embargos de declaração for não unânime e implicar alteração do resultado do julgamento anterior”. Segundo os autores, não incide o art. 942 nas hipóteses de decisão por maioria: a) sobre a admissibilidade dos embargos; b) de rejeição; e c) de acolhimento apenas para esclarecer obscuridade, suprir omissão, eliminar contradição ou corrigir erro material, sem alterar o resultado anterior[8].

Vinícius Silva Lemos, por seu turno, entende que há três hipóteses possíveis: a) manutenção da unanimidade e divergência relativa apenas às dúvidas sanadas pelos embargos; b) suprimento de omissão com votação divergente; e c) acolhimento dos embargos com efeitos modificativos de parte do acórdão, restando uma parcela divergente. No primeiro caso, não incide a técnica, mas nos outros dois sim, “por representar, ainda que em sede de embargos, o real julgamento da apelação”[9]. Conforme sua interpretação, portanto, ainda que não haja efeitos infringentes, se houver integração de omissão nos embargos, apreciando-se questão que não havia sido decidida no acordão embargado, com votação divergente, terá incidência o art. 942.

O aspecto litigioso que dá destaque à decisão da 3ª Turma do STJ, proferida nos autos do REsp nº 1.833.497/TO e que motivou o presente texto foi o reconhecimento, pelo STJ, da necessidade de aplicação da técnica de ampliação do colegiado pelo tribunal de 2º grau no julgamento dos embargos de declaração opostos diante da decisão que julgou apelação na hipótese específica de rejeição dos embargos por maioria, cujo voto vencido teria o condão de alterar o resultado inicial do julgamento da apelação.

Entende-se por acertada a decisão supramencionada.

Primeiramente, em função do efeito integrativo indiscutivelmente presente nos embargos. Se os aclaratórios têm por finalidade complementar e/ou aperfeiçoar a decisão anterior e se, após o seu julgamento, há uma única decisão, resultante da junção de ambos os julgados, o voto vencido e divergente, proferido apenas nos embargos, mas capaz de alterar o primeiro resultado, não pode ser desconsiderado. Não se deve perder de vista que o CPC consagra a valorização do voto vencido, ao dispor que será ele necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento (art. 941, §3º). A relevância dada ao voto vencido, aliás, segue a mesma lógica da técnica de julgamento ampliado: a necessidade de qualificação do debate nas decisões colegiadas, a fim de garantir uma adequada prestação jurisdicional.

Assim, no caso da apelação, o voto vencido proferido nos embargos que lhe sejam posteriores passará a integrar o seu julgamento, como decorrência do somatório das duas decisões (acórdão da apelação e acórdão dos embargos).

No caso apreciado pelo STJ, ainda que rejeitados os embargos, houve um voto vencido que ensejou acordão não unânime e que se referia ao mérito da apelação, porquanto o entendimento divergente era no sentido de emprestar aos embargos efeitos infringentes para negar provimento à apelação.

Negar a aplicação da técnica, nessa hipótese, equivale a retirar do recorrente a possibilidade de rediscussão da matéria decidida no apelo tomando por base os argumentos contidos no voto divergente proferido nos embargos, reduzindo a importância do voto vencido e a já referida dialogicidade no julgamento dos recursos.

 

Notas e Referências

[1] STJ, REsp 1833497/TO, Minª. Relª. Nancy Andrighi, 3ª Turma, Julg. 25/08/2020. DJe 01/09/2020. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1905942&num_registro=201803196025&data=20200901&formato=PDF>. Acesso em: 02/09/2020.

[2] SAMPAIO, José Roberto de Albuquerque. Conversa sobre processo: elogio ao Art. 942 do CPC: o uso saudável da técnica, Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 159-180, maio⁄ago. 2017

[3] DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 15. ed. v. 3. Salvador: Jus Podivm, 2018, pág. 99

[4] ALMEIDA, Diogo Rezende de. Recursos cíveis. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 79.

[5] BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Fundamentos e inovações do Código de Processo Civil. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020. p. 173.

[6] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Pequena história dos embargos infringentes no Brasil: Uma viagem redonda. In: FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR., Fredie. Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2014. p. 381-402.

[7] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: volume III. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 1093.

[8] DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 15. ed. v. 3. Salvador: Jus Podivm, 2018, pág. 99

[9] LEMOS, Vinícius Silva. Recursos e processos nos tribunais. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 254/255.

 

Imagem Ilustrativa do Post: materlo horizontal // Foto de: succo // Sem alterações

Disponível em: https://pixabay.com/pt/martelo-horizontal-tribunal-justi%C3%A7a-802298/

Licença de uso: https://pixabay.com/en/service/terms/#usage

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura