Muitos colegas estudiosos do Direito Processual Penal, que defendem a adoção do chamado “sistema adversarial” para o nosso processo, parecem que não perceberam que é inerente a este sistema a outorga de amplos poderes aos membros do Ministério Público, tanto na fase pré-processual, quanto no curso do próprio processo.
Se o juiz deve funcionar como mero receptáculo da prova, em prol da sua imparcialidade, o processo penal fica dependendo apenas da atividade das partes, bem como o seu resultado: vence o mais eficiente ...
Desta forma, o que a realidade mostra é que a parte que mais ganha poderes é o Ministério Público, aumentando ainda mais o desequilíbrio processual.
Já estive do outro lado, já pertenci ao Ministério Público do meu Estado por 31 anos consecutivos e confesso que não me sentiria seguro em morar em algum país onde um Promotor de Justiça (estadual) e Procurador da República (federal) possam determinar uma escuta telefônica, decretar buscas domiciliares, bem como prisões provisórias ou preventivas, etc.
Se, com a necessidade atual de uma decisão judicial fundamentada, já acontecem estes abusos a que estamos assistindo, imaginem se o Poder Judiciário for afastado destas atividades persecutórias e constritivas.
A criação dos chamados “juízes de garantia” poderia mitigar este problema. Entretanto, pergunto: temos condições econômicas e geográficas para criar órgãos jurisdicionais apenas para decidir sobre estas medidas cautelares, em todo o nosso imenso território nacional?
Ademais, para ser fiel a este novo sistema processual, acho que os “juízes de garantia” deveriam ter competência para atuar até na fase processual. Teríamos então dois juízos atuando no mesmo processo? Já cheguei a fazer esta sugestão, mas tenho consciência da quase impossibilidade de sua implementação. A realidade prática não pode ser desconhecida dos juristas.
Julgo que estes colegas deveriam refletir melhor e não se deixarem levar pelo modismo de importar institutos que são próprios do sistema inglês e norte-americano, mormente com a outorga de amplos poderes discricionários aos membros do Ministério Público.
Vale a pena ressaltar que, no momento, a ambição de poder do Ministério Público Federal parece não ter mais limites. Através da deletéria Resolução n.281/2017, esta instituição resolve legislar sobre Direito Processual Penal, criando um sistema “paralelo” ao estabelecido pelo vigente Código de Processo Penal.
Importante notar que tal Resolução chega ao ponto de permitir expressamente aplicação de pena sem processo e sentença condenatória. Passaríamos a ter “execução penal por título extrajudicial”.
A pequena alteração que o Conselho Nacional do Ministério Público fará na sua Resolução 181 não altera as inconstitucionalidades formais e materiais apontadas, apenas antecipa o controle judicial sobre o arquivamento dos autos da investigação. De qualquer forma, arquivado o inquérito, o investigado começará a cumprir pena não privativa de liberdade, sem ação penal, sem processo e jurisdição penal!!!
Tudo isso demonstra o quanto precisamos ter cautela neste momento delicado de nossa vida política e institucional. Se o voluntarismo e o poder discricionário tomarem conta da nossa realidade processual, não mais teremos a necessária segurança jurídica. Sem o indispensável princípio “nulla poena sine judicio”, não se pode falar em Estado de Direito.
Ademais, a doutrina deve se preocupar apenas com o que é melhor para a sociedade, deixando de lado interesses corporativos ou profissionais.
Vamos depurar e melhorar o nosso sistema acusatório, mas não vamos tornar o processo “coisa das partes”. Aqui, estamos cuidando de direitos fundamentais, protegidos por regras cogentes.
Imagem Ilustrativa do Post: Judges Gavel // Foto de: James Robinson // Sem alterações
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