O sistema penal do capitalismo

07/07/2017

Por Iverson Kech Ferreira - 07/07/2017

Há um interregno entre a sociedade industrial e a sociedade pós-industrial, determinado pela liquidez dos eventos que surgiram interligados às novas tecnologias. (BAUMAN). Do ludismo até os dias atuais, da revolução industrial à revolução tecnológica, as fábricas não mais existem em grande quantidade como antes e a mão de obra simples e barata não perfaz mais o desejo dos grandes capitalistas, pois deve ser a mais especializada possível. Tal especialização atinge apenas determinado nível da sociedade, que detêm os salários compatíveis às suas funções, em detrimento de um proletário que decresce a cada dia na escala da pobreza e do desenvolvimento. Nesse sentido, faltam vagas de trabalho no mercado e o crescimento das políticas de controle social por parte do Estado, que abandonou as características de Estado de Bem-estar social em detrimento das classes que agora procuram sobreviver enfrentando um acentuado desnível, quando não conseguem atingir o mercado de trabalho e passar a fazer parte de sua própria evolução.

Nesse ponto, é de Alessandro Di Giorgio em sua obra A miséria governada através do sistema penal, a junção perfeita entre o materialismo histórico baseado na luta de classes e o detrimento do proletariado frente a classe considerada dominante, para o universo de estudos foucautianos e a relação de poder que determina a sociedade desigual e desinteressada nos problemas que envolvem as variadas categorias e níveis sociais existentes.

Só que no sistema capitalista as instituições possuem um objetivo que se fundamenta no lucro e na retenção de capitais, embasando assim toda a estrutura social direcionada em busca de ganhos financeiros. Não obstante, até mesmo o Estado, como ápice dessa sustentação, parte em uma caçada aos desprezados e considerados impróprios ao trabalho, designando-os não o auxílio social, mas a penalização e a rotulação.

Destarte, o direito das penas recai sobre aqueles que não conseguem, por determinados fatores, adentrar o mercado do trabalho e irromper suas bordas em prol de sua sobrevivência. Quanto mais se evidencia o Estado distante num viés social, mas muito próximo em sua condição penal, mais se tem a demonstração de poder de uma classe perante a outra. (DI GIORGIO)

Nesses momentos, há a crise econômica sempre pairando o proletariado, que se encontra num sistema cuja expectativa é a geração de lucros e não atender as necessidades básicas da população. Todos os que não perfazem essa classe que participa da obtenção da renda, são considerados consumidores falhos, ou, segundo Nils CHRISTIE, “os novos demônios que devem ser isolados e criminalizados em guetos, considerados clientes potenciais do poder da indústria da prisão.”

A pena possui função pedagógica contra a classe criminalizada do proletário desempregado, em uma clara demonstração de adestramento contra àqueles que não seguem o estipulado previamente em um sistema que coisifica o homem, entretanto, enaltece o grande empresário. Nesse pensamento, tal empreendedor possui em seu cerne o mesmo modus operandi do Estado: as fábricas que existem são inóspitas, a condição de trabalho é precária e o salário extremamente baixo, tudo em prol do arrecadamento de capitais. Os fatores que desestruturam as condições do trabalho são fundamentais para o aumento do desemprego. Aqueles que não se identificam ou não conseguem se moldar nesse plano por situações diversas são alvos do poder de punição do Estado. O cárcere impõe, de um jeito ou de outro, uma filosofia de amansamento ao condenado, uma vez que a pena passa a ser reconhecida como justa medida aos seus atos criminosos e a o salário uma justa retribuição do seu próprio trabalho, que inexiste. Destarte, é comum quando há aumento de crises econômicas e os níveis de desemprego crescem, também surge com uma força estrondosa o poder de punição do Estado frente às classes tidas como desviantes: os desempregados, vulgo “desocupados”, numa demonstração de que são eles o problema, e não a carência de ação do Estado para com sua sociedade.

Desta guerra contra a imoralidade surge com veemência campanhas pela Lei e Ordem, comumentemente acolhida pelas classes sociais reconhecidas como a elite (BARATTA). Não há crise para a máquina estatal nesse sentido, pois ela também labora em função do capitalismo: o que existe é o arrochar das políticas de segurança pública e ressocialização do inimigo, que para isto, deve ser preso. O ditado que perfaz o sistema norte americano da tolerância zero aqui cabe muito bem: “quem rouba um osso rouba um boi”.

Em uma época pós fordista, o capital que chega até os cofres do capitalista não é mais apenas referenciado em suas terras, mas sim, advém do estrangeiro, abrindo-se para as portas da globalização (DI GIORGIO). Entretanto, com a alta tecnologia advinda desse novo pulsar de modernidade, não há a necessidade da mão de obra braçal, do chão de fábrica, do funcionário que aperta as roldanas. Agora os processos de criação são por si só incrementados pelo grande aparato tecnológico, tornando dispensável o cidadão, alcançando o desemprego taxas ainda mais altas, num eterno retorno aos tempos de Ned Ludd (os luditas).

A massa de desempregados cresce, bem como cresce o trabalho informal e alguns tipos de empregos que beiram a ilegalidade, como a pirataria, venda de produtos ilícitos, ou seja, para a sobrevivência é necessário que se agarre a criminalidade. Todavia, as mesmas fábricas/empresas que antes possuíam tais empregados, agora passam a contrata-los numa desregulamentação de seus direitos e do emprego formal, terceirizando algumas fases da produção, suportadas por subempregados que laboram em condições piores que antes, na ausência completa de direitos e numa crescente insegurança. Tudo isso em prol da sobrevivência. O crime aqui não é do proletário, mas das grandes empresas e do grande capitalista que irrompe numa situação criada por seu protetor, o Estado, para mais uma vez contar com a mão de obra barata e a proteção jurídica que necessita.

As políticas assistencialistas do Estado diminuem no período pós fordista e agora, liquido em todos seus sentidos (BAUMAN), aumentando o número de classes de pessoas que devem ser controladas. Dessa forma, os dispositivos de segurança são criados para a manutenção das pessoas em seu status a priori, numa condição de manter a classe em seu devido lugar. (FOUCAULT)

Há cada vez mais a presença do panopticum, transformado agora em um apregoado sinopticum (na força da mídia, da TV e de seus apresentadores espetaculares) que alude a convivência em uma sociedade expectadora onde muitos vigiam tão poucos, agora voltado para aquele demonizado que não perfaz as condições mínimas para o consumismo conspícuo e para o trabalho, que são deixados para o Estado tomar conta no interior de suas bastilhas.


Iverson Kech FerreiraIverson Kech Ferreira é Advogado especializado em Direito Penal e Direito Processual Penal. Mestrando em Direito: Teoria, História e Jurisdição, no Centro Universitário Internacional Uninter, Pós-Graduado pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, PR, na área do Direito Penal e Direito Processual Penal. É pesquisador e desenvolve trabalhos acerca dos estudos envolvendo a Criminologia, com ênfase em Sociologia do Desvio, Criminologia Critica e Política Criminal..


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito. 


 

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