No dia 26 de abril os periódicos nacionais veicularam reportagem e as fotos da mulher do Ministro do Turismo. Bem, tirar fotos não é problema nenhum, pois como vivemos no Estado Constitucional de Direito, cuja liberdade é direito fundamental, vige a liberdade de expressão. Eventuais censuras de caráter estético ou religioso, salvo melhor juízo, não passam pelo filtro constitucional. Mas a polêmica situou-se no conteúdo das fotos e a circunstância de a Dona Milena Santos utilizar o gabinete do marido, reitere-se, Ministro de Estado. As fotografias provocantes foram logo após divulgadas na internet.
Esse simples fato, até prosaico, no entanto, remete para algumas reflexões.
As discussões a favor e contra as fotos serviram um pouco para desviar o olhar dos duros acontecimentos políticos pelos quais passamos, ainda que com olhar maroto, mas destaco um dos argumentos utilizados: Ah! Que mal tem? Não existe qualquer lei proibindo tirar fotos no gabinete do marido!
Não se pode olvidar que mesmo os agentes políticos estão submetidos ao regime jurídico do Direito Administrativo, constituído por princípios e regras aplicáveis aos órgãos públicos e voltados para a concretização de finalidades públicas e constitucionais. O exercício de qualquer competência administrativa, portanto, deve submeter-se ao crivo, por exemplo, do interesse público, com todas as dificuldades hermenêuticas para bem compreendê-lo. Muito embora dotado de sentido indeterminado, é crível sustentar que permitir fotos provocantes dentro de um prédio público em muito ultrapassa o sentido de base dessa expressão.
Mas não se pode olvidar ainda algo fundamental: gabinete de Ministro caracteriza-se como locus integrante de prédio público, bem público de uso especial, nos termos do artigo 99, inciso II, do Código Civil. Trata-se de bem destinado para a execução dos serviços administrativos, ou seja, há um propósito na sua juridicização: a Administração Pública, inclusive representada por agentes políticos, somente podem utilizar bens públicos para atingir as finalidades próprias dos serviços públicos.
Não há qualquer possibilidade de, sob o argumento de discricionariedade, ou decisão política, destinar repartição pública para servir de cenário para fotos provocantes ou, como os mais otimistas, fotos retratando a vida feliz de casal!
E não é uma questão de estética e nem de ética, mas de finalidade positiva do regime jurídico-administrativo.
Há muito se ultrapassou a concepção de os bens públicos possuírem tal denominação pela simples titularidade ou relacionada com o direito de propriedade. Além do aspecto subjetivo, o mais relevante é a existência de um vínculo exigindo a destinação pública, como referia Ruy Cirne Lima[1]. Infelizmente alguns agentes políticos perderam o nível necessário de compreensão de como administrar a res pública e, o mais surpreendente, é passar de modo complacente pela comunidade atos de desrespeito ao fim público. A lembrança do saudoso administrativista serve para retratar o senso comum, incapaz de distinguir as especificidades do ato de bem administrar:
“Exprime-se, nestes passos, pela palavra administração conceito antagônico ao de propriedade. Propriedade lato senso pode dizer-se o direito que vincula à nossa vontade ou à nossa personalidade de um bem determinado em todas as suas relações. Opõe-se a noção de administração à de propriedade nisto que, sob administração, o bem não entende vinculado à vontade ou personalidade do administrador, porém, à finalidade impessoal a que essa vontade deve servir.”[2]
Portanto, qualquer ato de gestão de bens públicos não pode caracterizar-se como ato de vontade, caso contrário, estamos diante de práticas arbitrárias e desvinculadas da unidade de sentido dos princípios constitucionais do artigo 37, “caput”, CF.
Ora, o gabinete de Ministro de Estado está igualmente afetado, ou seja, nas palavras de Ernst Forsthoff, a afetação produz um efeito principalmente preventivo, de assegurar a utilização da coisa pública a um fim[3] e sobre o qual não cabe a livre disposição do agente público, como permitir ensaios fotográficos da própria esposa, utilizando o ministério como cenário.
Não se trata tal entendimento de ser chato ou preconceituoso, mas de salvaguardar os bens públicos daquilo que Max Weber há muito denominou de patrimonialismo, no qual há o amplo âmbito do arbítrio material e de atos discricionários puramente pessoais do administrador[4]. A dominação patrimonialista atinge o auge quando o modo de ser na política não consegue mais distinguir as esferas pública e privada, pois ambos domínios se misturam na figura do agente público, com decisões duvidosas e tomando os bens públicos como se fossem extensão do próprio domínio privado!
Não é implicância, mas questão de princípio com relação à gestão dos bens públicos.
Notas e Referências:
[1] Princípios de Direito Administrativo. 7ªed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 188.
[2] Princípio de Direito Administrativo, p. 37.
[3] Tratado de Derecho Administrativo. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1958, p. 497.
[4] Economia y Sociedad. 12ªReimp. México: Fondo de Cultura Económica, 1998, p. 192.
LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. 7ªed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 188. FORSTHOFF, Ernest.Tratado de Derecho Administrativo. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1958, p. 497.
WEBER, Max. Economia y Sociedad. 12ªReimp. México: Fondo de Cultura Económica, 1998, p. 192.
Imagem Ilustrativa do Post: Esplanada dos Ministérios (Panorama 1) // Foto de: Fred Schinke // Sem alterações
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