O senso comum na consciência do processo penal

10/04/2020

O discurso sobre o processo penal, no alcance e legitimidade que lhe cabe, tem por adversário aqueles que se mantém no nível (descomplicado e facilitado) das coisas, cujo ponto de apoio é uma base empírica da informação veiculada por redes sociais e por mídias sem cunho científico. Para além, recusa compreender o sentido da existência de tal instituto e de suas garantias, para dar lugar a um discurso que tem como apoio uma promessa relativa (e, por vezes, não verificável) de segurança pública e de justiça[1].

De início, já se coloca difícil debater sobre o lugar da segurança pública e o lugar do processo penal como coisas separadas (no tempo e espaço), agravado pela natureza de cada debate não ser vislumbrada pelo interlocutor. Com isso, se faz necessário registrar que, ao defender o processo penal legítimo, em nenhum momento se defende crimes ou se reduz o debate sobre violência na sociedade atual. A própria compreensão desta diferença de lugares entre segurança pública e processo penal, da forma que aqui se quis registrar, é problema e consequência do objeto deste texto.

A oposição sobre o discurso legítimo do processo penal se mostra, da forma que aqui se pondera, como um pensamento de senso comum, acrescido da gravidade de reivindicar evidências e teorizar livre e irrefletidamente. Ninguém está obrigado a estudar o processo penal, mas deveriam limitar-se, do seu local de projeção (principalmente de massificação da informação), ao expressar um juízo qualquer sobre temas que, por vezes, buscam ridicularizar aqueles que se debruçam e pensam sua existência e necessidade (do processo penal).

A realidade é que, por motivos dos mais diversos, o senso comum não consegue deixar de fazer sua contribuição, infiltrando-se, e aqui de forma perigosa, na formação de leis e em julgados por Côrtes de Justiça. Cabe, aqui, problematizar sobre os julgadores, que tem a sua formação jurídica diversa da seara criminal, e que são alocados onde a matéria penal deveria ser uma especialidade. Da mesma forma, a título de ilustração, a falta de juízos especializados em matéria empresarial.

A realidade é que um senso comum ativo vem saturando o público (especializado e não especializado), com artigos, notas, livros e por outros meios, que servem de subsídios para reflexões do indivíduo que tem, em sua causa, a busca por segurança pública, o fim da corrupção, e a necessidade de ver na justiça a vingança por tantas atrocidades da sociedade moderna. Outro cunho, o processo penal vem sendo utilizado como mecanismo de manobra política e, em menor aparência, com casos de índole de estratégia processual para outras áreas, como divórcios, trabalhistas, indenizatório cível, entre outros que não se pretende pormenorizar.

O disparate é que o processo penal não está em pé de igualdade com esta busca do indivíduo do senso comum, iniciando aqui o primeiro problema do discurso irrefletido. Não se nega o mérito de desejar a justiça (utópica), e um país com menores índices de criminalidade com o combate a corrupção, mas deve ser cuidadoso o discurso do lugar que o processo penal ocupa neste panorama.

Os olhos desses defensores, da redução de garantias e da redução da importância do processo penal, são voltados para cenários forjados em uma irreflexão cega sobre aquilo que estão a dizer, ainda que com a meta em uma busca que lhes parece legítima. Por vezes, são replicadores de uma vontade externa, tais quais como peões de um jogo de xadrez, onde o espectro é luz e sombra de algo muito mais amplo do que conseguem identificar naquele momento. Além, não se pode negar que (de)batem (n)o processo penal em circunstancias por vezes cunhadas em interesses que estão para além da justiça penal.

O senso comum compreende o processo penal, em uma de suas maneiras, como uma barreira contra a justiça imediata, invertendo a lógica da existência do mesmo ou negando que exista algo a ser conhecido por este instituto, cunhando a expressão pejorativa da defesa de criminosos.

Esta sensibilidade vulgar, que comercializa o processo penal como um objeto que transgride regras de proteção social, atinge uma grande massa de pessoas, e visa enunciados fáceis de serem absorvidos, desobrigando a necessidade do pensar refletido e do julgar atido por pessoas que detém a obrigação de aplicar e declarar a lei. Em poucas palavras, ao fortalecer a irreflexão e criar subsídios para formação da imagem comum, fica (falsamente) autorizado o senso comum em emitir opiniões plenas sobre matérias atinentes ao processo penal, mas que são forjadas em especulações (ou projeções) limitadas e articuladas.

O senso comum na compreensão do processo penal somente tem interesse quando, por suas vias, consegue infligir danos ao processo penal real, incorporando-se em petições e decisões jurídicas. Isto é, não se pode deixar de ouvir as criticas que existem no seno comum que circula nas ruas e na internet. Até porque, em grande maioria, são uma revolta contra a estruturação atual do judiciário, que não é somente moroso (ou as avessas) para condenar penalmente, mas é tão ou mais para fixar uma pensão alimentícia ou dissolver uma sociedade empresária.

O que permite separar e diferenciar senso comum de pensar processo penal é, justamente, a intuição intelectual formada em um estudo sério e complexo, ou seja, distante de opiniões forjadas empiricamente em dilações irrefletidas, no qual o caráter superficial da construção (via de regra imediatista), não possui um verdadeiro método de conhecimento.  Não se trata de capacidade intelectual, propriamente dita, pois há muita inteligência na formação do material que é posto (ainda que de senso comum), mas na naturalidade em que se nega a existência de leis e premissas processuais penais, sem qualquer dor de consciência (por deliberada ignorância), pois faz em uma consciência comum e desligada da responsabilidade institucional.

 

Notas e Referências

[1] “[...] o senso comum sabe objetar que ele pode muito bem pensar alguma coisa, fazer uma ideia de alguma coisa, sem que por isso seja necessário que essa coisa pensada tenha ao mesmo tempo uma existência [...]” HEGEL, G. W. F., Como o senso comum compreende a filosofia.  Trad. Eloisa A. Ribeiro. Rio de Janeiro: Terra e Paz, 1994. p.51.           

 

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