O Reino de Deus como o Infinito atual – Por Thiago Brega de Assis

03/09/2017

O infinito está presente até mesmo no Direito, notadamente a sua limitação. O Direito limita os comportamentos como aceitáveis ou inaceitáveis, definindo-os como lícitos, dentro da legalidade, ou ilícitos, além dos limites legais. No direito penal, a teoria da imputação objetiva afasta o infinito, limitando o alcance do nexo de causalidade para fins de imputação penal no crime culposo. O direito processal também tem como base a limitação do infinito, restringindo a possibilidade probatória dentro de uma determinada razoabilidade, limitando o rol de testemunhas, pois, em tese, poder-se-ia pedir a oitiva de todos os habitantes do planeta, atuais e futuros, em um determinado processo. Do mesmo modo, os recursos não podem ser infinitos, para que o próprio processo não seja eternizado.

O parágrafo anterior constou do último artigo.

Para resolver o problema da fundamentação da decisão, para a solução justa do processo, sem necessidade de sua eternização, o método é atualizar o infinito trazido pelas partes ao processo, verificando as razões que as sustentam, analisando a fé das partes, a sua ciência jurídica, como boa ou má, investigando a boa-fé e a má-fé das partes, e de seus procuradores, o que também ocorre.

Assim como bastam dois pontos para se definir uma reta, que segue ao infinito em ambas as direções, o que sabemos pela razão, sem necessidade de verificar todos os pontos da reta; através da análise de pontos fundamentais de um processo, e do comportamento de uma pessoa, é possível concluir pela adequação ou não da pretensão deduzida em juízo com o Direito, em um caso, e pelo sentido da vida da pessoa, no outro caso. A diferença está no fato de que o pedido feito à justiça e os fatos narrados ao juiz não podem ser alterados, como regra, enquanto a pessoa, em sua vida, pode se arrepender, pode mudar de vida, e de destino.

Nesse sentido, a boa-fé, a honestidade e coerência da parte, a equivalência entre seu discurso e os fatos alegados e/ou provados, é indicativo de boa fé, de que o interessado está amparado pela legalidade, e não só pela legalidade estrita, mas também pela ideia justa, pela Justiça.

De outro lado, a má-fé, a desonestidade argumentativa, a mentira, a incoerência entre alegações e fatos alegados e/ou provados, pode apontar para a má fé, a má ciência. A má-fé permite indicar tanto a tentativa de ser uma aparência de justiça, sustentada por uma filosofia ou metafísica coerente e total, como o próprio discurso mentiroso e parcial ou sectário.

Essas questões são analisadas tanto na vida quanto no processo, verificando as manifestações das pessoas, a adequação entre o discurso e a vida prática, e as petições do processo, na atividade jurisdicional.

A incoerência na vida é cotidiana, sendo preciso cautela contra a hipocrisia dos fariseus: “Jesus lhes disse: 'Vós sois os que querem passar por justos diante dos homens, mas Deus conhece os corações; o que é elevado para os homens, é abominável diante de Deus'” (Lc 16, 15).

“Jesus então dirigiu-se às multidões e aos seus discípulos: 'Os escribas e fariseus estão sentados na cátedra de Moisés. Portanto, fazei e observai tudo quanto vos disserem. Mas não imiteis as suas ações, pois dizem, mas não fazem. Amarram fardos pesados e os põem sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos nem com um dedo se dispõem a movê-los. Praticam todas as suas ações com o fim de serem vistos pelos homens. Com efeito, usam largos filactérios e longas franjas. Gostam do lugar de honra nos banquetes, dos primeiros assentos nas sinagogas, de receber as saudações nas praças públicas e de que homens lhes chamem 'Rabi'. Quanto a vós, não permitais que vos chamem 'Rabi', pois um só é o vosso Mestre e todos vós sois irmãos. A ninguém na terra chameis 'Pai', pois um só é o vosso Pai, o celeste. Nem permitais que vos chamem 'Guias', pois um só é o vosso guia, Cristo. Antes, o maior dentre vós será aquele que vos serve. Aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será exaltado. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque bloqueais o Reino dos Céus diante dos homens! Pois vós mesmos não entrais, nem deixais entrar os que querem fazê-lo!'” (Mt 23, 1-13).

A mensagem de Jesus Cristo, como não poderia deixar de ser, é atual, é o Infinito atual, em que os governantes, as autoridades públicas, têm um discurso público de honestidade e uma conduta incompatível com as próprias palavras.

Um magistrado que se diz amigo do réu há anos, que faz refeições com ele, não pode julgar essa pessoa, é objetivamente suspeito. Um magistrado que viola diariamente o código de ética da magistratura, com impropérios verbais de toda ordem, não é digno do cargo que ocupa, violentando todos aqueles que dignificam a função divina de dizer o que é justo. Igualmente lamentável é a omissão dos outros membros do sinédrio, únicos com a condição de colocar um ponto final em ilicitudes desse tipo, pois um pedido de impedimento contra o líder do reinado no sinédrio dependeria de autorização da mesma facção dos escribas a que ele pertence, que controla a porta de entrada do processo de impedimento.

E não se diga que um sacerdote de Baal profere boas decisões, vez por outra, pois até mesmo Satanás sabe citar as sagradas escrituras, podendo praticar bondades provisórias em seus intentos destrutivos.

Até o apóstolo Pedro, em uma mesma conversa com o Mestre, chegou a encarnar dois infinitos opostos, o Espírito Santo e Satanás.

“Chegando Jesus ao território de Cesaréia de Filipe, perguntou aos discípulos: 'Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?' Disseram: 'Uns afirmam que é João Batista, outros que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou um dos profetas'. Então lhes perguntou: 'E vós, quem dizeis que eu sou?' Simão Pedro, respondendo, disse: 'Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo'. Jesus respondeu-lhe: 'Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim o meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do Inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus'. Em seguida, proibiu severamente aos discípulos de falarem a alguém que ele era o Cristo.

A partir dessa época, Jesus começou a mostrar aos seus discípulos que era necessário que fosse a Jerusalém e sofresse muito por parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos escribas, e que fosse morto e ressurgisse ao terceiro dia. Pedro, tomando-o à parte, começou a repreendê-lo, dizendo: 'Deus não o permita, Senhor! Isso jamais te acontecerá!' Ele, porém, voltando-se para Pedro, disse: 'Afasta-te de mim, Satanás! Tu me serves de pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas as dos homens!'” (Mt 16, 13-23).

Assim, durante uma só conversação, Pedro foi reconhecido como templo do Espírito Santo, encarnando Deus, O Infinito Absoluto, e depois chamado de Satanás, o mal infinito.

A Igreja de Jesus Cristo, fundada na passagem acima, é aquela em que o homem e a comunidade, a Assembleia, a Ekklesia, encarnam o Bom Infinito, o Espírito Santo, revelam o Pai, vivendo o Reino de Deus, como Infinito atual.

Portanto, existe um método para verificar em que infinito a pessoa está situada, e a todo momento estamos em um infinito, em uma direção, seja para a Vida ou para a morte.

A negação da Verdade é indicação de um mau infinito. Se o imóvel não é meu, é necessária uma excelente explicação para que seja justificada a reforma a meu gosto. A Verdade é para todos, e não para uma maioria provisória, beneficiada pelo prejuízo de todos, que sustenta aquela maioria e a minoria que a controla.

O sacrifício de todos, ainda que parcial, é necessário para o benefício de todos. Se todos os filhos de uma casa tiverem uma bomba atômica, para que todos vivam todos devem renunciar ao uso da arma, e renunciar ao próprio egoísmo, que pode levar ao conflito em que, em num impulso irracional, seja usada a arma. Aliás, por que um cristão possui uma arma, que apenas mata o corpo, quando a arma de Jesus Cristo é o Verbo de Deus e próprio sacrifício que leva à ressurreição, à salvação da alma, e do mundo? A arma do cristão é o exercício diário da virtude, da moral coletiva, da Ética Cristã, censurando os que a violam, rompendo relações, caso não haja arrependimento. O Bom Infinito exige o bom limite, o limite da razão, do Logos.

O que combate o crime é a lei interna, que impede o ilícito público ou às ocultas. Em uma sociedade corrompida e hipócrita, em que o crime só é combatido publicamente, o que não basta, não há Ordem, pois, como diz, acertadamente, Olavo de Carvalho, isso é uma idolatria da sociedade, e uma rejeição de Deus.

A boa comunidade, baseada no Bom Infinito, não tolera nem mesmo as pequenas ilicitudes, as ofensas verbais, mentiras, hipocrisias, injúrias ou palavras ofensivas, pois esses comportamentos significam a encarnação de um mau infinito, das obras da carne, que é insaciável, infinitamente.

“Pois toda a Lei está contida numa só palavra: Amarás a teu próximo como a ti mesmo. Mas se vos mordeis e vos devorais reciprocamente, cuidado, não aconteça que vos elimineis uns aos outros. Ora, eu vos digo, conduzi-vos pelo Espírito e não satisfareis os desejos da carne. Pois a carne tem aspirações contrárias ao espírito e o espírito contrárias à carne. Eles se opõem reciprocamente, de sorte que não fazeis o que quereis. Mas se vos deixais guiar pelo Espírito, não estais debaixo da lei. Ora, as obras da carne são manifestas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, ira, discussões, discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos previno, como já vos preveni: os que tais coisas praticam não herdarão o Reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio. Contra estas coisas não existe lei. Pois os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com suas paixões e seus desejos. Se vivemos pelo Espírito, pelo Espírito pautemos também a nossa conduta. Não sejamos cobiçosos de vanglória, provocando-nos uns aos outros e invejando-nos uns aos outros” (Gl 5, 14-26).

O Único que Caminhou, Verdadeiramente, apenas para a Vida, foi Jesus Cristo, o fundador do humanismo e dos direitos humanos. Nós outros, os demais, já tivemos nossos comportamentos mortais. A diferença consiste no fato de que alguns sabem que existem esses dois caminhos, dentre os quais uma parte segue conscientemente para um ou outro, enquanto outros não alcançaram a capacidade de observar a Verdade.

O cristianismo é baseado na pressuposição, fato pressuposto e não passível de discussão, de que Jesus Cristo ressuscitou, o que somente ocorreu porque ele foi submisso à Vontade do Pai até a morte, sacrificando a própria vida.

Para a Perfeição absoluta, o limite, a razão, o Logos, é Absoluto.

Portanto, o cristianismo é baseado na limitação do próprio egoísmo, da contenção do individualismo, pois a realidade transcende nossos corpos visíveis, ainda que seja por meio de nossos corpos que a percebamos. A partir do que sentimos, vemos e ouvimos somos aptos a conhecer o que pensamos, mesmo sem ver com os olhos ou ouvir com os ouvidos.

A vida cristã começa com o arrependimento, com a mudança de visão de mundo, rompendo com os ilícitos, pequenos e grandes. O mesmo vale para a vida científica, que significa o conhecimento racional que transcende a aparência, e deve romper com a irracionalidade e com o reducionismo materialista.

Tanto o cristianismo como a ciência pressupõem uma razão maior, o Logos.

Viver conforme o Logos é tornar Real o Reino de Deus, é fazer com que o Infinito seja atual.

Mas para que Reino seja pleno, os escribas, os fariseus e os membros do sinédrio devem ser santos, como o Pai é Santo, segundo o Método da Verdade e da Vida, Jesus Cristo, com obediência à Lei, em Espírito e Verdade.

“'Com que me apresentarei a Iahweh, e me inclinarei diante do Deus do céu? Porventura me apresentarei com holocaustos ou com novilhos de um ano? Terá Iahweh prazer nos milhares de carneiros ou nas libações de torrentes de óleo? Darei eu o meu primogênito pelo meu crime, o fruto de minhas entranhas pelo meu pecado?' — 'Foi-te anunciado, ó homem, o que é bom, e o que Iahweh exige de ti: nada mais do que praticar a justiça, amar a bondade e te sujeitares a caminhar com teu Deus!'” (Mq 6, 6-8).


 

Imagem Ilustrativa do Post: The Infinite // Foto de: Waqas Mustafeez // Sem alterações.

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/mustafeez27/7206085116

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura