O Regime de Partilha da Produção: o novo é sempre o melhor? - Por Guilherme Chamum Aguiar

24/09/2016

Por Guilherme Chamum Aguiar - 24/09/2016

Não obstante a diversidade e complexidade dos novos institutos e práticas trazidas pelo Marco Regulatório do Pré-Sal, não é exagero dizer que a mais estrondosa inovação verificada foi a adoção do regime de partilha de produção, até então inédito no ordenamento pátrio.

Os contratos de partilha da produção petrolífera foram concebidos em meados de 1960 em países em desenvolvimento como Indonésia, Peru, Egito, Síria e Angola, e se diferenciavam pelo gerenciamento compartilhado das atividades de exploração, pela participação estatal nos resultados da produção e pela transferência de tecnologia ao país hospedeiro. Em comum a todos esses países pioneiros na implementação do modelo de partilha da produção, além da presença de regimes de governo totalitários, era a ausência de legislação voltada à regulamentação das atividades de exploração e produção de petróleo[1]. Hodiernamente, o regime de partilha de produção é utilizado em larga escala em países como China, índia, Líbia e Angola[2], onde igualmente persistem dúvidas acerca do caráter democrático dos governos.

O regime de partilha de produção é caracterizado pela propriedade do petróleo ser da União, pelos custos da atividade exploratória serem compensados economicamente ao contratado (o chamado cost oil) e pelo lucro, em óleo, ser repartido entre a União e os partícipes do contrato (empresas integrantes do Consórcio Explorador, excetuada a PPSA)[3].

No processo licitatório, o valor do bônus de assinatura é fixo, e vence a proposta que apresentar a oferta de maior excedente em óleo para a União, sendo estabelecido no edital um percentual mínimo a ser ofertado. A título de receitas governamentais, exige-se também o pagamento mensal de royalties com alíquota de 15% (quinze por cento) do valor de toda a produção petrolífera, sendo o valor não incluído no cálculo do custo em óleo[4].

Como se pode notar, no referido regime a participação estatal sobre o total do petróleo produzido é muito considerável, somando-se a parcela do excedente em óleo, as receitas provenientes dos royalties ao valor do bônus de assinatura do contrato. Evidentemente que há aí clara pretensão arrecadatória do Estado, o que não se mostra absurdo numa primeira análise.

É natural que queira a União maximizar as receitas provenientes da exploração de um recurso pertencente à coletividade[5] e administrada por ela, sobretudo para posteriormente transformar tais receitas em retorno na forma de serviços públicos de qualidade. Parece, em princípio, buscar atender ao interesse público. Contudo, a eleição da modalidade da partilha da produção para alcançar o referido fim na exploração petrolífera na região do Pré-Sal não se mostra tão adequada.

Em primeiro lugar, a associação comumente feita entre o modelo de partilha de produção a um baixo risco exploratório e um alto potencial de produção deve ser questionada. Prova disso é o fato de países como a Arábia Saudita, reconhecidos pela grande quantidade de petróleo e o baixo risco exploratório, optarem pelo modelo de concessão[6]. O risco da atividade exploratória é inerente à atividade econômica e não pode ser motivador único da escolha do modelo de contrato a ser utilizado[7].

Assim, mesmo sendo o paradigma do Pré-Sal o baixo risco exploratório e o alto potencial produtivo, o fato de as decisões administrativas serem ditadas por uma empresa estatal que não investirá um centavo no negócio – a PPSA - e a imposição de uma outra estatal no Consórcio com participação mínima de 30% (trinta por cento) podem afugentar o interesse comercial dos investidores privados pela excessiva submissão ao Estado e às composições políticas que o regem.

É inevitável que a atratividade do empreendimento será severamente comprometida. Como resultado serão feitos leilões com baixa ou inexistente concorrência, como no caso do Leilão de Libra, onde houve um único consórcio participando da licitação, sendo entabulada a oferta mínima de excedente em óleo para a União.

O que se percebe é que, caso a intenção do Estado seja apenas arrecadatória, a adoção do regime de partilha de produção parece equivocada. Mesmo com o baixo risco do empreendimento petrolífero no Pré-Sal, persistem os altos custos da produção em grandes profundidades marítimas, de modo que talvez o modelo de concessão, feitos alguns ajustes pontuais, fosse o mais interessante.

A atratividade do modelo de concessão pela transferência da propriedade do petróleo ao concessionário, o que afastaria o receio do empresariado da grande submissão de suas atividades aos mandos estatais, poderia ser conjugada com o incremento da arrecadação estatal por meio de redefinições de alíquotas dos royalties e das participações especiais[8].

Por outro lado, há também que se discutir se o modelo de contrato de partilha está ou não autorizado pela Constituição Federal, haja vista a legalidade estrita como norte da atuação administrativa. Isso porque a Emenda Constitucional nº 6/1995, que permitiu a contratação de particulares para a pesquisa e lavra de recursos minerais, dispõe que a referida contratação somente poderá ser feita mediante autorização ou concessão da União[9]. Dessa forma, poderia discutir-se se o modelo de partilha de produção, o qual em muito distinto da concessão, estaria ou não autorizado pelo texto constitucional.

Além do mais, o modelo de concessão leva em conta, quando da licitação, a melhor oferta em bônus de assinatura (o que significaria que, quanto maior a concorrência, maior a arrecadação estatal), e também o melhor Programa Exploratório Mínimo – PEM.

Havendo maior atratividade para as empresas pela adoção do modelo de concessão na exploração do Pré-Sal, resultando em maior concorrência, portanto, a União teria a chance de arrecadar um valor maior a título de bônus de assinatura; poderia contar com uma produção mais eficiente de petróleo, regida pela proposta vencedora de PEM e ocasionando em arrecadação maior de royalties; e poderia ainda continuar a incentivar o desenvolvimento nacional por meio da garantia de fomento à economia insculpida no critério do Conteúdo Local – este último interesse público expresso no inciso IX do art. 170 da CF[10].

Percebe-se, portanto, que inclusive do ponto de vista arrecadatório, a adoção de um modelo de exploração como o de partilha de produção, em se tratando de atividade exploratória de alto custo, não parece vantajoso à coletividade. O preço pago pelo controle estatal da exploração petrolífera parece muito alto, reduzindo substancialmente o retorno à sociedade dos produtos da exploração do recurso natural.


Notas e Referências:

[1] FERREIRA, Antônio Luís de Miranda. Problemas e inconsistências jurídicas do novo marco regulatório: a ótica dos princípios constitucionais da livre iniciativa, da economia de mercado e do direito comercial. In GIAMBIAGI, Fábio e LUCAS, Luiz Paulo Vellozo (Organizadores). Petróleo: reforma e contrarreforma do setor petrolífero brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013 p. 188.

[2] QUINTANS, Luiz Cezar P. Manual de direito do petróleo. São Paulo: Atlas, 2015 p. 303.

[3] QUINTANS, Luiz Cezar P. Manual de direito do petróleo. São Paulo: Atlas, 2015 p. 32.

[4] “Art. 42.  O regime de partilha de produção terá as seguintes receitas governamentais:

I - royalties; e

II - bônus de assinatura.

§ 1o Os royalties, com alíquota de 15% (quinze por cento) do valor da produção, correspondem à compensação financeira pela exploração do petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos líquidos de que trata o § 1º do art. 20 da Constituição Federal, sendo vedado, em qualquer hipótese, seu ressarcimento ao contratado e sua inclusão no cálculo do custo em óleo.”

[5] Na condição de recurso natural, o petróleo é tido como bem da União, nos termos do inciso V do art. 20 da CF, sendo, portanto, atribuído a ele caráter público. Assim, como todo bem público, deve servir ao interesse da sociedade que constituiu esse Estado.

[6] QUINTANS, Luiz Cezar P. Manual de direito do petróleo. São Paulo: Atlas, 2015 p. 303.

[7] QUINTANS, Luiz Cezar P. Manual de direito do petróleo. São Paulo: Atlas, 2015 p. 303.

[8] QUINTANS, Luiz Cezar P. Manual de direito do petróleo. São Paulo: Atlas, 2015 p. 304.

[9] “Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.”

[10] “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.”


Guilherme Chamum Aguiar. Guilherme Chamum Aguiar é Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília – UnB, é integrante da Comissão de Relações Internacionais da OAB/DF e membro do Instituto Brasileiro de Estudos do Direito da Energia – IBDE. Advogado em Brasília associado ao escritório Souza Neto & Sena Advogados. .


Imagem Ilustrativa do Post: Imágenes de las plataformas petrolíferas Sedco Energy y la Cosl Pioneer en el muelle Reina Sofía del Puerto de la Luz y de Las Palmas // Foto de: El Coleccionista de Instantes Fotografía & Video // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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