O recurso cabível contra decisão de inadmissibilidade de recurso especial – Por Daniel Willian Granado e Fernando Rey Cota Filho

28/03/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

Trata a presente provocação de estudo a respeito das formas de inadmissão de Recurso Especial interposto perante Tribunal local, a fim de se deixar claro qual o instrumento processual a ser utilizado a fim de reformar aludida decisão.

O CPC/15 inovou a respeito da matéria recursal, sobretudo, no que concerne ao presente estudo, sobre a forma de impugnar a decisão que não admite o recurso especial.

Nas palavras de Eduardo Arruda Alvim, na interposição de um recurso há dois altiplanos que precisam estar presentes, quais sejam, o da admissibilidade e o de mérito, altiplanos estes que não se comunicam e a falha oriunda de qualquer um deles leva a consequências distintas.[1]

A lei 13.105 de 2015 foi alterada antes mesmo do início de sua vigência pela lei 13.256/2016, de modo que, dentre aludidas alterações, o dispositivo que cuida da admissibilidade dos recursos excepcionais também foi modificado.

Aludida investigação se faz necessária diante da redação do art. 968, § 5.º, do CPC/2015, bem como do teor do enunciado da súmula 249 do STF, que assim dispõe dispõe: “É competente o Supremo Tribunal Federal para a ação rescisória, quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, ou havendo negado provimento ao agravo, tiver apreciado a questão federal controvertida.”

Isso significa que para se compreender se a corte superior chegou a decidir o mérito do recurso excepcional, não se deve apenas olhar o dispositivo da decisão de (in)admissão, mas sim o seu conteúdo. Explica-se, por vezes a corte superior decidirá que o recurso não é cabível no dispositivo da decisão, nomeando-a de decisão de “não conhecimento” do recurso. Todavia, ao se analisar o fundamento da decisão, percebe-se que embora a decisão seja de não conhecimento, ela representa, em verdade, verdadeira decisão de improvimento do recurso.

Exsurge, nesse contexto, a importância dos altiplanos dos recursos traçados por Barbosa Moreira, eis que podem levar a fortes impactos práticos nesse sentido. Em outras palavras, a diferença entre o conhecimento ou não de um recurso dita se a decisão foi ou não substituída pela decisão proferida pela corte superior, o que impacta diretamente na competência para julgamento da ação rescisória, bem como na decisão a ser rescindida, por exemplo.

O sistema recursal de 1939 era extremamente confuso, cabendo, para um mesmo tipo de decisão, por vezes, mais de um recurso. Por exemplo, enquanto as sentenças definitivas comportavam recurso de apelação (art. 820 do CPC/39), havia sentenças terminativas que eram impugnáveis por agravo de petição (art. 846, do CPC/39). Ainda que tais decisões fossem sentenças, a primeira era impugnável por apelação ao passo que a segunda comportava agravo de petição. Tal fato causava enorme transtorno para o jurisdicionado (por outro lado a fungibilidade entre recursos era aceita, conforme se dessume do art. 810 daquele código processual)[2]. Já para o código de 1973 buscou-se a sistemática da correspondência a fim de facilitar o sistema recursal (para cada tipo de decisão cabe um tipo de recurso).

Já para o Código de Processo Civil de 2015 parece que algumas incorreções foram solucionadas, o que não significa que outras não surgirão.

O CPC/15 veio a arrolar as hipóteses de cabimento de recurso de agravo de instrumento (art. 1.015), vindo a esclarecer a dúvida que existia na doutrina e não solucionada de forma pacífica pelos Tribunais. Relativamente ao recurso especial, o art. 1030 do CPC/15, em seus parágrafos, deixou clara a forma de impugnar a decisão que impede seu prosseguimento, vejamos: § 1º Da decisão de inadmissibilidade proferida com fundamento no inciso V caberá agravo ao tribunal superior, nos termos do art. 1.042; § 2º Da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021.

Para tanto, devemos nos atentar para a hipótese que impede o prosseguimento regular do recurso, seja pelas hipóteses de negativa de seguimento (inciso I), motivos de sobrestamento (inciso III), seja por hipóteses de juízo de admissibilidade negativo (inciso V), todos do art. 1030, e, de acordo com a hipótese de impedimento do regular trâmite do recurso excepcional um tipo de recurso é cabível.

Conforme dissemos linhas atrás, o próprio STF já cristalizou orientação na Súmula 249, na linha de que o que importa é o conteúdo da decisão e não o nome que lhe seja atribuído (não conhecimento ou não provimento). Vale ressaltar, nessa linha, eloquente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na qual e deixa claro a necessidade de se distinguir o conhecimento do provimento, conforme proferido no julgamento pelo Tribunal Pleno do Recurso Especial 287694/SP.[3]

Vale dizer, diante de uma decisão de inadmissão de recurso especial, tal negativa de seguimento pode vir fundamentada no inciso I, III ou V do art. 1.030 do CPC/15. Todavia, mais importante do que a fundamentação atribuída, é imprescindível atentar para o conteúdo de tal decisão, de modo a tentar enquadrá-la em cada um dos incisos do art. 1.030, do CPC/2015.

Por exemplo, se determinado acórdão decidir no mesmo sentido, sob uma mesma circunstância fática e jurídica, do que já pacificou o STJ, a respeito da validade de penhora de bem de família do fiador dado como garantia em contrato de locação. Veja que neste caso a súmula 549 do STJ é clara ao dispor sobre a validade da penhora. Na presente hipótese pode ser que o jurisdicionado sucumbente recorra por meio de recurso especial por ter vislumbrado negativa de vigência de determinado dispositivo legal. Ato contínuo sobreveio decisão de inadmissão deste recurso especial fundamentado no art. 1.030, V do CPC/15, negando admissibilidade do recurso. Entretanto, o julgador utiliza o fundamento de que a decisão está em conformidade com entendimento do STJ exarado sob o regime dos recursos repetitivos.

Neste caso, claramente há uma ruptura sistêmica, afinal não obstante o decisum seja no sentido do inciso V do art. 1030 do CPC/15, o fundamento que baseia a decisão tem lastro no inciso I do mesmo dispositivo legal.

E, tal ruptura sistêmica pode levar a inadequação de recurso a ser utilizado, vejamos.

Há na presente hipótese dois possíveis caminhos a ser trilhados por aquele que vai se utilizar do recurso excepcional no presente caso, quais sejam, (i) como o dispositivo da inadmissão é o inciso V do art. 1.030 do CPC/15, interpor o recurso cabível deste limitador de seguimento, qual seja, o agravo em recurso especial (conforme se verifica do § 1º do mesmo art. 1.030 do CPC/15) ou; (ii) ao verificar que o fundamento da inadmissão está fundamentado na alínea “b” do inciso I do mesmo artigo 1.030 do CPC/15, interpor agravo regimental (conforme disposto no § 2º do art. 1.030 do CPC/15).

A única coisa que não pode acontecer é o jurisdicionado sofrer com a atecnia da justiça, pois neste caso, a indagação que fica está alinhada com o § 3º do art. 1.029 do CPC/15, dispositivo que autoriza (determina) que o Tribunal Superior desconsidere vício formal de recurso tempestivo, se não o reputar grave, levando portanto ao conhecimento do recurso (fungibilidade recursal).


Notas e Referências:

[1] “é possível estabelecer dois altiplanos absolutamente distintos e não interpenetráveis: (a) as questões afetas aos requisitos de admissibilidade e, apenas se superadas estas, concluindo-se por um juízo de admissibilidade positivo, é possível passar-se ao (b) mérito recursal (ou, como se diz, o provimento ou improvimento do recurso). Sem embargo de serem planos distintos, é o juízo de admissibilidade positivo que enseja o juízo sobre o mérito, no sentido de que, admitido o recurso, o mérito haverá de ser sempre apreciado”. (Cf. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, 3.ª Ed. São Paulo: RT, 2010, p. 763)

[2] Art. 810. Salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à Câmara, ou turma, a que competir o julgamento.

[3] “(...). Recurso extraordinário: letra a – Alteração da tradicional orientação jurisprudencial do STF, segundo a qual só se conhece do RE, a, se for para dar-lhe provimento – Distinção necessária entre o juízo de admissibilidade do RE, para o qual é suficiente que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da Constituição nele prequestionados, e o juízo de mérito, que envolve a verificação da compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a Constituição, ainda que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado o Tribunal a quo e o recurso extraordinário (...)”. Consta do voto do Ministro Cezar Peluso: “Sempre me admirei de que – nisso não vai nenhuma crítica aos precedentes desta Casa, só repito o Padre Vieira: ‘não louvo nem censuro; admiro-me’ –, em alguns julgamentos, a redação do acórdão sugira certo contra-senso, o de que se teria examinado o mérito do recurso, mas se concluía, no dispositivo, por não-conhecimento. Essa impropriedade terminológica vem da não distinção entre dois juízos diversos e sucessivos, no exame dos recursos, o de sua admissibilidade, consistente na apuração dos requisitos recursais objetivos e subjetivos, e o subseqüente, mas condicionado, no qual, preenchidos todos esses requisitos, o Tribunal aprecia o mérito da impugnação. A distinção atende a exigência metodológica incontornável, porque, primeiro, deve o Tribunal cuidar da existência, ou não, dos requisitos de admissibilidade e, só depois que afirme ou admita tal existência, pode ingressar no exame do mérito do recurso, dele conhecendo. Negada a existência de um ou alguns requisitos de admissibilidade do recurso, já não lhe pode o Tribunal examinar o mérito, simplesmente porque, reputando inadmissível o recurso, esse juízo negativo implica declaração de ineficácia do recurso, que, portanto, como tal é incapaz de conferir ao Tribunal o poder de lhe apreciar o conteúdo, donde dizer-se, nesses casos, que não se conhece do recurso”. (STF, RE 298694/SP, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 06/08/2003, DJ 23/04/2004)


 

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