O recrudescimento falido do combate à criminalidade - Por Rodrigo Medeiros da Silva

01/11/2017

É do conhecimento de toda a opinião pública brasileira a situação caótica pela qual passa a segurança pública. Não convém, por neste momento, destacar possíveis causas para tamanha violência, cujo reflexo é uma matança em larga escala. Mas, certamente, as causas da violência são o ponto nevrálgico para uma discussão acerca de políticas públicas aptas a combater a delinquência. De maneira ilegal espetaculosa, empregam-se forças federais para, artificiosamente, “normalizar” a situação de segurança pública, como se constatou recentemente no Rio de Janeiro. Dois fatos merecem destaque acerca das iniciativas empreendidas: a entrada em vigor da Lei nº 13.497, de 26 de outubro de 2017, que inclui o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito no rol dos crimes hediondos; e a criação, pela Câmara dos Deputados, de uma comissão de juristas, sob a presidência do ministro Alexandre de Moraes, do STF, para elaborar um anteprojeto com “medidas investigativas, processuais e de regime de cumprimento de pena”. [1]

Quanto a incluir no rol dos crimes hediondos a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, pode-se afirmar que medidas desta natureza são absolutamente inconsistentes e ineficazes no tocante à diminuição da criminalidade. Cria-se aquilo que Juarez Cirino dos Santos chama de terrorismo penal. Busca-se a intimidação para desestimular como critério limitador da pena. [2] Ou seja, a severidade da punição seria um fator de impor medo e, portanto, inibiria a prática delituosa. O advento dessa lei é verdadeira busca de estabilização das expectativas normativas, para lembrar Niklas Luhmann e sua Teoria dos Sistemas. [3] A população requer do Estado uma atitude vingativa. Mas, como é fato, o aumento da severidade nas punições não cria um ambiente de segurança. No passado, outra alteração que ganhou grande repercussão foi implementada pela Lei nº 8.930/94, que passou a considerar o homicídio qualificado como crime hediondo. Esta lei teve como origem uma iniciativa da novelista Glória Perez que colheu cerca de 1 milhão e 300 mil assinaturas para propor uma alteração da Lei nº 8.072/90. Como se sabe, Glória Perez é mãe da atriz Daniela Perez, vítima, em 1992, de homicídio praticado por Guilherme de Pádua. Ou seja, uma regressão civilizatória ao utilizar o agravamento da norma como símbolo de vingança.

Outro fato relevante a ser explorado é a criação de uma comissão de juristas para elaboração de um anteprojeto de lei sobre o combate ao tráfico de drogas e armas no País. O tempo para conclusão dos trabalhos é de quatro meses. Este tempo é ínfimo para que se promova um debate com os diversos segmentos da sociedade. Caberia uma pergunta ao presidente da comissão, ministro Alexandre de Moraes: serão realizadas audiências públicas para fomentar o debate durante este prazo? O ministro deveria responder a esse questionamento.

Importante destacar que o tráfico de drogas é considerado a principal atividade do crime organizado no Brasil. Além disso, é mercado consumidor e rota de drogas dos países andinos para Estados Unidos e Europa, em geral adquiridas em troca de carretas e cargas roubadas nas estradas brasileiras e garantidas por assassinatos de esquadrões de extermínio, próprios ou alugados. Juarez Cirino dos Santos acentua que a resposta estatal contra o crime organizado é baseada por três pontos centrais: i) caráter emergencial, com grande impacto midiático; ii) parte de uma premissa simplista de que crime organizado e narcotráfico são causas da criminalidade, ignorando a relação de determinação entre estruturas de exclusão de sociedades desiguais e criminalidade; e iii) representa resposta simbólica dirigidas à produção de efeitos sociais e psicológicos no imaginário popular, induzindo a ideia de segurança pela percepção ilusória da presença do Estado como garante da lei e da ordem. [4]

Os dois fatos destacados mostram essas características. São medidas que mascaram a solução e não são efetivas, pois não ataca o grande cerce da questão: o grande hiato político-econômico existente na sociedade brasileira. Eleger o inimigo como sendo os sujeitos desprovidos de condições econômicas e culturais é o objetivo maior do sistema de justiça criminal. [5] Zaffaroni, citando Carl Schmitt, mostra o inimigo como o diferente. [6] Os diferentes estão nas periferias, onde o Estado é ausente. Logo, medidas de natureza repressiva não superam o problema da criminalidade. A Lei dos Crimes Hediondos foi sendo, com o passar dos anos, recheada de novos tipos penais, mas a violência não diminui. Ao contrário, aumentou. O sistema é, além de criminogênico, retroalimentado pela reincidência.

Fatos pretéritos mostram que iniciativas desta natureza são ineficazes. É preciso que a comissão nomeada pela Câmara dos Deputados exponha a metodologia a ser adotada para apresentação de um anteprojeto. Já se pode antever que o resultado será inexpressivo diante do pouco tempo para se elaborar uma proposição. Sem um amplo debate com a sociedade fica inviável a adoção de medidas eficazes voltadas para a diminuição da delinquência. O caminho trilhado é o errado. É preciso um verdadeiro banho de cidadania. 


[1] Disponível em http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/SEGURANCA/546680-CAMARA-INSTALA-COMISSAO-DE-JURISTAS-PARA-REVER-PENAS-CONTRA-O-CRIME-ORGANIZADO.html. Acesso em 27 out. 2017.

[2] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Os discursos sobre crime e criminalidade. <http://icpc.org.br/wp-content/uploads/2012/05/os_discursos_sobre_crime_e_criminalidade.pdf>. Acesso em 27 out. 2017.

[3] LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. México: Universidade Iberoamericana, 2002, p. 91. 

[4] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Crime organizado. <http://icpc.org.br/wp-content/uploads/2013/01/crime_organizado.pdf>. Acesso em 27 out. 2017.

[5] SILVA, Rodrigo Medeiros da. Modernidade, direitos humanos e rotulação: os reflexos do “labeling approach” na vida social e na concretização de direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 108.

[6] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Tradução: Sérgio Lamarão. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 21. 

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