Por Alexandre Cesar Toninelo - 23/04/2017
Introdução
A importância do estudo do Direito Indigenista é, em nossa opinião, fundamental, pois no estudo da condição jurídica dos povos indígenas, diversas e candentes questões têm sido suscitadas ao longo de séculos.
Lamentavelmente, a simples existência de um capítulo específico, na Constituição Federal de 1988, dedicado aos índios, não é suficiente para assegurar a efetividade dos seus direitos.
Por isso, para melhor entendimento do tema, buscar-se-á a elaboração, no primeiro capítulo, um panorama acerca da evolução dos direitos dos povos indígenas nas Constituições brasileiras, conforme assinala a cronologia, ocasiões, em que sempre ocorreu uma alteração na estrutura do poder político na história brasileira.
No segundo capítulo, inicia-se com a análise da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e o seu reflexo em relação as Constituições Latino-Americanas no final do século XX, as quais, após o período de redemocratização, reconheceram que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, condição indispensável para a efetividade de uma vida plena e segura.
Outro aspecto relevante e de grande impacto para o “novo” constitucionalismo latino-americano vem a ser representado pela Constituição do Equador de 2008, admitindo direitos próprios da natureza e direitos ao desenvolvimento do “bem viver”.
Assim, o presente artigo tem por objetivo analisar a influência do socioambientalismo sobre o sistema jurídico constitucional latino-americano, enfocando especificamente os dispositivos constitucionais referentes à cultura, ao meio ambiente e aos povos indígenas.
1. O direito dos povos indígenas e o meio ambiente nas Constituições Brasileiras
As relações entre populações indígenas e o meio ambiente são profundas, e implicam tanto a manutenção dos seus usos, costumes e tradições, assim como reconhecimento dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Desde as Cartas Régias, de 30 de julho de 1609 e de 10 de setembro de 1611, as quais foram outorgadas pelo Rei Filipe III, reconheceu-se o direito dos indígenas brasileiros sobre as terras alocadas nos aldeamentos.[1]
Conforme nos ensina Paulo de Bessa Antunes[2], outros exemplos, foram as Cartas de Doação e Forais, expedidas pelos Reis de Portugal, em favor dos donatários das Capitanias Hereditárias e os próprios Regulamentos Gerais, nos quais constavam normas acerca dos direitos indígenas.
Com a proclamação da independência do Estado brasileiro, foi outorgada, a primeira Constituição brasileira, em 25 de março de 1824, pelo Imperador Dom Pedro I, a qual teve como suas principais características: a forma unitária de Estado; Monarquia constitucional como forma de governo; Território brasileiro dividido em províncias; e a existência de quatro poderes políticos: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador, etc.[3] Contudo, a Constituição Política do Império, não dedicou nenhum tratamento em relação as populações indígenas, sendo totalmente omissa.
Como destaca Édis Milaré[4]: “A Constituição do Império, de 1824, não fez qualquer referência à matéria, apenas cuidando da proibição de indústrias contrárias à saúde do cidadão (art. 179, n. XXIV), Sem embargo, a medida já traduzia certo avanço no contexto da época”.
A Constituição Republicana de 1891, também deixou de reconhecer os direitos e garantias fundamentais aos índios, ainda que o debate acerca dos aborígenes esteve presente na Assembleia Constituinte[5], mesmo com a abolição da escravatura[6].
Posteriormente, a Constituição brasileira de 1934, bastante influenciada pela Constituição alemã (de Weimar)[7], trouxe grandes inovações na ordem econômica e social, sendo a primeira a fazer menção aos direitos originários dos indígenas sobre suas terras, conforme estabeleceu o artigo 129: “Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las”.
Da mesma forma, a Constituição Federal de 1937[8], a qual reconheceu e respeitou os direitos dos povos indígenas, nos termos do artigo 154: “Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porém, vedada a alienação das mesmas”.
A proteção aos índios foi respeitada e mantida pela Constituição de 1946, ao tratar das competências legislativas da União, sobre a “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional” (art.5º, inciso XV, alínea “r”) e em relação as disposições gerais (Título IX), também previu a necessidade de ser respeitada a posse das terras dos índios, com a condição de não a transferirem (art. 216).
A Carta autoritária de 1967, outorgada pelo regime militar com a cumplicidade de um Congresso, incluiu entre os bens da União “as terras ocupadas pelos silvícolas” (art. 4º, inciso IV); atribuindo entre as competências da União, a de legislar sobre “nacionalidade, cidadania e naturalização; incorporação dos silvícolas à comunhão nacional” (art. 8º, inciso XVII, letra “o”); e, em seguida, foi “assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes” (art. 186).
Neste caminho, com a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969[9] [10] [11], estabeleceu a competência legislativa da União, em relação a “nacionalidade, cidadania e naturalização; incorporação dos silvícolas à comunhão nacional” (art. 8º, inciso XVII, alínea “o”). Além disso, foi reconhecido pela Junta Militar os seguintes direitos:
Art. 198. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos têrmos que a lei federal determinar, a êles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de tôdas as utilidades nelas existentes.
§ 1º Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas.
§ 2º A nulidade e extinção de que trata o parágrafo anterior não dão aos ocupantes direito a qualquer ação ou indenização contra a União e a Fundação Nacional do Índio.
Em nível internacional, em 1972, foi realizada pelas Nações Unidas (ONU), a Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente, constituindo um marco no pensamento do século XX, ao considerar a variável ambiental em todas as atividades humanas. Dos seus vinte e seis princípios aprovados, estabeleceu a proteção das comunidades indígenas através do princípio 22, senão vejamos:
O Princípio 22 trata dos povos indígenas e outras comunidades locais, com “papel vital no gerenciamento ambiental e no desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e de suas práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar adequadamente sua identidade, sua cultura e seus interesses, e oferecer condições para sua efetiva participação no alcance do desenvolvimento sustentável”[12].
Apesar da pouca participação brasileira na Conferência de Estocolmo[13], ela produziu consequências significativas no Brasil, refletindo na edição da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio), a qual estabelece e regula a situação jurídica dos índios (ou silvícolas e das comunidades indígenas), com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional.
Por outro lado, com o surgimento do socioambientalismo (na segunda metade dos anos 80) e o processo histórico de redemocratização do país, iniciado com o fim do regime militar, em 1984 (SANTILLI, 2005, p. 31), percebeu-se o interesse e a participação efetiva de diversos atores sociais - grupos comunitários, organizações de trabalhadores, igrejas, acadêmicos, pesquisadores, etc. -, na busca pelo aperfeiçoamento da legislação ambiental e a promoção de políticas públicas – transversais - realizadas pelos Estados, como meio de atingir e promover o desenvolvimento sustentável, em busca de uma qualidade de vida mais elevada para todos, inclusive, para as futuras gerações.
Por sua vez, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, foi a mais abrangente, ao dedicar um capítulo específico sobre o meio ambiente (Capítulo VI – Do Meio Ambiente – Art. 225) e outro exclusivo aos povos indígenas (Capítulo VIII – Dos Índios – Arts. 231 e 232).
O texto constitucional contém diversas menções implícitas e explícitas, assegurando a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (CRFB/1988, art. 225).
Não obstante, diversos são os artigos constitucionais voltados para a proteção do meio ambiente (e desenvolvimento) e dos povos indígenas (artigos 1º, inciso III; 3º, incisos III e IV, 4º, incisos II, III e IX; 5º, caput e incisos XXII, XXIII e LXXIII; 20, incisos XI e XX; 22, inciso XIV; art. 24, incisos VI, VII, VIII e IX; 49, inciso XVI; 109, inciso XI; 129, incisos III e V; 176, §2º; 210, §2º; 215, §1º; 225; 231 e 232).
A importância do tema é tanta, que a atual Constituição Federal, nos artigos 215, §1º, 216, 231 e 232, fornece um arcabouço extremamente amplo e favorável, à proteção do conhecimento tradicional associado e ao reconhecimento das terras tradicionalmente ocupadas[14] pelos índios.
Ressalte-se que esta questão foi tratada pela Convenção 169[15], da Organização Internacional do Trabalho (OIT), firmada pelo Brasil, reconhecendo as aspirações desses povos a assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões dentro do âmbito dos Estados onde moram.
Isso porque os direitos e garantias expressos na Constituição Federal, não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (§2º do art. 5º da CRFB/1988).
Sem dúvida nenhuma, por força do artigo 67, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias –ADCT[16], podemos perceber que a demarcação de todas às terras indígenas já deveriam ter sido concluídas, o que infelizmente, ainda não foi cumprido pela União Federal[17].
Conforme assinala Antonio Carlos Wolkmer:
O texto constitucional brasileiro de 1988, ao reconhecer direitos emergentes ou novos direitos (direitos humanos, direitos da criança e do adolescente, do idoso e do meio ambiente) resultantes de demandas coletivas recentes engendradas por lutas sociais, introduziu em seu Título VIII (Da Ordem Social), um capítulo exclusivo aos povos indígenas (arts. 231-232). A norma constitucional em seu art. 131, deixa muito claro seu entendimento nitidamente pluralista e multicultural, no qual “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”[18].
Assim, o processo constituinte brasileiro deu lugar a grandes inovações em relação à tradição constitucional, possibilitando a inserção na Carta Magna de capítulos e de artigos que plantaram as sementes dos chamados “novos” direitos, constituindo também as bases para a evolução do que aqui denominamos “direitos socioambientais”[19].
Em suma, ainda que de forma limitada, percebemos que a chamada “Constituição Cidadã”, inovou em diversos temas, rompendo com os interesses das elites hegemônicas, formadas e influenciadas pela cultura europeia ou anglo-americana (eurocentrismo)[20], tendo como bases de uma organização social e multicultural, deixando muito claro seu entendimento emancipatório, pluralista, coletivo e indivisível.
Fixadas estas diretrizes, o texto constitucional brasileiro refletiu decisivamente nas demais constituições latino-americanas, assegurando a todos os direitos de viver em um meio ambiente sadio e equilibrado, bem como o dever do Estado[21] em garantir a efetividade destes direitos, como podemos perceber no próximo capítulo.
2. O direito dos povos indígenas nas Constituições Latino-Americanas
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como já foi visto, é a que dedicou maior atenção aos povos indígenas, ao inserir um capítulo específico, reconhecendo os índios e o direito originário sobre as terras[22] por eles tradicionalmente ocupadas (Capítulo VIII – Dos Índios – Arts. 231 e 232).
A importância do tema é tanta que a Constituição Federal dedica vários tópicos ao problema. As terras indígenas são, inclusive, tratadas no dispositivo constitucional voltado para a ordem econômica e social. Veja-se o §2º do art. 176, que exige lei específica para o desenvolvimento da atividade garimpeira em terras indígenas.
Aliás, o texto constitucional representou um grande avanço ao assegurar às comunidades indígenas e as “populações tradicionais”[23], o direito a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem (§1º do art. 215 da CRFB/1988), bem como o direito ao ensino fundamental regular em língua portuguesa (§2º do art. 210 da CRFB/1988), introduzindo um novo constitucionalismo de tipo pluralista e multicultural[24].
Como bem observa Antonio Carlos Wolkmer, surge o novo Constitucionalismo Latino-Americano – denominado por alguns de constitucionalismo andino[25], plurinacional ou transformador, do tipo pluralista (final dos anos 80[26] e ao longo dos 90) que pode ser representado pelas Constituições brasileira (1988) e colombiana (1991).[27]
Baseado nesta nova racionalização do pensamento, traduz este resultado através das lutas e das reivindicações populares por um novo modelo de organização do Estado e do direito, que, além de reconhecer, legitimar e ampliar o rol dos direitos fundamentais, possa também efetivá-los no caso concreto (MORAES; FREITAS. 2013, p. 107).
Por sua vez, a Constituição colombiana de 1991, reconhece amplamente os direitos indígenas. Em primeiro lugar, há que se considerar que o art. 7º da Lei Fundamental da Colômbia reconhece e protege a diversidade cultural e étnica da nação colombiana (ANTUNES, 2014, p. 814).
Sob esse aspecto, Dean Fabio Bueno de Almeida (2008, p. 222-223) comenta o assunto:
CONSTITUCIÓN POLÍTICA DE COLOMBIA [...]
Artículo 79. Todas las personas tienen derecho a gozar de um ambiente sano. La ley garantizará La participación de La comunidad em lãs decisiones que puedan afectarlo.
Es deber del Estado proteger la diversidade e integridad del ambiente, conservar las áreas de especial importância ecológica y fomentar la educación para el logro de estos fines. [...]
Artículo 82. Es deber del Estado velar por la protrección de la integridade del espacio público y por su destinación al uso común, el cual prevalece sobre el interés particular.
Las entidades públicas participarán em la plusvalía que genere su acción ubsbanística y regularán la utilización del suelo y del espacio aéreo urbano em defensa del interés común.
O texto constitucional colombiano reconhece e protege o direito de todas as pessoas a usufruírem um meio ambiente sadio, sendo que o dever de assegurar sua efetividade é, também, compartilhado entre o poder público e a comunidade em geral (princípio da participação popular). Em virtude da já destacada relação entre Direito Econômico e Direito Socioambiental, o Estado colombiano guarda a possibilidade (dever) de estabelecer políticas públicas de planificação do manejo e aproveitamento dos recursos naturais, garantindo a concretização do desenvolvimento sustentável[28] e fixando o dever de reparação dos danos causados.
Portanto, isto implica dizer que a implantação de políticas públicas, voltadas para a questão do consumo e do meio ambiente, são fundamentais para a sociedade, na busca da democracia plena, em benefício das gerações futuras.
Em suma, esse novo tipo de democracia promove a participação direta do povo na elaboração e aprovação da constituição, como também no controle dos poderes estatais e das decisões tomadas pelos representantes políticos (MORAES; FREITAS. 2013, p. 107).
Outro exemplo de Constituição que reconhece o caráter multiétnico - do tipo pluralista – é a Constituição Bolivariana da Venezuela de 1999.
Citamos alguns aspectos revelados pelo Professor Dean Fabio Bueno de Almeida (2008, p. 234-235):
CONSTITUCIÓN DE LA REPÚBLICA BOLIVARIANA DE VENEZUELA [...]
Artículo 112. Todas las personas pueden dedicarse libremente a la actividad econômica de su preferência, sin más limitaciones que las previstas em esta Constitución y las que establezcan lãs leyes, por razones de desarrollo humano, seguridad, sanidad, protección del ambiente u otras de interes social. El Estado promoverá la iniciativa privada, garantizando la creación y justa distribución de La riqueza, así como la producion de bienes y servicios que satisfagan lãs necessidades de la población, la libertad de trabajo, empresa, comercio, industria, sin perjuicio de su facultad para dictar medidas para planificar, racionalizar y regular la economia e impulsar el desarrollo integral del país. [...]
Artículo 128. El Estado desarrollará uma política de ordenación del território atendiendo a lãs realidades ecológicas, geográficas, poblacionales, sociales, culturalres, econômicas, políticas, de acuerdo com las premisas del desarrollo sustentable, que incluya la información, consulta y partcipación ciudadana. Una ley orgânica desarrollará los princípios y critérios para este ordenamiento. [...]
Finalmente, as Constituições da República Oriental do Uruguai e da República Bolivariana da Venezuela manifestam-se pelo reconhecimento dos direitos socioambientais, sendo que ambas se comprometem a proteger o meio ambiente, entendido como sendo de interesse geral (...). Já a Constituição venezuelana, esta manifesta-se no sentido de conciliar o funcionamento do livre mercado com o compromisso do desenvolvimento humano e a preservação do meio ambiente. A partir de uma responsabilidade compartilhada entre o poder público e a coletividade em geral (que deve ser sempre informada e consultada), o desenvolvimento econômico deve ser implementado paralelamente ao bem-estar geral e ao desenvolvimento integral do país. Atento aos fatores determinantes da realidade concreta, o Estado deve efetivar políticas públicas que atendam às realidades ecológicas, geográficas, populacionais, sociais, culturais, econômicas e políticas, acompanhando as premissas inerentes ao desenvolvimento sustentável.
Antonio Carlos Wolkmer (2013, p. 31) vai mais além:
Nesse aspecto, as inovações do constitucionalismo democrático-popular venezuelano estão regulamentadas na Constituição, em seu Capítulo IV (Dos Direitos Políticos e do Referendo Popular). Tal participação popular que mescla representação com democracia participativa, dispõe nos art. 62 (sobre a “participação do povo na formação, execução e controle da gestão pública...”) e art. 70 (sobre o exercício da participação popular mediante: “o referendo, a consulta popular, a revogação do mandato, a iniciativa legislativa, constitucional e constituinte, o conselho aberto e a assembléia de cidadãos e cidadãs cujas decisões serão de caráter vinculante...”). Certamente o marco inovador e de maior impacto da “Constituição bolivariana” está no seu art. 136, ao introduzir um Poder Público Nacional, dividido em cinco poderes independentes: Legislativo, Executivo, Judicial, Cidadão (art. 273) – é a instância máxima – e o Poder Eleitoral. Este Poder Cidadão é exercido por um Conselho Moral Republicano (arts. 273 e 274), que é eleito e constituído pela Defensoria Pública, Ministério Público e Controladoria Geral da República. Dentre suas inúmeras responsabilidades, está a de estimular a observância e o respeito aos direitos humanos (art. 278). Por fim, mas não menos importantes, os temas relacionados aos direitos dos povos indígenas (Capítulo VIII, art. 119 e ss.) e os direitos relacionados aos bens comuns naturais (Capítulo IX, art. 127 e ss.) e culturais (Capítulo VI, art. 98 e ss.), enquanto bens necessários à própria sobrevivência.
Daí a fundamental importância da participação[29] popular na tomada das decisões nas questões ambientais, em prol do bem comum[30], devendo contribuir para a redução das desigualdades sociais e promover valores como justiça, ética[31] e equidade social.
Uma terceira etapa contemporânea que representa o chamado “novo constitucionalismo latino-americano”, passa a ser aquela representada pelas recentes e vanguardistas Constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009)[32].
O Equador tornou-se a primeira nação do mundo ao reconhecer os “direitos da natureza”, e um ano mais tarde a Bolívia seguiu o exemplo. A emenda constitucional equatoriana diz que a natureza tem o direito “ao respeito absoluto, à existência e à manutenção e regeneração dos seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolucionários”[33].
Conforme destaca Dean Fabio Bueno de Almeida (2008, p. 225-226):
CONSTITUCIÓN POLÍTICA DE ECUADOR
Art. 86.- El Estado protegerá el derecho de la población a vivir en un medio ambiente sano y ecológicamente equilibrado, que garantice un desarrollo sustentable. Velará para que este derecho no sea afectado y garantizará la preservación de la naturaleza.
Se declaran de interés público y se regularán conforme a la ley:
1. La preservación del medio ambiente, la conservación de los ecosistemas, la biodiversidad y la integridad del patrimonio genético del país.
2. La prevención de la contaminación ambiental, la recuperación de los espacios naturales degradados, el manejo sustentable de los recursos naturales y los requisitos que para estos fines deberán cumplir las actividades públicas y privadas.
3. El establecimiento de un sistema nacional de áreas naturales protegidas, que garantice la conservación de la biodiversidad y el mantenimiento de los servicios ecológicos, de conformidad con los convenios y tratados internacionales.
Art. 87.- La ley tipificará las infracciones y determinará los procedimientos para establecer responsabilidades administrativas, civiles y penales que correspondan a las personas naturales o jurídicas, nacionales o extranjeras, por las acciones u omisiones en contra de las normas de protección al medio ambiente.
Art. 88.- Toda decisión estatal que pueda afectar al medio ambiente, deberá contar previamente con los criterios de la comunidad, para lo cual ésta será debidamente informada. La ley garantizará su participación. [...]
A proteção do patrimônio natural e cultural apresenta-se como questão primordial ao lado do compromisso com o desenvolvimento sustentável. A partir disso, evidencia-se o reconhecimento do direito de todos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, o que justifica a limitação de determinados direitos e liberdades, na proteção do meio ambiente (natural, cultural, artificial e laboral). Por se tratar de direito público é dever do Estado sua proteção, que se implementa mediante a regulamentação das responsabilidades administrativa, penal e civil, no caso de ocorrer dano ambiental, cometido por pessoa física ou jurídica, de direito público ou de direito privado. Mais uma vez o princípio da participação popular se faz presente, somando-se ao reconhecimento do pluralismo jurídico, quando se impõe às decisões do poder público a obrigação de se sujeitar previamente a critérios da comunidade, cuja participação é assegurada por lei. A indissociabilidade da natureza e da cultura é evidente no texto constitucional equatoriano. Destaca-se o reconhecimento da realidade como um todo complexo interrelacionado, onde não se admite a simplificação mental que lhe fragmenta justamente por esta não possuir qualquer identidade com a realidade. Nesse sentido, é possível afirmar que as normas socioambientais são essencialmente voltadas para uma relação social e não a uma assistência à natureza. Seu objetivo é ver o ser humano em todas as dimensões de sua humanidade.
Como vimos, o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas encontra-se em diferentes estágios, nos diversos países, existindo uma tendência à construção de uma legislação admitindo direitos próprios da natureza e direitos ao desenvolvimento do bem viver.
Dito em outras palavras por Antonio Carlos Wolkmer (2013, p. 33):
Outro ponto que chama a atenção é o fortalecimento do princípio da interculturalidade na esfera do direito à educação. Assim fica clara a interculturalidade expressa no art. 28 do Texto de 2008, em que “é direito de toda a pessoa e comunidade interagir entre culturas e participar em uma sociedade que aprende. O Estado promoverá o diálogo intercultural em suas múltiplas dimensões”. Porém, as consagrações de maior impacto estão presentes nos capítulos sétimo do título II, sobre os princípios (arts. 12-34) e o regime dos direitos do “bem viver” (arts. 340-394), bem como sobre dispositivos acerca da “biodiversidade e recursos naturais” (arts. 395-415), ou seja, sobre o que vem a ser denominado “direitos da natureza”.
Como vimos, dentre as inovações introduzidas pela Constituição do Equador de 2008, destaca-se o reconhecimento dos direitos de Pachamama (Derechos de la naturaleza), no cenário maior de constitucionalização do sumak kawsay como direitos do bem viver (MORAES; FREITAS. 2013, p. 108).
Analisando o tema, vale transcrever as lições de Frederico Augusto Di Trindade Amaro (2015, p. 8):
“Nova constituição do Equador prevê natureza como sujeito de direitos
Carta valoriza raízes ancestrais do povo com a ´pacha mama´
A Constituição equatoriana de 2008 coloca a natureza como sujeito de direitos, sendo a primeira constituição a prever desta forma. O tema foi desenvolvido pela coordenadora do projeto Direito e Mudanças Climáticas nos países Amazônicos no Equador e presidente do CEDA, Maria Amparo Albán, na oficina para Juízes realizada em Quito, no dia 18 de agosto. O Reconhecimento de direitos da natureza está previsto no cap. VII, art. 71 e seguintes. Na avaliação de Amparo, uma das novidades é que o direito constitucional equatoriano considera o meio ambiente como eixo que rege as funções sociais e econômicas. O crescente temor pela saturação da capacidade de carga do planeta, principalmente o aspecto climático suscitou perguntas sobre os limites necessários para garantir o bem-estar do ser humano. “O ´bom viver´ surge na Constituição como uma nova ordem ou limite de desenvolvimento assim como uma reivindicação por parte de grupos socialmente postergados que revalorizam suas raízes ancestrais. (...) O art. 71 utiliza o termo “pacha mama” ou mãe terra, termo das nações quíchuas que reconhece a deidade aborígine como a gestora de todas as funções naturais, evolutivas e ecológicas e reconhece a categoria de sujeito de direitos. (...). (Grifos no original).
Ou seja, a mais importante novidade jurídica na atual Constituição Equatoriana, decorre da possibilidade de que a natureza seja considerada sujeito de direitos e não mais, objeto. Todos os seres vivos, e não apenas os humanos, como parte da natureza, de igual modo, titularizariam direitos (MORAES; FREITAS. 2013, p. 116).
Nesse sentido, Alberto Acosta (2016, p. 201) afirma que:
O Buen Vivir, na realidade, se apresenta como uma oportunidade para construir coletivamente novas formas de vida. O Buen Vivir não é uma originalidade nem uma novidade dos processos políticos do início do século XXI nos países andinos. Nem é uma espécie de superstição ou poção mágica para todos os males do mundo. O Buen Vivir é parte de uma grande busca de alternativas de vida forjadas no calor das lutas da humanidade pela emancipação e pela vida. O que é notável e profundo nestas propostas é que estas surgem de grupos tradicionalmente marginalizados. Elas convidam a arrancar pela raiz vários conceitos considerados indiscutíveis. Questionam a ética do “viver melhor” na medida em que supõem um progresso ilimitado que nos convida a uma competição permanente entre os seres humanos. Este é um caminho seguido até agora, que permitiu a alguns viver “melhor” enquanto milhões de pessoas tiveram e ainda têm que “viver mal”. Para entender o que significa o Buen Vivir, que não pode ser simplesmente associado ao “bem-estar ocidental”, é preciso começar recuperando a cosmovisão dos povos e nacionalidades autóctones. Este reconhecimento, plenamente, não significa negar uma modernização própria da sociedade, incorporando na lógica do Buen Vivir muitos e valiosos avanços tecnológicos. Tampouco se marginalizam contribuições importantes do pensamento da humanidade, que estão em sintonia com a construção de um mundo harmônico, como se deriva da filosofia do Buen Vivir. Por esta razão, uma das tarefas fundamentais reside no diálogo permanente e construtivo de saberes e conhecimentos ancestrais com a parte mais avançada do pensamento universal, em um processo de continua descolonização da sociedade.
É preciso compreender que esta Constituição veio romper diversos paradigmas, ao estabelecer que o antropocentrismo[34] cedeu lugar ao ecocentrismo[35], fazendo com que a humanidade percebe-se a mudança de consciência, de maneira a assegurar simultaneamente o bem-estar das pessoas e a sobrevivência das espécies, plantas, animais e dos ecossistemas.
Outra importante Carta Constitucional na proteção ao meio ambiente foi a Constituição da Bolívia de 2009, a qual também reconhece o caráter multiétnico e multicultural de seu povo[36].
Dean Fabio Bueno de Almeida (2008, p. 218-219) comenta o tema:
REPÚBLICA DE BOLIVIA, CONSTITUCIÓN POLÍTICA DEL ESTADO
Artículo 171º. [...]
I. Se reconocen, se respetan y protegen em el marco de la ley, los derechos sociales, econômicos y culturales de los pueblos indígenas que habitan em el território nacional, especialmente los relativos a sus tierras comunitárias de origen, garantizando el uso y aproveichamiento sostenible de los recursos naturales, a su identidad, valores lenguas, costumes e instituciones.
II. El Estado reconoce la personalidad jurídica de las comunidades indígenas y campesinas y de lãs asociaciones y sindicadtos campesinos.
III. Las autoridades naturales de las comunidades indígenas y campesinas podrán ejercer funciones de administración y aplicación de normas propias como solución alternativa de conflitos, em conformidade a sus costumbres y procedimentos, siempre que no sean contrarias a esta Constitución y las leyes. La ley compatibilizará estas funciones com las atribuciones de los Poderes del Estado.
Artículo 172º. El Estado fomentará planes de colonización para el logro de uma racional distribuión demográfica y mejor explotación de la tierra y los recursos naturales del país, contemplando prioritariamente las áreas fronterizas. [...]
Quanto à Constituição boliviana, esta demonstra, nos dispositivos em questão, uma clara preocupação com o reconhecimento e a proteção do multiculturalismo e até mesmo do pluralismo jurídico, ao erigir a condição de preceito fundamental os direitos sociais, econômicos e culturais dos povos indígenas, inclusive com a possibilidade de que estes venham a aplicar suas próprias normas como solução alternativa de conflitos. [...].
Assim, a Constituição Boliviana inovou ao trazer a proteção ambiental vinculada aos direitos das nações e povos indígenas (campesinos originários) -, ao assegurar especificamente, os direitos sociais, econômicos e culturais.
Como é possível observar, em todos os Estados latino-americanos fizeram constar de suas Constituições dispositivos pertinentes à proteção jurídico ambiental, que garantem um meio ambiente ecologicamente equilibrado para a garantia das presentes e futuras gerações.
Conclusão
As Constituições do Brasil (1988), da Colômbia (1991), da Venezuela (1999), do Equador (2008) e da Bolívia (2009), manifestam-se pelo reconhecimento dos direitos socioambientais, sendo que todas se comprometem a proteger o meio ambiente, tendo como compromisso o desenvolvimento humano, a partir de uma responsabilidade compartilhada entre o poder público e a coletividade em geral.
Mesmo constando em todas as Constituições Latino-Americanas o direito dos povos indígenas, e demais leis infraconstitucionais de cada Estado, percebemos a dificuldade de leis uniformes, que tratem sobre os direitos coletivos, considerando os processos ambientais globais, que afetam a humanidade no seu conjunto e que ultrapassam as fronteiras nacionais e os espaços comunitários locais.
Ademais, os graves problemas fundiários existentes no Brasil e nos demais países da América Latina, igualmente, não podem ser solucionados sem que se resolvam os problemas relativos às terras indígenas.
Não podemos esquecer, que os movimentos indígenas – socioambientais – estão tendo um papel primordial nos processos de legitimação dos seus direitos, através de suas lutas de resistência e suas formas de organização política, na defesa do seu patrimônio de recursos naturais e culturais.
Em resumo, deve-se registrar, ainda, que somente se efetivará a preservação ambiental através da sustentabilidade, em todas as suas dimensões e isso somente será possível mediante a promoção de canais participativos e o resgate do dever ético de responsabilidade pela preservação da vida.
Notas e Referências:
[1] AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito ambiental esquematizado. 6 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2015, p.920.
[2] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 1341.
[3] PINHO, Rodrigo César Rebello. Da organização do Estado, dos poderes e histórico das constituições. v. 18. 6 ed. – São Paulo: Saraiva, 2005, p. 151-152.
[4] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 9 ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 168.
[5] ANTUNES. op. cit., p. 1341.
[6] Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888. (Declara extinta a escravidão no Brasil).
[7] PINHO. op. cit., p. 155.
[8] Essa Constituição é conhecida como “A Polaca”, dada a influência que recebeu da Constituição da Polônia. Ibidem, p 157.
[9] Foram tantas as modificações introduzidas por essa emenda constitucional na lei de organização básica do Estado brasileiro que prevaleceu o entendimento de que se tratava de uma nova Constituição. Como aponta José Celso de Mello Filho, “a questão da cessação da vigência da Carta de 1967, e sua consequente substituição por um novo e autônomo documento constitucional, perdeu o seu caráter polêmico, em face da decisão unânime do STF, reunido em sessão plenária, que reconheceu, expressamente, que a Constituição do Brasil de 1967, está revogada (RTJ, 98:952-63).” Ibidem, p. 162.
[10] A Emenda 1, de 1969, equivale a uma nova Constituição, pela sua estrutura e pela determinação de quais dispositivos anteriores continuaram em vigor, como num processo de recepção parcial expressa da Constituição de 1967 pela Emenda de 1969. Formalmente, porém, continuava em vigor a Constituição de 1967, com as manutenções e alterações da Emenda 1. FÜHRER, 2002, p. 58.
[11] As demais constituições brasileiras (1937, 1946, 1967 e 1969) representaram sempre um Constitucionalismo de base não-democrática (no sentido popular), sem a plenitude da participação do povo, utilizado muito mais como instrumental retórico de uma legalidade individualista, formalista e programática. WOLKMER, 2003, p. 112.
[12] GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2011, p. 51.
[13] SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos – São Paulo: Petrópolis, 2005, p. 28.
[14] O conceito jurídico de terra tradicionalmente ocupada pelos índios tem os seus alicerces no próprio corpo da Constituição: a) são as terras utilizadas para atividades produtivas; as imprescindíveis para a preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar dos índios e as necessárias à reprodução física e cultural, segundo os seus usos, costumes e tradições (§1º do art. 231 da CRFB/1988); b) são as destinadas à posse permanente dos índios, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes (§2º do art.231 da CRFB/1988). In: ANTUNES. op. cit., p. 1353.
[15] A Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho, sobre Povos Indígenas e Tribais, já foi ratificada pelo Congresso Nacional. Ela substitui a Convenção 107 da OIT, que adotava uma orientação integracionista, claramente superada pela Convenção 169, cujo princípio é o respeito a culturas, costumes e leis tradicionais dos povos indígenas e tribais e sua proteção. Garante aos povos indígenas o direito de decidir sobre suas prioridades em relação ao processo de desenvolvimento e de gerir, na medida do possível, seu desenvolvimento econômico, social e cultural. Utiliza a expressão “povos”, ressalvando que ela não deve ser interpretada no sentido conferido pelo Direito Internacional, ou seja, no sentido de formação de Estados próprios. Tanto a Organização das Nações unidas como a Organização dos Estados Americanos estudam a elaboração de declarações internacionais sobre os direitos indígenas. Cf. SANTILLI. op. cit., p. 136.
[16] CRFB/1988. TÍTULO X - ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. Art. 67. A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição.
[17] Além das terras indígenas tradicionalmente ocupadas e indispensáveis à sua subsistência, às quais os índios têm direito congênito, a União poderá estabelecer, em qualquer parte do território nacional, áreas destinadas à posse e ocupação pelos índios, onde possam viver e obter meios de subsistência, com direito ao usufruto e utilização das riquezas naturais e dos bens nelas existentes, respeitadas as restrições legais, que não se confundem com as de posse imemorial das tribos indígenas. AMADO. op. cit., p. 927.
[18] WOLKMER, Antonio Carlos. “Pluralismo crítico e perspectivas para um novo Constitucionalismo na América Latina.” In: WOLKMER, Antonio Carlos; MELO, Milena Petters. (Orgs.). – Constitucionalismo Latino-Americano: tendências contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2013, p. 27-28.
[19] SANTILLI. op. cit., p. 59.
[20] Sem a transposição do eurocentrismo (atualmente, euro-norte-americano), a produção do conhecimento continua atrelada a uma perspectiva excludente, dominadora, alienada e absolutamente descomprometida de qualquer compromisso ético de responsabilidade com o Outro, fundamento do Direito Socioambiental que pretendemos descrever. Cf. ALMEIDA, Dean Fabio Bueno de. Direito socioambiental: o significado da eficácia e da legitimidade. 1 ed. (ano 2003), 3 reimpr. – Curitiba: Juruá, 2008, p. 41.
[21] Não cabe, pois à Administração deixar de proteger e preservar o meio ambiente a pretexto de que tal não se encontra entre suas prioridades públicas. Repita-se, a matéria não mais se insere no campo da discricionariedade administrativa. O Poder Público, a partir da Constituição de 1988, não atua porque quer, mas porque assim lhe é determinado pelo legislador maior. MILARÉ. op. cit., p. 175.
[22] Os territórios indígenas correspondem a 12% do território nacional e a 21% da Amazônia Legal e têm o dobro da extensão das unidades de conservação federais e, portanto, não podem ficar de fora das políticas de conservação e uso sustentável da biodiversidade. SANTILLI, Juliana. Unidades de conservação da natureza, territórios indígenas e de quilombolas: aspectos jurídicos. In: RIOS, Aurélio Virgílio Veiga; IRIGARAY, Carlos Teodoro Hugueney. (Orgs.). O Direito e o desenvolvimento sustentável: curso de direito ambiental. – São Paulo: Petrópolis, 2005, p. 196.
[23] De acordo com o art. 3º, inciso I, do Decreto nº 6.040/2007, compreende-se por povos e Comunidades Tradicionais, os grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm. Acesso em: 27/02/2017.
[24] O multiculturalismo permeia todos os dispositivos constitucionais dedicados à proteção da cultura. Está presente na obrigação do Estado de proteger as manifestações culturais dos diferentes grupos sociais e étnicos, incluídos indígenas e afro-brasileiros, que formam a sociedade brasileira, e de fixar datas representativas para todos esses grupos. Vislumbra-se a orientação pluralista e multicultural do texto constitucional no conceito de patrimônio cultural, que consagra a ideia de que este abrange bens culturais referenciadores dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, e no tombamento constitucional dos documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. É a valorização da rica sociodiversidade brasileira, e o reconhecimento do papel das expressões culturais de diferentes grupos sociais na formação da identidade cultural brasileira. In: SANTILLI. op. cit., p. 75.
[25] A Comunidade de Países Andinos, formada pela Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela, é um bloco de países que, dentro da América Latina, destaca-se pela imensa participação da população indígena em todo o seu contingente populacional. Em verdade, muitos desses países têm, explicitamente, reconhecido o caráter multiétnico de seus povos. Esse fato faz com que os países integrantes da comunidade andina sejam muito atuantes na defesa dos interesses das comunidades locais e indígenas e que, em função disso, as medidas que vieram a adotar em matéria de defesa dos conhecimentos tradicionais associados à diversidade biológica sejam bastante importantes e merecedores de atenção. Cf. ANTUNES. op. cit., p. 811.
[26] O Movimento de Justiça Ambiental constituiu-se nos EUA nos anos 1980, a partir de uma articulação criativa entre lutas de caráter social, territorial, ambiental e de direitos civis. Já a partir do final dos anos 1960, haviam sido redefinidos em termos “ambientais” os embates contra as condições inadequadas de saneamento, de contaminação química de locais de lixo tóxico e perigoso. In: ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é Justiça Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009, p. 17.
[27] WOLKMER op. cit., p. 29-30.
[28] O desenvolvimento sustentável é definido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento como “aquele que atende às necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”, podendo também ser empregado com o significado de “melhorar a qualidade de vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas”. In: MILARÉ, 2014, p. 64.
[29] A participação nas controvérsias ambientais liga-se inseparavelmente à ideia de democracia e de legitimação do exercício do poder. Por oposição a um conceito envelhecido de gestão burocrática, implica a abertura dos processos decisórios a uma pluralidade de sujeitos, portadores de múltiplos interesses, que querem atuar, tomar parte das decisões, influir no seu resultado de forma construtiva e a partir de posições autônomas. Trata-se de tornar o direito ao meio ambiente em direito de participação, de modo que a tutela ambiental não seja relegada apenas a instâncias públicas, mas também aos cidadãos diretamente. É claro que esse ideal comporta um sem-número de dificuldades, as quais não podem ser minimizadas. Não obstante, defender o argumento oposto resulta o abandono dos valores que sustentam o projeto de um Estado Democrático de Direito. Cf. SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. Risco ecológico abusivo: a tutela do patrimônio ambiental nos processos coletivos em face do risco socialmente intolerável. Caxias do Sul: EDUCS, 2014, p.267.
[30] O planejamento e o gerenciamento do meio ambiente são, assim, compartilhados entre Poder Público e Sociedade, já que o meio ambiente, como fonte de recursos para o desenvolvimento da humanidade, é, por suposto, umas das expressões máximas do “bem comum”. In: MILARÉ, 2014, p. 215.
[31] Por Ética entenderemos, aqui, a ciência ou o tratado dos costumes que, pelo seu caráter eminentemente prático, pode definir-se como exercício dos bons hábitos e comportamentos morais, quer na vida individual, quer na social. A Ética Ambiental realiza esse intento regulando as relações humanas (individuais, profissionais, sociais, institucionais e políticas) com o ecossistema do planeta terra. Ibidem, p. 148-149.
[32] Cf. WOLKMER, 2013, p. 32.
[33] BARLOW, Maude. Água – Futuro Azul. Como proteger a água potável para o futuro das pessoas e do planeta para sempre. São Paulo: M. Books do Brasil Editora Ltda., 2015, p. 185.
[34] Culturalmente, salvo as linhas teocêntricas ainda adotadas por muitos países (notadamente orientais), o Direito é tradicionalmente informado por uma visão antropocêntrica, ou seja, o homem é o ser que está no centro do Universo, sendo que todo o restante gira ao seu redor. Por essa linha, a proteção ambiental serve ao homem, como se este não fosse integrante do meio ambiente, e os outros animais, as águas, a flora, o ar, o solo, os recursos minerais não fossem bens tuteláveis por si sós, autonomamente, independentemente da raça humana. In. AMADO. op cit. p. 5.
[35] Sabemos que os seres naturais não humanos não são capazes de assumir deveres e reivindicar direitos de maneira direta, explícita e formal, embora sejam constituintes do ecossistema planetário, tanto quanto o é a espécie humana. A Ciência não tem força impositiva ou de coação; por isso exige que o Direito tutele o ecossistema planetário. Tal exigência baseia-se no fato de que o mundo natural tem seu valor próprio, intrínseco e inalienável, uma vez que ele é muito anterior ao aparecimento do Homem sobre a Terra. As leis do Direito Positivo não podem ignorar as leis do Direito Natural. Luc Ferry, o filósofo da União Europeia, presta-nos o seu depoimento: “Nessa perspectiva, muito presente no mundo anglo-saxão, onde dá fundamento ao imenso movimento dito de ´libertação animal´, todos os seres suscetíveis de prazer e dor devem ser tidos como sujeitos de direito e tratados como tais. Diante disso, do ponto de visto do antropocentrismo se encontra já abalado, uma vez que os animais estão a partir de agora incluídos, pelo mesmo motivo que os homens, na esfera das preocupações morais”. Apud MILARÉ. op. cit. p. 111.
[36] Cf. ANTUNES. op. cit., p. 813.
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. Alexandre Cesar Toninelo é aluno não regular do Mestrado em Direito Ambiental da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Especialista em Direito Público pela Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC). Graduado em Direito pela Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC). Advogado. .
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