A Lei Maria da Penha, inserida em nosso ordenamento jurídico em 2006, representa um marco fundamental na luta contra a violência doméstica no Brasil. Embora muitas vezes associada apenas à proteção das mulheres, é crucial que todos, incluindo os homens, compreendam sua importância e abrangência. Mais do que uma norma jurídica, lei reflete uma mudança cultural e social, visando promover o respeito, a igualdade de gênero e a convivência pacífica. Para os homens, entender os direitos e deveres previstos neste importante diploma legal é essencial não apenas para evitar práticas violentas, mas também para atuar como aliados na construção de uma sociedade mais justa e segura para todos.
Está enraizado em nossa cultura e sociedade o pensamento de que mulheres devem agir de determinada maneira, e os homens de outra. Desde pequenos os meninos são incentivados a valorizar a força física, e resolver os problemas com agressão. Por outro lado, as meninas são reconhecidas por sua delicadeza, submissão. Esse tipo de “padrão” estereotipado entre o que é esperado das mulheres e dos homens coloca as mulheres em posição desvantajosa na sociedade, e isso também é o machismo.
A Lei Maria da Penha foi criada e inserida em nosso ordenamento jurídico para responder a um problema grave, qual seja, a violência contra as mulheres. Neste sentido, estudos indicam que a maior parte dos assassinatos de mulheres (feminicídios) e de violências que elas sofrem resultam de ações de pessoas da própria casa. No Brasil, cerca de 80% dos casos de agressão contra mulheres foram cometidos por parceiros ou ex-parceiros. Até 2013, ocorreram no Brasil mais de 100.000 assassinatos de mulheres, sendo que as estatísticas indicam que esse número aumenta a cada ano – mesmo após a criação da Lei nº 11.340/2006.
Ao contrário do que muitos homens pensam, a Lei Maria da Penha, não “favorece” as mulheres, mas serve de garantia de que elas tenham o mesmo direito que os homens, bem como de proteção para não sofrerem violência. Portanto, a criação da referida Lei não significa que os homens estejam desamparados pela Justiça, nem mesmo que existe uma proteção excessiva para a mulher.
Assim, como qualquer cidadão, o homem que tiver seus direitos violados pode registrar ocorrência policial na delegacia, nos termos do Código Penal Brasileiro, existe punição para a mulher que agride fisicamente seu parceiro, qual responde pelo crime de lesão corporal (artigo 129, §9º do CPB). Ainda, caso o homem se sinta perseguido pela mulher, há a previsão de crime segundo refere o artigo 147-A do CPB, que também se aplica aos homens. Ademais, em determinados casos se for adequado e necessário existem medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal que, por exemplo, proíbe de manter contato com determinada pessoa. Por outro lado, caso a mulher faça uma denúncia falsa, poderá responder por crime de calúnia, denunciação caluniosa e comunicação falsa de crime. Contudo, para que haja responsabilização por esses crimes é preciso que exista provas suficientes.
Importante destacar, que nos casos de violência entre casais, na maioria das vezes as agressões são cometidas pelo homem contra a mulher, por isso foi criada uma lei especial sobre o assunto. A cultura do machismo e da desigualdade de gênero resulta em violência e tem conseqüências devastadoras para as mulheres, mas também os próprios homens. Nesse viés, é necessário entender que as “Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor” têm o objetivo de diminuir a violência para que se evite novas agressões e conscientizem que determinados atos caracterizam violência doméstica e familiar. Por isso, além da conscientização para que não ocorra violência de qualquer espécie, é fundamental que os homens sejam orientados de como proceder antes, durante e após a decretação das medidas protetivas.
O estabelecimento de Medidas Protetivas de Urgência não significa necessariamente que o homem foi considerado culpado ou julgado pela Justiça, na verdade, se trata de formas de se evitar que uma violência aconteça ou se repita. Na lei existem várias medidas, como por exemplo o afastamento do lar; proibição de aproximação ou qualquer tipo de contato com a vítima; proibição de frequentar certos lugares e a participação em grupos reflexivos.
Uma das Medidas Protetivas de Urgência que gera mais dúvidas é com relação a que proíbe aproximação e contato com a mulher. Os homens precisam entender que a proibição é de qualquer tipo de contato seja por telefone, redes sociais ou através de outras pessoas (recados, cartas, bilhetes etc.). As medidas protetivas são ordem judicial, portanto, devem ser respeitadas e cumpridas. Caso haja descumprimento, fica caracterizado crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência, previsto no Art. 24-A da Lei Maria da Penha – e o homem pode até mesmo ser preso por isso. Outra dúvida que sempre surge é quando o homem deseja ver os filhos, havendo medida protetiva proibindo contato do homem com a mulher. A orientação é que ele deverá pedir auxílio de outra pessoa para isso (familiar, vizinho ou amigo, por exemplo). Além disso, deverá procurar um advogado ou um Defensor Público, para uma ação judicial que defina a guarda, direito de visitas aos filhos. Esta é uma atitude importante para evitar novos conflitos e que respondam pelo crime de desobediência às medidas protetivas.
Por outro lado, é muito comum ocorrer da vítima se arrepender e querer, que o casal volte à convivência. Nestes casos, o cancelamento de uma medida de proteção pode ser feito, desde que seja justificável, por meio de uma petição escrita ao juiz que concedeu a medida. O homem deverá aguardar a decisão do(a) juiz(a) de revogação das medidas protetivas – mesmo que a mulher já tenha comunicado sua vontade de voltar a ter contato, pois em alguns casos, o juiz pode manter a medida mesmo contra a vontade da mulher, na medida em que, é dever do Estado proteger a quem se encontra em risco.
Em relação ao tempo de duração das medidas protetivas de urgência, destaca-se, que geralmente, essas medidas têm prazo determinado, que pode ser de 3 meses a 1 ano, por exemplo. Após o término do prazo, é possível que a medida seja renovada, caso seja necessário, mediante pedido do Ministério Público ou da própria vítima.
Imperioso é justamente despertar e envolver os homens para entender as conseqüências de seus atos e envolvê-los no combate das mais diversas formas de violência contra as mulheres, uma vez que o ato físico não é a única expressão. A eliminação da violência de gênero depende de que os homens participem ativamente da luta, através de diálogos e ações. E por isso trazemos como sugestão algumas atitudes que podem ser tomadas para se evitar violência e ajudar a tomar as decisões certas:
- Repensar sobre os papeis do homem e da mulher e lembrar-se que a violência de todas as formas traz conseqüências negativas para toda a família e sociedade;
- Conhecer-se;
- Controlar a raiva e pedir ajuda;
- Desabafar com uma pessoa próxima, não é uma tarefa fácil, pois os homens normalmente aprendem desde cedo que demonstrar ou falar sobre sentimentos "não é coisa de homem". Mas isso é um mito! Na verdade, conhecer a si mesmo e falar sobre o que sente (sem agredir) são atitudes maduras e inteligentes, muito mais eficientes para resolver os problemas;
- Saber conversar, e explicar o que deseja ou precisa sem: culpar, humilhar, acusar ou atacar o outro;
- Ser tolerante e ter respeito com as mulheres. reconhecer os próprios erros e dificuldades também é um sinal de inteligência e respeito pelo outro.
Infelizmente, algumas ideias ainda são disseminadas criando mitos que são profundamente prejudiciais, dessa forma, é fundamental compreender que nenhuma justificativa pode legitimar atos violentos contra a mulher. A culpabilização das vítimas pela violência sofrida é um dos atos mais comuns. Mas, a verdade é que as mulheres que enfrentam violência doméstica não o fazem por escolha ou provocação, muito ao contrário, muitas passam anos tentando evitar agressões para proteger a si mesmas e seus filhos.
Outro mito, é que o uso do álcool ou de outras drogas pode ser usado como justificativa para a violência. Se o homem perceber que tem um desses problemas, deve procurar ajuda, pois a violência entre os adultos atinge também as pessoas que convivem com eles, como vizinhos, parentes e principalmente os filhos. Em relação aos filhos as consequências são mais graves, além de dar o exemplo negativo do uso da violência como forma de lidar com os conflitos sérios problemas emocionais, sentidos pelas crianças.
A violência cometida contra mulheres é um problema de toda a sociedade, ou seja, “em briga de marido e mulher, deve sim meter a colher”, os efeitos dessa violência trazem impacto não só para as partes, mas também o Estado, como por exemplo, os gastos com todos os procedimentos que precisam ser feitos, além dos atendimentos médicos.
O mito de que os homens são mais agressivos por natureza e por isso não conseguem se controlar quando sentem raiva não é justificativa, uma prova de que isso não verdade é que os homens normalmente não agridem o chefe, o policial ou o juiz (e sim a parceira, os filhos ou os animais de estimação). Todos os seres humanos podem aprender formas positivas de controlar e lidar com a própria raiva e todos são responsáveis pelo combate à violência. Se você precisa de ajuda para aprender formas de controlar a raiva e lidar com os conflitos familiares, procure ajuda!
Como visto, a Lei Maria da Penha é um instrumento vital para a proteção das mulheres e para a promoção da igualdade de gênero no Brasil. No entanto, seu impacto vai além da punição de atos violentos; ela busca transformar a mentalidade da sociedade, promovendo relações baseadas no respeito e na dignidade. Para os homens, entender e respeitar essa lei é fundamental, não apenas para evitar condutas abusivas, mas também para contribuir ativamente no combate à violência de gênero. Ser consciente dessa responsabilidade é um passo importante para construir uma sociedade mais equitativa e harmoniosa, onde todos possam viver com segurança e respeito.
Notas e referências:
A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA À LUZ DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/20139/a-constitucionalidade-da-lei-maria-da-penhaaluz-do-principio-da-i...;
BELLOQUE, Juliana Garcia. Das medidas protetivas que obrigam o agressor - artigos 22, In. CAMPOS, Carmen Hein de (Org.). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha: Aspectos Assistenciais, Protetivos e Criminais da violência de Gênero. 4. Ed: Saraiva, 2018.
DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. Disponível em: < https://www.jusbrasil.com.br/busca?q=Art.+22+da+Lei+Maria+da+Penha.>;
DO CRIME DE DESCUMPRIMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13641.htm.>;
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei nº 11.340/06, de 07 de agosto de 2006. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br>;
RANKING MUNDIAL FEMINICÍDIO. Disponível em: < https://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/feminicidio-brasileo-5-pais-em-morte-violentas-de-mulheres-no-mundo.htm>
https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/arquivos/cartilha-homens-4.pdf
https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/violencia-contra-a-mulher/sobre-a-lei-maria-da-penha/
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