Por Evinis Talon - 21/06/2017
Causa estranheza em quem não é da área penal o fato de um indivíduo ser preso em flagrante ou confessar um crime e, ato contínuo, ser processado em liberdade. Neste texto, explicarei algumas das razões pelas quais alguém é processado preso ou em liberdade.
Aparentemente, o título do artigo deveria ser “O que alguém faz para ser preso preventivamente?”, referindo-se aos crimes que justificariam o encarceramento cautelar. Entretanto, como é sabido, não é admissível a prisão preventiva pela mera gravidade abstrata do delito praticado.
Atualmente, ninguém permanece preso em decorrência exclusivamente do flagrante. Exige-se a aferição dos requisitos da prisão cautelar, que se divide em prisão preventiva (arts. 311 e seguintes do Código de Processo Penal) e prisão temporária (Lei nº 7.960/1989). Nas próximas linhas, analisarei exclusivamente a prisão preventiva.
Primeiramente, deve-se aferir se está presente algum dos fundamentos do “caput” do art. 312 do Código de Processo Penal, quais sejam, “garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal”. Evidentemente, alguns desses fundamentos sofrem críticas no que concerne à compatibilidade com a Constituição Federal, especialmente a garantia da ordem pública, que tem sido utilizada por alguns Juízes como instrumento de promoção da segurança pública por meio do Poder Judiciário, que, como se sabe, não é órgão da segurança pública.
Também é cabível a prisão preventiva em caso de descumprimento das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares, nos termos do art. 312, parágrafo único, do Código de Processo Penal.
Ademais, entende-se que os fundamentos legais da prisão preventiva são taxativos, não se admitindo prisão cautelar atípica.
Além da presença de algum dos fundamentos do art. 312 do CPP, deve-se analisar se o fato envolve alguma das situações narradas no art. 313 do CPP. Nesse diapasão, se um indivíduo primário e identificado é preso em flagrante por furto simples (que tem pena máxima de 4 anos) contra um estranho, não há preenchimento das hipóteses do art. 313 do CPP, sendo incabível a prisão preventiva.
Qualquer decisão sobre prisão preventiva deve ser motivada, isto é, exige-se a fundamentação das decisões que decretam, substituem ou denegam a prisão preventiva (art. 315 do CPP).
Insta salientar que a prisão preventiva apenas é admissível quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão, conforme o art. 310, II, do CPP.
Destarte, se for cabível a aplicação das medidas cautelares do art. 319 do CPP, como a obrigação de comparecer periodicamente em juízo, a proibição de manter contato com pessoa determinada, o recolhimento domiciliar noturno e a monitoração eletrônica, a decretação da prisão preventiva é inconcebível e, caso ocorra, será considerada ilegal.
Portanto, a prisão preventiva exige inúmeros requisitos. Não é a mera prática do crime que ensejará o encarceramento cautelar. A prisão pela prática de um fato criminoso ocorre apenas no cumprimento da pena, se não for possível a aplicação de pena restritiva de direitos ou a suspensão condicional da pena.
Acredito que esse é o ponto mais difícil para a compreensão por quem não é da área jurídica ou, ainda que seja, não se dedica ao estudo das Ciências Criminais. O leigo tem dificuldades para perceber a separação entre a prisão cautelar e a prisão como pena, da mesma forma que não consegue separar a nulidade da prova do seu conteúdo.
O Supremo Tribunal Federal (STF) considera impossível, por exemplo, a decretação da prisão preventiva com base apenas em presunção de fuga (STF, HC 127.754). Para o STF, impõe-se, como fundamento para a prisão preventiva, a presença de elementos concretos que indiquem a possibilidade de fuga do acusado.
Da mesma forma, o encontro, em poder do investigado, de documento falso, sem potencial algum para prejudicar as investigações em curso, não autoriza a decretação de sua prisão preventiva (STF, Inq 3.842 AgR-segundo-AgR). Não se trata, portanto, de conveniência para a instrução processual, haja vista que, nesse caso apreciado pelo STF, o documento falso não tinha relação com a investigação.
Em outra oportunidade, o STF asseverou ser descabida a determinação da prisão do acusado visando à presença em audiência (STF, HC 114.226), assim como também já considerou inadmissível a prisão preventiva como mera decorrência do fato de o acusado ter mentido para a autoridade policial (STF, HC 102.179).
Por outro lado, o STF já admitiu a prisão preventiva de réu que se ocultava para não ser citado em processo criminal (STF, HC 115.907).
Infelizmente, a análise jurisprudencial dos fundamentos do art. 312 do Código de Processo Penal é casuística, considerando que os Tribunais, diante de casos concretos semelhantes, fazem interpretações distintas em relação à subsunção do caso concreto aos fundamentos do supracitado dispositivo legal, ora admitindo a decretação da prisão preventiva, ora considerando ilegal o encarceramento cautelar.
Evinis Talon é Advogado criminalista, consultor e parecerista em Direito Penal e Processo Penal, Professor de inúmeros cursos de pós-graduação, como Unisc/RS, UniRitter/RS e Uniflu (RJ), Mestre em Direito pela UNISC/RS, especialista em Processo Penal pela Universidade de Coimbra (Portugal), especialista em Filosofia, Sociologia, Direito Constitucional e Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Gama Filho/RJ, ex-Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul, Membro da International Society of Public Law (ICONS), da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal, da International Bar Association (IBA), integrando o Criminal Law Committee e o Public Law Committee, da International Law Association (ILA), da Comissão de Estudos Constitucionais e da Comissão Especial de Segurança Pública e Política Criminal da OAB/RS, Secretário-Adjunto da ACRIERGS (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado do Rio Grande do Sul). Autor de inúmeros livros e artigos.
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