O punitivismo e o posicionamento antecipado do magistrado antes da instrução probatória no processo penal: causa de suspeição?

29/05/2017

Por Mackysuel Mendes Lins – 29/05/2017

Há muito já se discute nas argumentações de defesa e em diversos periódicos jurídicos, o fato de que o Acusado de tráfico, entre outros inúmeros crimes, já iniciam o processo penal praticamente condenado[1].

São diversos meios que comprovam a aludida afirmação, tais como: decisões absolutamente genéricas que decretam a prisão preventiva, decisões absolutamente imotivadas que recebem a denúncia, as alusões absolutamente genéricas e desprovida de suporte técnico-jurídico quanto as manutenções de prisões preventivas etc.

Já tentou conversar com o Juiz titular da Vara cujo processo de tráfico fora remetido?! Faz o teste, alegue qualquer fundamento preciso e jurisprudencial a favor do seu cliente, e aqui chamo atenção dos senhores ao foco principal deste artigo, “conversar com o juiz da causa antes mesmo da defesa prévia e a constatação de posicionamento punitivista anterior a instrução probatória: o aconselhamento gera suspeição?”.

Há pouco tempo atrás, ao despachar com um Juiz referente ao processo de Tráfico de Drogas de um cliente, cuja a prisão desrespeitou diversos direitos e garantias do indivíduo, tendo em vista as agressões físicas sofridas por agentes de polícia, a prisão ocorrida às 20h00 de um dia, e que o mesmo somente fora levado à Delegacia por volta das 08h00 do outro, a falta de audiência de custódia, a conversão automática da prisão em flagrante por preventiva, entre outros fatos capazes de per si constranger ilegalmente o indivíduo, motivo pelo qual caberia o relaxamento de sua prisão, ou como extremos, a revogação da prisão com imposição de medidas cautelares tão eficazes quanto a dita prisão (monitoramento eletrônico). Verificamos o seu posicionamento punitivista e absolutamente condenatório antes mesmo da instrução e do recebimento da defesa prévia etc.

Naquela conversa o Juiz já posicionava que o crime de tráfico de drogas era um crime grave e que o agente que o praticava prejudicaria milhares de vidas, contando diversas crianças, adolescentes e os adultos que utilizariam aquela droga apreendida, demonstrando que o crime em espeque era grave, o que motivava a manutenção da prisão preventiva do indiciado, além do fato de ser hediondo, e que no processo (no momento da audiência), poderia verificar as circunstâncias da liberdade se o acusado anunciasse os nomes dos indivíduos que o entregaram a droga, entre outros mil argumentos, já posicionando a condenação.

Em discussão, contrapondo o Juiz, informei que o crime em espeque se adequava a jurisprudência da Suprema Corte quanto a não hediondez quando se trata de Tráfico Privilegiado, e que a prisão não pode pautar-se na gravidade abstrata do delito, e que a decisão que decreta a prisão preventiva deve ser fundamentada quanto aos requisitos: fumus commissi delicti (indícios de autoria e demonstração da materialidade), somado ao periculum libertatis (risco inerente a liberdade plena)[2].

O Magistrado, demonstrando desconhecer da jurisprudência das Cortes Superiores, questionava em casos práticos se nós advogados ao ser convidados a entregar/transportar certa quantidade de drogas, realizaríamos ou não. Imediatamente respondi que não, porém, quem estava sendo julgado naquele processo era o fulano, e não eu. Rapidamente, posicionou-se: - “verifique Doutor, nem eu e nem o senhor (pessoas normais) cometeríamos tal delito, essas pessoas quando são pegas pela polícia, já cometeram diversas vezes o crime de tráfico”.

- “Excelência, perdão, o senhor constatou tal posição por meio de prova anexada ao processo?” – Questionei. – “Não, mas a quantidade de drogas que o rapaz transportava era evidente que, além de trabalhar com outras pessoas, causa grande prejuízo a sociedade, no caso de ser solto”. – disse. – “pois me responda como pode ter certeza de tal fato que não esteja provado no processo que sequer houve instrução, e que não existe nenhuma outra testemunha senão a própria polícia que o prendeu”.

Inquieto e desconfortável, o magistrado alegou a sua experiência com delitos do gênero e posicionando a manutenção da prisão neste aspecto (não prolongaremos os relatos, não é o foco).

Pois bem, agora podem me perguntar o motivo do relato da experiência acima e a sua relação com o presente artigo. Explicarei aos Senhores, tentarei expor, em síntese, os aspectos da suspeição e o punitivismo desenfreado do Poder Judiciário, por meio de seus membros (Juízes).

Neste diapasão, tratemos quanto a suspeição e suas consequências. A exceção de suspeição está prevista no art. 96 do CPP, onde preceitua “a arguição de suspeição precederá a qualquer outra, salvo quando fundada em motivo superveniente”. Os casos em que os Juízes não poderão exercer a jurisdição no processo penal estão no art. 252[3] e ss [4] do CPP

Segundo Aury Lopes Jr. (2012, p.538)[5] questão extremamente relevante, mas pouco enfrentada pela doutrina e jurisprudência, é a exceção de suspeição do Juiz por violação da imparcialidade em virtude dos prejulgamentos (OPA!!! Estamos a discutir a suspeição que se adequa perfeitamente no caso em tela narrado acima?).

Pode-se discutir que o rol da suspeição previsto no art. 254 do CPP[6] é taxativo, todavia, concordamos com Aury Lopes Jr., que muito bem pondera o fato de que “não pode ser taxativo, sob pena de – absurdamente – não admitirmos a mais importante de todas as exceções: a falta de imparcialidade do julgado”.[7] Temos, inclusive, precedentes jurisprudenciais neste sentido.[8]

Quando o juiz deixa seu posto (imparcial) de julgador para assumir uma postura ideologicamente comprometida ao conduzir um processo instrutório assumindo o papel de acusador em um processo absolutamente autoritário em face do simplório “combate ao crime”, temos, a partir de tal situação, a ofensa gritante a imparcialidade, e aqui o motivo de se constituir a suspeição do juiz-ator.

Qual seria o momento adequado para apresentar exceção de suspeição?

Segundo Aury Lopes Jr.[9] “As exceções devem ser arguidas pelos interessados na primeira oportunidade que falarem nos autos, mas, quando se trata de questão ligada ao devido processo legal, no que toca à imparcialidade da jurisdição, a suspeição ou impedimento ou incompatibilidade poderão ser reconhecidas mesmo após o trânsito em julgado da ação condenatória”.

Recordemos, pois, o fato comentado anteriormente em que o juiz explana sinais de condenação, antes mesmo de receber a denúncia e analisar a resposta à acusação, prostrando-se no atuar de incentivo para que o réu entregue eventuais comparsas que sequer foram mencionados, ou tenham indícios de participação (alegações genéricas). A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida pelos sinais expressos de que já decidiu o processo pela condenação (suas ideias já foram fixadas) sem sequer dar ao réu o direito de defesa, é condenação certa?!

Portanto, para não delongar o que se parece óbvio, acompanhamos o entendimento de que o juiz que demonstra seu posicionamento punitivista antecipado é suspeito, por gritante quebra da imparcialidade em que o juiz deveria resguardar, fato este que não ofende só a imparcialidade, mas também o devido processo legal, a presunção de inocência e a ampla defesa.


Notas e Referências:

[1] Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-fev-21/entrevista-tecio-lins-silva-criminalista-presidente-iab>. Acesso em: 28 Mar 2017.

[2] TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 9. Ed., Bahia: Jus Podivm, 2014, p.819.

[3] Art. 252.  O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito; II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha; III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão; IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.

[4] Art. 254.  O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes: I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles; II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; IV - se tiver aconselhado qualquer das partes; V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; VI - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.

[5] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 538.

[6] Art. 254.  O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes: I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles; II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; IV - se tiver aconselhado qualquer das partes; V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; VI - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.

[7] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 538.

[8] Embora se afirme que a enumeração do art. 254 do CPP, seja taxativa, a imparcialidade do julgador é tão indispensável ao exercício da jurisdição que se deve admitir a interpretação extensiva e o emprego da analogia diante dos termos previstos no art. 3º do Código de Processo Penal (STJ – Resp – 6ª Turma – Rel. Vicente Leal – 01/10/2001 – Rec. Esp. 2000/0004959-0).

[9] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 539.


mackysuel-mendes-linsMackysuel Mendes Lins, é Advogado Criminalista, sócio do escritório Almeida & Mendes Advogados. Professor de Direito Penal e Processual Penal do PHD Cursos, do Vanderval Cursos e do Celso Cursos. Pós-graduando em Ciências Criminais pela PUC/MG. Membro da Comissão do Advogado Criminalista e de Relações Penitenciárias da OAB/AL, da Associação dos Advogados Criminalistas de Alagoas – ACRIMAL e da Comissão Especial de estudo de Direito & Literatura. E-mail: mackysuelmendes@gmail.com


Imagem Ilustrativa do Post: Bars // Foto de: Stuart McAlpine // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/stuartmcalpine/5205812842 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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