O proposto fim do efeito suspensivo no Recurso em Sentido Estrito no denominado “Pacote Anticrime”

20/05/2019

 

Imagine a seguinte situação: uma pessoa ser julgada, ao mesmo tempo, por dois tribunais diferentes. Atualmente, essa hipótese kafkaniana é apenas fantasiosa, sendo impossível na atual sistemática processual brasileira.

No entanto, o “Pacote Anticrime” apresentado pelo Ministro de Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, no seu artigo 584, § 2º, pode inaugurar essa possibilidade, se aprovado nos atuais termos.

Na sistemática proposta pelo ministro, não teriam os recursos apresentados contra a decisão de pronúncia efeito suspensivo, sendo assim, proferida a referida decisão os autos seriam encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do Júri para que se paute o julgamento do acusado, ainda que interpostos recursos (embargos ou RESE).

Primeiramente, é necessário entender as peculiaridades do Recurso em Sentido Estrito em face da decisão de pronúncia. A Pronúncia é decisão interlocutória, que põe fim à primeira fase do rito do júri, e encaminha o acusado ao julgamento popular, havendo indícios básicos de autoria e materialidade, vigorando na jurisprudência contemporânea o fictício princípio do in dubio pro societate. Nesta decisão, serão possíveis quatro resultados:

a) a pronúncia, que encaminha o acusado ao julgamento popular pelo Tribunal do Júri, inaugurando a segunda fase do rito do júri;

b) a impronúncia, reconhecendo-se ausência de indícios suficientes de autoria e materialidade, mas não sendo o caso de absolvição sumária, o réu será impronunciado, podendo o caso ser reaberto diante de novos elementos de provas;

c) a desclassificação, em que, vislumbrando-se não se tratar de crime doloso contra a vida, serão os autos remetidos ao juízo competente; e

d) absolvição sumária, diante da ausência de provas ou da certeza da inocência do réu, este será sumariamente absolvido.

Em face da decisão de pronúncia caberá Recurso em Sentido Estrito, previsto no artigo 581 do Código de Processo Penal, tendo em vista tratar-se de decisão interlocutória. No entanto, diante das peculiaridades da Decisão de Pronúncia, esta é a hipótese em que o RESE poderá ter como resultado a absolvição do acusado.

Por esta razão, o efeito suspensivo é indispensável na interposição do Recurso em Sentido Estrito, evitando que alguém seja submetido a julgamento popular sendo inocente.

Ainda que o exemplo levantado no primeiro parágrafo deste texto pareça hiperbólico, teremos alguns problemas práticos no caso da aprovação do Pacote Anticrime na sua atual versão:

Primeiramente, poderá criar-se uma confusão na questão administrativa dos Tribunais do Júri e de Justiça. Diante da quantidade enorme de processos apresentados ao segundo grau, estes demoram muito tempo para serem pautados, criando o risco do julgamento pelo Tribunal do Júri se dar antes, perdendo, assim, o objeto do RESE. Portanto, deveriam os recursos serem obrigatoriamente pautados antes da sessão de julgamento do primeiro grau, tumultuando as pautas do Tribunal de Justiça.

Na hipótese de haver dois julgamentos pautados em mesma data, como garantir a ampla defesa e o contraditório? Tendo o réu apenas um defensor, impossível seria que este formula-se, por exemplo, sustentação oral diante o Tribunal de Justiça e a defesa técnica na sessão plenária do Tribunal do Júri.

O argumento que se impõe como sustentáculo da proposta mudança seria a da efetividade processual, que cai por terra diante dos problemas práticos acima mencionados. Ademais, jamais poderá se sobrepor uma hipotética celeridade processual em face dos direitos garantidos ao acusado, o devido processo legal não permite que, a pretexto de julgamento céleres, despreze-se que a demora jurisdicional está na tramitação dos casos nas cortes superiores. (PACZEK Vítor e JÚNIOR, Aury Lopes. 14 de FEV. 2019).

Portanto, está evidenciada a necessidade de revisão deste ponto no chamado “Pacote Anticrime” proposto pelo Governo Federal, visando o respeito à Constituição Federal, bem como à integridade do sistema de justiça brasileiro.

 

Notas e Referências

PACZEK Vítor e JÚNIOR, Aury Lopes. Alteração das regras do tribunal do júri no pacote “anticrime” é inconstitucional. CONJUR, 14 de FEV. 2019. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2019-fev-14/opiniao-alteracao-regras-tribunal-juri-pacote-anticrime> Acesso em: 11 de Abril de 2019.

BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Anteprojeto de lei nº , de 2019. Projeto de Lei Anticrime. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, a Lei nº 10.826, de 23 de dezembro de 2003, a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, a Lei nº 11.671, de 8 de maio de 2008, a Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009, a Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, e a Lei nº 13.608, de 10 de janeiro de 2018, para estabelecer medidas contra a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência à pessoa. Disponível em: < https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1549284631.06/projeto-de-lei-anticrime.pdf> Acesso em: 11 de Abril de 2019.

 

 

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