O princípio do delegado natural dentro do contexto democrático

09/08/2018

O processo penal possui funções extremamente importantes dentro de um contexto democrático constitucional. Dentre elas podemos citar as seguintes: 1) Efetivar as disposições do Direito Penal; 2) Funcionar como um instrumento de garantias do acusado e 3) Manter a ordem dentro de uma determinada sociedade.

Esse dispositivo (o processo penal) funciona como um verdadeiro medidor, ou seja, se revela como um termômetro do grau de democracia de uma comunidade política. Explico: quanto mais garantista é o processo, mais a sociedade é considerada livre e democrática. Ao contrário, quanto mais inquisitivo se revela o processo, mais autoritária é a sociedade.

Por esse motivo, o sistema de garantias legais e constitucionais é norteado por diversos princípios que se traduzem em verdadeiros escudos do indivíduo contra o Poder do Estado Leviatã. Dentre eles podemos citar aqueles decorrentes da autoridade natural, quais sejam, o princípio do juiz natural, promotor natural, defensor natural e por último o do delegado natural.

Cumpre registrar que a limitação das paixões autoritárias é necessária, vez que a tutela das garantias estão plasmadas no universo jurídico e tal situação exige um acervo de princípios, cuja integração se revela como hábil a delimitar os preceitos fundantes e fundamentais da persecução penal dita democrática e constitucional[1].

É imperioso observar que o princípio do juiz natural deve ter como correlato um princípio correspondente com todos os atores da Justiça Criminal em função da necessária relação de cooperação e não de subordinação entre eles. Tal premissa auxilia a concretizar a imparcialidade e independência na razão de atuar de cada um desses juristas[2].

Cabe destacar que o sistema de persecução criminal abrange vários agentes processuais, regularmente investidos da autoridade do Estado e responsáveis pelo desenvolvimento de funções específicas. Nessa esteira, é possível identificar a existência de um Estado-juiz, de um Estado-acusador, de um Estado-defensor e de um Estado-investigador[3].

A lei 12.830/2013 trata sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Dentre os artigos que merecem destaque, especial importância tem o Art. 2º, § 4º que levanta a ideia de um princípio do delegado natural[4]. O artigo citado afirma que “o inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação”.

Em outras palavras, tem-se como regra o caso da designação do delegado com atribuição para analisar a matéria ser anterior ao fato a ser apurado e o exercício de suas atribuições ser permanente, alheio a influências exteriores, o que garante a imparcialidade, independência e eficácia das investigações. Portanto, o que se almeja é evitar a designação de um delegado posterior ao fato, a avocação ilegal do procedimento investigatório e a remoção arbitrária do delegado de polícia[5].

Assim como os princípios do juiz natural, promotor natural e defensor natural trazem aos seus respectivos receptores garantias como imparcialidade e independência, com o princípio do delegado natural, a história não muda, ou seja, serve como uma poderosa ferramenta de atribuição de garantias daquele que é o primeiro garantidor dos direitos e garantias fundamentais: o delegado.

O Supremo Tribunal Federal (STF), na ADI 2427, estabeleceu que nenhum agente público tem autorização para exercer função de autoridade policial. O significado de agentes, termo presente no artigo 301 do Código de Processo Penal (CPP) faz referência aos policiais que, por não serem autoridades, agem debaixo do comando ou da supervisão do delegado. Na persecução criminal, a forma estabelecida em lei é sinônimo de garantia e é direito fundamental ser investigado somente pelo delegado de polícia natural[6].

Desse modo, o princípio do delegado de polícia natural, positivado na lei 12.830/2013, além de concretizar a garantia constitucional da imparcialidade e independência funcional do Estado-investigação (norma materialmente constitucional) representa na seara internacional, no formato do Art. 4º, II da Carta Magna, norma materialmente convencional diante dos preceitos presentes na Corte Interamericana de Direitos Humanos[7].

 

Notas e Referências

[1] RANGEL, Carlos Eduardo de Araújo. O Princípio do Delegado Natural no Estado de Direito: matrizes dogmáticas no sistema de investigação criminal brasileiro. Empório do Direito, fev. 2016. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/backup/tag/principio-do-delegado-natural>. Acesso em: 28 jan. 2018.

[2] BARBOSA, Ruchester Marreiros. Delegado natural é princípio basilar da devida investigação criminal. Conjur, out. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-out-06/academia-policia-delegado-natural-principio-basilar-investigacao-criminal>. Acesso em: 24 jan. 2018.

[3] RANGEL, Carlos Eduardo de Araújo. O Princípio do Delegado Natural no Estado de Direito: matrizes dogmáticas no sistema de investigação criminal brasileiro. Empório do Direito, fev. 2016. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/backup/tag/principio-do-delegado-natural>. Acesso em: 23 jan. 2018.

[4] TAVÓRA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 148-149.

[5] LIMA FILHO, Ejecio Coutrim. Princípio do Delegado Natural e o sistema de garantias constitucionais. Canal Ciências Criminais, out. 2016. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/principio-delegado-natural>. Acesso em: 28 jan. 2018.

[6] LIMA FILHO, Ejecio Coutrim. Princípio do Delegado Natural e o sistema de garantias constitucionais. Canal Ciências Criminais, out. 2016. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/principio-delegado-natural>. Acesso em: 28 jan. 2018.

[7] BARBOSA, Ruchester Marreiros. Delegado natural é princípio basilar da devida investigação criminal. Conjur, out. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-out-06/academia-policia-delegado-natural-principio-basilar-investigacao-criminal>. Acesso em: 24 jan. 2018.

 

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