O prelúdio do metaverso: publicidade e inquietações  

19/11/2021

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

Graças a uma série de possíveis previsões para o desenvolvimento futuro dos meios digitais, o termo “metaverso” agora, definitivamente, faz parte de nosso vocabulário.

O grande anúncio público das pretensões tecnológicas do (ex) Facebook, agora Meta[i], chegou em um momento no qual o contato da população com o meio digital foi alterado substancialmente. Isso porque os tempos de isolamento e medidas preventivas fortificaram o processo de virtualização do cotidiano, a partir de mudanças em nossas concepções de ambiente de trabalho, lazer, educação e convívio social.

Eis que surge uma visão para o futuro, comunicada pelo próprio Zuckerberg, durante o evento Facebook Connect[ii]: o seu comprometimento em desenvolver um universo virtual, no qual os usuários poderão se teleportar, diretamente de suas casas, para onde quiserem.

Esse manifesto do Facebook/Meta pela construção de um universo virtual pode ser compreendido como um impulso publicitário, não muito despretensioso, para uma série de investimentos futuros destinados a intensificar a integração do real com o digital.

De forma mais abrangente, a ideia transmitida pelo conceito de “metaverso” representa a evolução da internet para além do que a conhecemos hoje. Tal transformação tem como base a introdução do convívio humano em uma realidade virtual, concretizada a partir da tradução da internet em um mundo tridimensional (acessado/visto por meio de óculos especiais) no qual as pessoas poderão interagir em comunidades virtuais interconectadas, destinadas aos mais diversos fins - trabalho, jogos, estudos etc.

Feitas as considerações, revela-se a seguinte situação: ainda que o termo tenha se popularizado, a definição exata do conceito de “metaverso” não é de fácil absorção, muito menos exata. Igualmente, neste momento, a mensagem passada pela gigante das redes sociais também não apresentou muita lucidez acerca da execução dos projetos que nos aguardam.

Resumidamente, a experiência do metaverso proposta pela empresa visa uma “internet incorporada”, com a criação de versões digitais de empresas, lojas, eventos musicais, todas interconectadas em um mesmo sistema. Dessa forma, os usuários poderão transportar suas versões digitais (avatares) e bens digitais para outras comunidades, sem grandes limitações[iii]. Nenhuma empresa específica comandaria o metaverso, dada sua operação descentralizada, composta por agentes diversos.

A valer, uma questão que não passou despercebida nesse chamariz do metaverso foi a realização de um grande evento, seguido de um grande anúncio que, ao final, veio desacompanhado de produto ou serviço específico. A única jogada do Facebook/Meta foi a venda direta da premissa do metaverso. Em outras palavras, a venda de um “produto antes do produto”, que possibilita ao Facebook/Meta (i) conduzir a tomada dos (novos) espaços de realidade virtual e (ii) moldar, em certa medida, o próprio conceito de metaverso.

Outra estranheza causada pelo anúncio de Zuckerberg diz respeito ao fato de que metaversos - no sentido de universos virtuais -, ainda que restritos, já existem. Peguemos de exemplo as comunidades de jogos eletrônicos (games) que atraem uma certa precedência no que se refere à formação de comunidades virtuais com funcionamento inteiramente digital. A clássica referência que vem à mente é o “simulador virtual da vida”, Second Life, lançado no início dos anos 2000.

A popularidade deste ambicioso projeto precedente – também voltado para o desenvolvimento de um ambiente virtual e tridimensional que simula a vida real e social do ser humano pela interação entre avatares controlados pelos usuários – não despontou como o previsto pelos entusiastas da época, nem evoluiu/envelheceu de forma surpreendente com o tempo. Em parte, esse insucesso adveio de um acesso restrito aos poucos privilegiados com pleno acesso à internet nos anos 2000 e da própria dimensão do projeto na época.

Nesse turno, esses ambientais virtuais precedentes eram ocupados por aqueles considerados entusiastas digitais, com condições materiais suficientes para despenderem tempo no mundo digital. Agora, no entanto, a partir da popularização da internet e redes sociais, esse “universo” virtual será explorado com maior intensidade, por todas as empresas que comprarem a premissa do metaverso.

Nessa perspectiva, o que o Facebook/Meta fez – para além de alterar o próprio nome como cortina de fumaça para seus escândalos – foi anunciar publicamente que agora seu negócio trata de uma “empresa de metaverso”, como uma jogada direta para encabeçar um mercado que está por vir, mais especificamente aquele voltado para a difusão da realidade virtual e criação de ambientais virtuais em alta definição, voltados para interação direta entre usuários.

Os que conhecem um pouco da reputação notável do Facebook/Meta, compreendem de imediato que, para além da publicidade sobre como é incrível se conectar e interagir “tecnologicamente” com pessoas à distância, a proposta do metaverso possui diversas outras facetas. Nesse sentido, as inquietações sobre esta “nova realidade” dizem respeito a temas como (i) expansão do mercado consumidor baseado em bens digitais, leia-se mini economias baseadas nas mais diversas moedas, (ii) intensificação da coleta de dados pessoais dos usuários e, finalmente, (iii) um maior controle de tráfego de conteúdo dos usuários, favorecendo a distorção da realidade.

No mais, em conjunto com a venda da premissa, o Facebook/Meta já deixou explícito que não pretende construir o metaverso sozinho. Com efeito, diversas outras empresas já anunciaram o desenvolvimento de negócios futuros, visando integralizar seus conteúdos e produtos no mesmo universo virtual. A título de exemplo, temos o Tinder[iv], que pretende abrir um bar virtual para os usuários encontrem seus matches, a Microsoft[v], que vai permitir reuniões virtuais do Teams com avatares tridimensionais.

Sob o ponto de vista empresarial, evidente que a popularização do metaverso, nos moldes desenhados pelo Facebook/Meta, prevê um futuro promissor para as empresas de tecnologia voltadas para a coleta de dados. E se as previsões indicam uma realidade virtual com a presença constante do usuário dentro de sua própria casa, sabemos o que isso quer dizer. Mais sensores. Mais câmeras. Mais microfones. Tudo em prol do bem-estar dos usuários que povoarão os metaversos.

É certo que o Facebook/Meta, ao abraçar o futurismo, apropriou-se do termo metaverso, que fora criado originalmente na ficção de Neal Stephenson, Snow Crash (1992), para descrever um ambiente virtual que servia como fuga de uma realidade distópica do Século XXI. Enquanto isso, observamos este ato introdutório, que cedeu pequenas amostras das implicações de um potencial cenário do metaverso, dignas de reflexão sobre o futuro de nossa realidade.

Por último, em contrapartida às inquietações, não se nega a possibilidade de benefícios provenientes da integração de comunidades virtuais as quais já estamos acostumados. A questão é até que ponto apostaremos no desenvolvimento dessas visões de metaverso.

 

Notas e Referências

[i]Fischer, Sara. Facebook changes corporate name to Meta. (2021). Axios. Disponível em: https://www.axios.com/facebook-meta-new-name-9e4fb5cc-e6b1-440f-ae0e-69d48685924c.html. Acesso em: 13 de novembro de 2021.

[ii] Pinheiro, Jéssica. Facebook apresenta Metaverso e aposta na Realidade Aumentada (2021). IGN Brasil. Disponível em: https://br.ign.com/tech/94193/news/facebook-apresenta-metaverso-e-aposta-na-realidade-aumentada. Acesso em: 14 de novembro de 2021.

[iii] Zuckerberg, Mark. Founder’s Letter, 2021. Meta. Disponível em: https://about.fb.com/news/2021/10/founders-letter. Acesso em: 15 de novembro de 2021.

[iv] Knoth, Pedro. BuddyPoke, é você? Tinder planeja encontro de avatares no metaverso (2021). Terra. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/tecnologia/buddypoke-e-voce-tinder-planeja-encontro-de-avatares-no-metaverso,0ce5c5c806304f3d1907170890184b458692nkb6.html. Acesso em: 14 de novembro de 2021.

[v] D'Almeida, Nicole. Depois de Zuckerberg, agora é a Microsoft que tem novidades para metaverso (2021). Tilt UOL. Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/11/03/metaverso-corporativo-microsoft.html. Acesso em: 15 de novembro de 2021.

 

Imagem Ilustrativa do Post:person holding a silver iphone // Foto de: Solen Feyissa // Sem alterações

Disponível em: https://unsplash.com/photos/iurEAyYyU_c

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura