O prazo prescricional e as causas que impedem ou suspendem a sua fluência

17/10/2016

Por Patrick Lendl Silva – 17/10/2016

Quando um direito subjetivo a uma prestação é violado, nasce para o titular desse direito a pretensão, que é o poder ou a faculdade de reagir, de exigir uma prestação.

Como o direito não socorre aqueles que dormem, a satisfação dessa pretensão não poderá ser buscada a todo tempo. Existe um prazo para que o titular do direito violado, ou seja, o titular da pretensão, busque a satisfação dessa pretensão. Caso não busque a satisfação de sua pretensão no prazo determinado, não mais poderá fazê-lo. Também para que se tenha segurança jurídica.

A essa perda (extinção) da pretensão, da possibilidade de satisfazer a pretensão, a esse decurso de prazo, dá-se o nome de prescrição.

Mas a prescrição não é apenas efeito extintivo, como a estamos estudando. Também é efeito aquisitivo, a chamada prescrição aquisitiva ou, como é mais conhecida, usucapião, que é forma de aquisição da propriedade.

Assim, a prescrição é concebida como efeito extintivo, quando o decurso do prazo extingue a pretensão; e também como efeito aquisitivo, quando o decurso do prazo, aliado à presença de outros requisitos, leva à aquisição da propriedade, como se pode verificar nos artigos 1.238 e seguintes, do Código Civil.

A prescrição que está disciplina nos artigos 189 a 206, do Código Civil, é a que se caracteriza como efeito extintivo, que existe porque não se admite pretensões eternas. O titular da pretensão deve buscar a sua satisfação dentro de determinado lapso temporal, sob pena de, não o fazendo, ocasionar sua extinção.

A regra é a de que o prazo prescricional iniciado flui até o seu final. No entanto, existem casos em que a busca pela satisfação da pretensão não se faz possível, em virtude de uma condição especial das partes, do titular da pretensão, ou até mesmo do negócio jurídico. Nesses casos, não seria justo que o prazo prescricional fluísse normalmente.

O Código Civil, nos artigos 197, 198 e 199, dispõe sobre as causas que impedem ou suspendem a prescrição. Antes de analisarmos cada um desses dispositivos, necessário apenas distinguir o impedimento da suspensão.

Está impedido de fluir o prazo prescricional que ainda não se iniciou. Assim, se antes de iniciar o prazo prescricional, verifica-se a presença de uma condição especial envolvendo as partes, o titular da pretensão ou o próprio negócio jurídico, esse prazo prescricional, que ainda não se iniciou, fica impedido de iniciar-se. Seu início apenas se dará cessada a causa que o impediu de fluir.

Quando o prazo prescricional já se iniciou, e, após o seu início, verifica-se a presença de uma condição especial envolvendo as partes, o titular da pretensão ou o próprio negócio jurídico, esse prazo prescricional, já iniciado, é suspenso, assim ficando até que cesse a causa que não permite sua fluência.

Interessante observar que, com o impedimento da fluência do prazo prescricional, cessada a causa que o impediu de fluir, esse prazo inicia-se do zero, ou seja, é contado desde o início. E isso se dá por uma razão muito simples: até a verificação de uma daquelas condições especiais, não havia transcorrido um dia sequer do prazo prescricional, razão por que, cessada a causa que o impediu de fluir, inicia-se a sua contagem do primeiro dia.

No caso de suspensão do prazo prescricional a solução é diferente, pois o prazo prescricional já se havia iniciado. Assim, cessada a causa que o suspendeu, a sua contagem é retomada de onde havia parado, e não do zero como ocorre nos casos de impedimento.

Essa a distinção entre o impedimento e a suspensão. Mas é importante que se diga que a disciplina é a mesma para os casos de impedimento e de suspensão, ou seja, a diferença está no momento em que se verifica aquela condição especial e na contagem do prazo prescricional.

Visto isso, passemos para a análise das causas que impedem ou suspendem a prescrição.

Dispõe o artigo 197, do Código Civil, que “não corre a prescrição: I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal; II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar; III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela”.

Como pode ser verificado, em todas as situações trazidas pelo dispositivo acima é possível identificar uma condição especial envolvendo as partes do negócio jurídico, de modo que não se torna possível ao titular da pretensão exercê-la sem que isso ameace a harmonia na sua relação com a outra parte.

Se um dos cônjuges fosse obrigado a buscar a satisfação de sua pretensão contra o outro cônjuge, na constância da sociedade conjugal, por certo isso acarretaria desentendimentos entre ambos, o que poderia, inclusive, levar à dissolução dessa sociedade. Esse não é o objetivo da norma.

Da mesma forma, se um filho precisasse exercer a sua pretensão contra o seu pai, durante o poder familiar, ou um tutelado contra o seu tutor, durante a tutela, a busca pela satisfação da sua pretensão faria com que a relação ficasse abalada, sofrendo prejuízos, talvez, irremediáveis.

Assim, em todos esses casos, não corre o prazo de prescrição. O prazo prescricional fica impedido de fluir (se a causa é verificada antes de seu início) ou suspenso (se a causa é verificada após o seu início), e apenas com a cessação da causa que o impediu de fluir ou o suspendeu é que ele tem sua fluência regular, do início ou de onde havia parado, conforme o caso.

Dispõe o artigo 198, do Código Civil, que “também não corre a prescrição: I - contra os incapazes de que trata o art. 3.º; II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra”.

Nas situações trazidas pelo dispositivo acima, diferente do que se verifica nas do artigo 197, do Código Civil, é possível identificar uma condição especial envolvendo o titular da pretensão, que por encontrar-se numa situação não favorável ao exercício da pretensão, não pode exercê-la de modo satisfatório. Nesses casos, a condição especial não envolve ambas as partes do negócio jurídico, mas apenas o titular da pretensão.

Os absolutamente incapazes de que trata o artigo 3.º, do Código Civil [“São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos”], encontram-se numa condição de vulnerabilidade, que os impede de buscar a satisfação de sua pretensão em toda a sua plenitude.

Também os que se ausentam do país a serviço da União, dos Estados ou dos Municípios [e do Distrito Federal, que também é ente da Federação, nos termos do artigo 18, da Constituição da República (“A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”)]. Não seria justo que, por estarem prestando serviço público, fossem prejudicados com a regular fluência do prazo prescricional de que dispõe para buscar a satisfação de sua pretensão. É importante lembrar que não corre a prescrição apenas quando os ausentes estão a serviço dos entes da Federação. Se a ausência tem outra finalidade, como o passeio, por exemplo, não há impedimento ou suspensão da fluência do prazo prescricional.

Da mesma forma, aqueles que estão servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra, não podem ser prejudicados, pois o não exercício da sua pretensão ocorre por uma causa alheia à sua vontade, ou seja, pela situação em que se encontram, estão impossibilitados de buscar a satisfação de sua pretensão. Não corre a prescrição contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas apenas em tempo de guerra, pois, em tese, apenas o fato de estar em tempo de guerra é que impossibilitaria ao titular da pretensão buscar a sua satisfação.

Em todos esses casos, não corre o prazo de prescrição. O prazo prescricional fica impedido de fluir (se a causa é verificada antes de seu início) ou suspenso (se a causa é verificada após o seu início), e apenas com a cessação da causa que o impediu de fluir ou o suspendeu é que ele tem sua fluência regular, do início ou de onde havia parado, conforme o caso.

Uma observação faz-se necessária: o dispositivo acima expressa que não corre a prescrição “contra” as pessoas mencionadas nos seus incisos, ou seja, sendo a favor o prazo prescricional flui normalmente. Isso quer dizer que apenas quando as pessoas mencionadas nos incisos I, II e III, do artigo 198, do Código Civil, forem os titulares da pretensão é que não corre a prescrição. Se essas pessoas são aqueles de quem se pode exigir uma prestação, o prazo prescricional flui normalmente.

Assim, por exemplo, se uma pessoa compra um bem de outra, não paga na data ajustada, e se ausenta do país a serviço da União, o prazo prescricional para o titular da pretensão, aquele que não se ausentou do país, flui normalmente.

Dispõe o artigo 199, do Código Civil, que “não corre igualmente a prescrição: I - pendendo condição suspensiva; II - não estando vencido o prazo; III - pendendo ação de evicção”.

Condição suspensiva é o evento futuro e incerto que impede a ocorrência dos efeitos do negócio jurídico até que seja verificado (artigo 125, do Código Civil).

A expressão “não estando vencido o prazo”, trazida pelo inciso II, do dispositivo acima, equivale a dizer que ainda não ocorreu violação ao direito a uma prestação.

Por evicção, podemos entender a decisão em ação judicial que atribui a coisa a pessoa diversa daquela que se dizia seu proprietário, pois essa outra pessoa prova ser o seu verdadeiro senhor.

Nesses casos, não se verifica uma condição especial envolvendo as partes ou o titular da pretensão. O que se verifica é uma condição especial envolvendo o próprio negócio jurídico.

Com efeito, fica fácil entender por que não corre a prescrição nos casos acima. O fato é que em nenhuma dessas situações nasceu a pretensão. Se a prescrição, como vimos, é a extinção da pretensão, inexistindo a pretensão não há que se falar em prescrição.

Se está pendente condição suspensiva é sinal de que o direito ainda não foi adquirido. Se o direito ainda não foi adquirido, não há como ele ser violado, e, assim, não nasce pretensão.

Se o prazo não está vencido, não há violação de direito a uma prestação, ou seja, ainda não nasceu pretensão.

Se a ação de evicção ainda não foi julgada, é sinal de que a coisa litigiosa ainda não foi atribuída a outra pessoa. Logo, ainda não ocorreu, efetivamente, violação a direito, e, como consequência, não nasceu, portanto, pretensão.

Se não há pretensão, não há que se falar em prescrição ou em fluência do prazo prescricional. Em todos esses casos, não corre o prazo de prescrição.

Outra causa que não permite a regular fluência do prazo prescricional é a prevista no artigo 200, do Código Civil (“Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva”). Essa regra é importante na medida em que, em alguns casos, enquanto não apurada a responsabilidade no Juízo criminal, não há, em tese, pretensão, ou seja, não há como exigir da outra parte uma prestação. Logo, não havendo pretensão, não há que se falar em prescrição.

No entanto, é importante lembrar o disposto no artigo 935, do Código Civil (“A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”). Ou seja, as responsabilidades civil e criminal são independentes, de modo que a apuração desta não poderia impedir ou vincular a apuração daquela.

Note-se, porém, que o disposto no artigo 200, do Código Civil, não impede ou vincula a apuração da responsabilidade civil à apuração da responsabilidade criminal, apenas determina que o prazo prescricional não fluirá enquanto não houver sentença definitiva no Juízo criminal.

Por fim, ainda sobre a suspensão do prazo prescricional, dispõe o artigo 201, do Código Civil, que “suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível”. Sendo divisível a obrigação, a suspensão do prazo prescricional para um dos credores apenas a ele aproveita.

Imaginemos o caso de dois amigos que vendem um veículo para uma terceira pessoa. Cada um dos amigos têm direito à metade do valor do veículo, ou seja, essa obrigação é divisível. O comprador do carro não paga na data ajustada. Violado o direito a uma prestação, nasce para os vendedores a pretensão. Com o surgimento da pretensão, o fato de um dos vendedores se ausentar do país a serviço da União faz com que o prazo prescricional para ele fique suspenso até o seu retorno. Mas por tratar-se de obrigação divisível, já que o valor do pagamento pode ser dividido entre os dois vendedores, a suspensão do prazo prescricional em favor do vendedor que se ausentou do país a serviço da União não é aproveitada pelo vendedor que não se ausentou do país. Para este, o prazo prescricional flui normalmente. Diferente seria se a obrigação fosse indivisível.


Notas e Referências:

SILVA, Patrick Lendl. Fatos jurídicos – teoria e prática. 1.ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011.


patrick-lendl-silvaPatrick Lendl Silva é oficial de justiça avaliador federal na Seção Judiciária de Santa Catarina. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino – UMSA. Especialista em Direito Constitucional (com formação para o magistério superior) pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Professor do curso de graduação em Direito do Centro Universitário Barriga Verde – UNIBAVE, além de já ter lecionado em outras instituições, em cursos de graduação e pós-graduação. Autor das obras “Fatos Jurídicos – Teoria e Prática” e “Os fatos jurídicos em exemplos práticos”, ambas pela Editora Verbo Jurídico.


Imagem Ilustrativa do Post: Time // Foto de: blues_brother // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/lapecheronza/144656432

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura