O polêmico rol do agravo de instrumento – Por Igor Guilhen Cardoso

20/01/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

Com o advento do Novo Código de Processo Civil – “NCPC” (Lei Federal n.º 13.105/15), que revogou em maior parte o Código de Processo Civil de 1973 (vide, por exemplo, a permanência da validade das disposições do código anterior acerca da execução contra devedor insolvente até que se edite lei que trate da matéria – artigo 1.052 do NCPC), promoveu mudanças importantes no cotidiano dos operadores do direito.

Naturalmente, essas mudanças apresentam pontos polêmicos que estão sendo longamente tratados pela doutrina especializada sob os pontos de vista mais diversos.

Dentre as polêmicas trazidas pelo novo Código está o rol do artigo 1.015, tendo se estabelecido como principais controvérsias interpretativas: (i) o rol é taxativo, ou exemplificativo? (ii) em quais circunstâncias caberá mandado de segurança? (iii) a previsão no novo sistema de irrecorribilidade imediata de decisões interlocutórias viola alguma garantia processual?

Sem a intenção de esgotar as polêmicas sobre o tema, cumpre aqui analisar esses pontos, que podem ser considerados os mais relevantes sobre a questão e que externam o novo modo de pensar o recurso contra decisões interlocutórias no processo civil brasileiro.

O polêmico rol do agravo de instrumento

O artigo 1.015 do NCPC e as regras de hermenêutica jurídica parecem nos dirigir a uma conclusão clara: o rol é taxativo.

Referido rol não apresenta termos linguísticos afeitos à genericidade, embora indique situações de espectro um pouco mais amplo, mas que comportam definição específica; se vale de um parágrafo único que relaciona a recorribilidade a procedimentos processuais que não são compostos por sentença de mérito, hipótese em que não haveria fase de apelação na qual se pudesse recorrer da decisão que não pode ser alvejada por agravo; e apresenta conteúdo claro e definido que pode ser facilmente detectado pelo operador do direito em cada inciso.

Ainda, a previsão do inciso XIII de viabilidade do recurso em “outros casos expressamente referidos em lei” é uma clara negação da exemplificatividade: será permitido o recurso se outra lei indicar ser ele cabível em determinada situação, novamente focando em uma normatividade estrita, prevista, explícita e não genérica ou exemplificativa.

Por que então uma parte considerável da doutrina atual marca posição na exemplificatividade do rol, apesar de todas essas características indicarem o contrário?

São principalmente dois motivos preponderantes: (i) falta de previsão da recorribilidade imediata de algumas decisões por seletividade legislativa de critério pouco claro – como a decisão que rejeita a exceção de incompetência, que não é passível de agravo de instrumento e pode gerar a anulação posterior do processo; e (ii) falta de uma previsão específica da recorribilidade de questões urgentes e que o reconhecimento posterior em preliminar de apelação, ou contrarrazões de apelação, potencialmente ensejaria a anulação do processo e atentaria contra a celeridade, economia e efetividade processual.

A maioria da corrente que defende o rol exemplificativo do artigo 1.015 do NCPC parte de uma conclusão, a consequência indesejável da aplicação correta do rol; e não de uma realidade – o rol como instituído.

Assim, há pouca margem para se duvidar de que o rol é taxativo e a medida adequada para sanar a consequência de sua aplicação escorreita seria a edição de projeto de lei que complemente as hipóteses de recorribilidade imediata no âmbito do novo processo civil e não a subversão jurisprudencial, por influência doutrinária e pelo ativismo judicial, do rol, de sua natureza evidente e dos mandamentos da lei recém aprovada.

Hipóteses de cabimento do mandado de segurança para suprir o agravo de instrumento

Sobre essa questão, a mais sensível relacionada ao rol do artigo 1.015 do NCPC, é importante citar obra recente coordenada pelo Prof. Fredie Didier Jr., em trecho de autoria de Rogério Rudinik Neto:

“Não obstante, as disposições do novo Código acerca da irrecorribilidade imediata, em regra, das decisões interlocutórias geram duas ordens de preocupações na doutrina. Para alguns, a nova sistemática poderá ocasionar a elevação do número de processos anulados quando do julgamento das apelações; Para outros, há decisões não inclusas no taxativo rol do art. 1.015 cuja revisão não pode aguardar o julgamento do recurso de apelação, como a que suspende o prosseguimento do feito em 1º grau em função da ocorrência de prejudicialidade externa. Nessas situações, será corriqueira a interpretação de mandado de segurança contra ato jurisdicional”.

(O efeito devolutivo do recurso de apelação no novo Código de Processo Civil. In Novo CPC doutrina selecionada, v6: processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. DIDIER JR, Fredie (coordenador geral); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (organizadores). Salvador: Podivm, 2015, p; 575).

O entendimento em questão se mostra irretocável: o mandado de segurança somente poderá ser utilizado para substituir agravo de instrumento em processo cível se estiver presente o requisito da indispensabilidade da via, isto é, o direito envolvido irá perecer e somente o mandado de segurança impetrado é capaz de satisfazer o acesso à justiça de que goza a parte, não sendo, in casu, hipótese de agravo de instrumento.

Evidentemente, esse perecimento de direito e ineficácia do recurso ante à situação concreta, norte da impetração de mandado de segurança para suprir a apreciação do inconformismo contra decisão contra a qual não cabe agravo de instrumento, precisará ser avaliada caso a caso pelo relator do writ e deverá ter por prisma o acesso à justiça e a instrumentalidade do processo, eis que o processo visa a assegurar bem jurídico e solução justa de conflitos e não é fim em si mesmo.

Para a análise, basta que o relator do mandado de segurança faça a seguinte reflexão: “aguardar o julgamento de eventual apelação dará o direito à parte impetrante em igualdade de condições materiais em relação ao deferimento da medida neste momento, por mandado de segurança?”.

Se a resposta for afirmativa, o mandado de segurança carece do requisito do risco concreto de perecimento do direito envolvido; se a resposta for negativa, para que se evite o prejuízo ao direito material da parte, de rigor a apreciação do mandado de segurança, ainda que, em seu mérito, a pretensão seja negada por qualquer outro fundamento.

De outro lado, a mera ausência da específica decisão que se pretende recorrer no rol do artigo 1.015 não é causa que permita substituir ao bel prazer o agravo de instrumento por um mandado de segurança, eis que a intenção do rol em evidência é, justamente, promover a irrecorribilidade imediata de decisões judiciais, e não dar maior ênfase ao mandado de segurança, o que sequer se harmonizaria com os ditames da Lei Federal n.º 12.016/09, que rege o mandamus.

Mas aqui já estamos avançando no próximo e último item.

Irrecorribilidade imediata de decisões interlocutórias: já era hora!

Por fim, chegamos a um ponto emocional de todo operador do direito, mais precisamente do advogado. Como viver em um mundo em que uma decisão interlocutória não pode ser imediatamente objeto de um recurso?

Antes, o advogado tinha à mão o agravo retido, uma espécie de “ansiolítico processual”: “está aqui o recurso, pode dormir em paz”.

O novo Código, entretanto, elimina o agravo retido e promove a dilatação da preclusão do direito de recorrer das decisões interlocutórias contra as quais incabível o manejo de agravo de instrumento (as decisões excluídas do rol do famigerado artigo 1.015).

Assim, o advogado terá a oportunidade clara de recorrer da decisão não acobertada pelo agravo de instrumento em sede de preliminar de apelação, ou ainda em sede preliminar de contrarrazões de apelação, no que se vem chamando de “pedido contraposto recursal”.

Esse novo panorama vem ao encontro da necessidade de se imprimir maior celeridade à marcha processual, sempre tão atribulada por recursos protelatórios, bem como garantir uma prestação jurisdicional efetiva, eis que ganhar no processo e não alcançar na prática o direito material almejado, como a própria comparação já deixa claro, não funciona.

Deve se notar que a garantia da recorribilidade das decisões judiciais não é maculada pela nova sistemática processual, eis que o direito de recorrer está garantido, na forma acima exposta, pela postulação em sede de recurso de apelação (e/ou contrarrazões), sendo que o julgamento da(s) apelação(ões) contemplará a questão preliminar e a decidirá antes do mérito recursal, podendo vir a anular a sentença, inclusive, ao acolher a tese de reforma da decisão interlocutória.

Portanto, os agravos de instrumento manejados contra decisões excluídas do rol do artigo 1.015 do NCPC devem ser inadmitidos sem misericórdia para que seja atendida a programaticidade do novo processo civil brasileiro, o que trará insônia a um bom número de advogados.

Conclusão 

Condensando o que se expôs aqui, é seguro defender que:

  • As decisões interlocutórias contempladas pelo rol do artigo 1.015 do NCPC serão passíveis de agravo de instrumento (disso, ninguém duvida);
  • As decisões interlocutórias não contempladas pelo rol do artigo 1.015 do NCPC estarão preclusas para recurso das partes que delas sucumbirem apenas no momento do manejo de apelação e contrarrazões de apelação, quando poderão ser questionadas em preliminares dessas peças, ou então em recurso de apelação que se preste apenas a recorrer dessas decisões interlocutórias[1]; e
  • As decisões interlocutórias não contempladas pelo rol do artigo 1.015 do NCPC e cuja revisão não pode aguardar o julgamento de futuro recurso de apelação, poderão ser objeto de mandado de segurança, desde que efetivamente demonstrada a urgência da pretensão à luz do perecimento do direito em hipótese diversa da impetração.

Em um Brasil ideal, o rol do artigo 1.015 do NCPC: permaneceria taxativo; conteria mais incisos para prever a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias que poderão, se reconhecidas mal lançadas em futuro recurso de apelação, causar a anulação de parte do processo; prever a possibilidade de recurso de agravo de instrumento imediato de decisões urgentes, devendo o relator do recurso estabelecer a admissibilidade, ou não, do recurso calcado nessa previsão normativa; estaria eliminado o uso do mandado de segurança para fazer as vezes do agravo de instrumento; e se manteria  a irrecorribilidade imediata das decisões excluídas do rol taxativo.

De todo modo, muito se avançou na sistemática do recurso interlocutório no Novo CPC, tendo como expressão maior dessa evolução a celeridade, economia e efetividade processual, a diminuição das hipóteses de recursos incidentais potencialmente protelatórios, sem com isso macular o princípio da recorribilidade das decisões judiciais e o princípio do duplo grau de jurisdição.

O novo Código inaugura um novo modo de pensar o recurso contra decisão interlocutória no processo civil brasileiro, o que se mostra um caminho salutar rumo à efetividade do processo e à redução da morosidade na prestação jurisdicional.


Notas e Referências:

[1] Segundo José Henrique Mouta Araújo, em seu artigo “A estabilização das decisões judiciais decorrente da preclusão e da coisa julgada no novo CPC: reflexões necessárias”, cabível recurso de apelação apenas para recorrer de decisão interlocutória, como meio de se fazer valer o princípio da recorribilidade das decisões judiciais, posição que parece ser pacífica: “Assim, nos termos da redação do art. 1009, §1º e 1015, do CPC/15, poderão existir múltiplos capítulos impugnativos na apelação e nas contrarrazões, a saber: (...) b) interposição apenas com um capítulo discutindo a interlocutória: neste caso, dependendo do resultado do apelo, a decisão do Tribunal fará coisa julgada em relação à sentença não recorrida. Esta, portanto, ficará aguardando o resultado da apelação interposta contra o capítulo referente à interlocutória anterior. (...) o resultado da apelação pode desconstituir o título executivo judicial como, v.g. na hipótese de reconhecimento de cerceamento de defesa e determinação de retorno ao grau de origem para a produção da prova que foi indeferida“.


 

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