O perfil do superendividado: o consumismo como expoente do crédito negativo - Por Laura Mallmann March e Bruna Fernanda Bronzatti

02/10/2016

Por Laura Mallmann March e Bruna Fernanda Bronzatti - 02/10/2016

Desde o advento do Plano Real, a oferta do crédito passou a ser o principal fator de subsistência das famílias brasileiras. Evidencia-se assim, a importância desse instituto para bens essenciais a uma vida que possua o mínimo para subsistir, com base no princípio da dignidade da pessoa humana.

O consumidor superendividado tem como resultado a perda do crédito ou inserido o seu nome do cadastro de mal pagadores (SPC e Serasa), não podendo exercer seu direito de crédito, estando incapaz de prover o sustento familiar em razão dos prejuízos que acarreta, sendo eles morais, sociais, entre outros (TONETTI; CASALI, 2012).

Com o crescimento do marketing e das especializações na área da publicidade, ficou mais fácil induzir os consumidores a comprarem (em função da facilitação do crédito) o supérfluo (bem não essencial). Isso pode ser facilmente identificado nas propagandas apelativas, bem como nos rótulos repetidos ad nauseam, sobretudo direcionados aos consumidores mais vulneráveis (jovens, por exemplo) (BOLADE, 2012).

O consumo, em sua esfera, foi interrompido pela expansão de necessidades virtuais que se aproximam do gozo e da fruição individual e coletiva das classes média e alta da Europa a partir da segunda metade do século XVIII e primeira do século XIX (RETONDAR, 2007). Apesar da ideia de consumo ter se formulado com o advento da industrialização e da produção em massa, não quer dizer que seja apenas isso.

Significa assim que depende da ótica de cada consumidor. O consumismo não é apenas um reflexo dessas produções em massa oferecidas pela Revolução Industrial, mas da materialização de necessidade desenfreadas.

A sociedade de consumo, para Retondar, se apresenta como “um sistema social que envolve um conjunto de novos valores e atitudes culturais responsáveis pela produção contínua de ‘necessidades’, que passam a ser constituídas como uma exigência constante de diferenciação social” (2007, p. 30).

Nesse período compreendido entre o século XVIII e XIX, houve uma crescente necessidade de aproximação com as elites burguesas, em que o acúmulo de capital era proporcional ao valor ético e moral das famílias, gerando elevadas estratificações sociais.

Culturalmente foi criada a ideia de que os acúmulos de bens luxuosos correspondiam à felicidade interpessoal. Assim, a prática do consumismo começou a ser reiterada, já que as pessoas não consumiam mais por mera necessidade pessoal, mas sim, por necessidades virtuais aliadas ao ideário de felicidade/moralidade.

Com o consumismo e as necessidades virtuais coligados, há o advento do superendividamento. Muitas são as causas desse fenômeno, mas a mais evidente é o consumismo, já exacerbado em sua definição. O superendividamento decorre de imprevistos, em suma. Seja proveniente de uma separação, seja em razão de demissão inesperada ou qualquer problema repentino afim.

O que ocorre atualmente, ao lado da Grande Recessão, é uma surpresa em razão do crédito que se projetava – imaginava – ter. Com a baixa taxa de juros e a inserção de nova moeda no mercado, bem como com a facilitação do crédito por meio de financiamentos, criou-se uma ideia (até então segura) de que as dívidas poderiam ser adiadas e pagas com tranquilidade mensalmente.

Em consequência disso, as dívidas anteriores são esquecidas e as novas se somam às preexistentes, gerando uma verdadeira “bola de neve”. Daí decorre o conceito de superendividamento, que para Geisianne Bolade, “trata-se de um endividamento superior àquele possível de ser suportado pelos rendimentos do indivíduo, logo, não se abarca nesse conceito o mero descumprimento de obrigações financeiras” (2012, p. 184). Este se divide em ativo e passivo.

O superendividamento ativo ocorre quando o consumidor age de forma ativa para o acúmulo de bens (essenciais ou não), gastando mais do que ganha, endividando-se, mesmo que de boa-fé; já no superendividamento passivo, o que ocorre é um imprevisto, o consumidor se endivida por motivos alheios a sua vontade (TONETTI; CASALI, 2012). O que será analisado a seguir é o superendividamento ativo, em que o consumidor, mesmo que de boa-fé, endivida-se pela prática do consumismo.

A publicidade nesse contexto se insere como meio, produzindo uma mudança conceitual na amplitude do crédito, cujo poder é superior ao do consumo, oferecendo ao consumidor mais do que bens ou serviços, conferindo status; num primeiro momento, os consumidores que são mais facilmente percebidos e vulneráveis são os que não possuem condições de defesa contra os abusos da publicidade, logo, não têm condições de exercer verdadeiramente a autonomia da vontade (BOLADE, 2012).

Ratifica-se assim que o perfil do superendividado em razão do consumismo se define como um sujeito vulnerável (seja em razão de sua posição social ou em função de sua idade), bem como um sujeito cobiçoso, em busca de uma situação econômica diversa, teoricamente superior (sensação gerada em razão da compra de bens supérfluos).

Nesse sentido, surge a necessidade da regulamentação da concessão do crédito no Brasil, a fim de manter o acesso a todos igualmente, sem distinção de classe, mas obrigando a materialização dos deveres de informação, de forma a reforçar a observância dos deveres anexos decorrentes da boa-fé, a exemplo do dever de cooperação, de lealdade e aconselhamento (BERTONCELLO, 2014).

A informação na atual conjuntura se manifesta como essencial ao indivíduo, tanto para que o sujeito saiba o que está consumindo, quanto para evitar possíveis danos e prejuízos.

Para Tonetti e Casali, existem soluções para a minimização do problema do superendividamento. São elas, a implementação de uma política nacional nas relações de consumo contida nos artigos 4º e 5º do Código de defesa do Consumidor, bem como a proteção do consumidor em conformidade com a necessidade de desenvolvimento econômico, tutelando os princípios que fundam a ordem econômica, consagrados no artigo 170 da Constituição Federal (TONETTI; CASALI, 2012).

O superendividamento não se extinguirá totalmente, sendo possível apenas reduzir o altíssimo número de superendividados, com contrapropagandas e políticas de conscientização nacional, capazes de refrear o consumo exacerbado. Esse movimento se faz imprescindível, uma vez que aqueles que estão com o crédito negativado perdem muito mais do que apenas o direito a comprar a prazo.

O Estado nesse contexto deve promover aquilo que o Código de Defesa do Consumidor já prevê em seu teor. É necessário que se efetivem políticas de prevenção do superendividamento e não apenas de repreensão, como ocorre hodiernamente Se houvesse a prevenção do crédito negativo, pouco se discorreria sobre os cidadãos que se reduzem à insolvência e consequentemente, à pobreza e à miséria.


Notas e Referências:

BERTONCELLO, Karen Rick Danilevicz. Tratamento do superendividamento no Poder Judiciário: análise de caso-referência (Comarca de Sapiranga). Revista Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n. 97. 2014.

BOLADE, Geisianne Aparecida. O Superendividamento do Consumidor como um Problema Jurídico-Social. Revista ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano III, nº 8, jul/dez, 2012. 180-209 p.

RETONDAR, Anderson Moebus. Sociedade de consumo, modernidade e globalização. São Paulo: Annablume; Campina Grande: EDUFCG, 2007. 120 p.

TONETTI DOS SANTOS, Patricia; CASALI; Ellen Cassia Giacomini. O Superendividamento do Consumidor. Revista Linhas Jurídicas (UNIFEV) v. 4, n. 4, jun, 2012. 148-154 p.


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Laura Mallmann Marcht. . Laura Mallmann Marcht é acadêmica do Curso de Direito da UNIJUÍ-RS e bolsista voluntária no projeto de pesquisa “Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista”, coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Copetti Neto. .


Bruna Fernanda Bronzatti

. Bruna Fernanda Bronzatti Acadêmica do Curso de Direito da Unijuí. Bolsista de iniciação científica PIBIC/CNPq no projeto “Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista”. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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