O pedido de impeachment contra o vice-presidente Michel Temer e a concessão parcial da liminar no MS 34.087 pelo ministro Marco Aurélio - Por Diogo Bacha e Silva, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia e Bernard

06/04/2016

No dia 05 de Abril, o Ministro Marco Aurélio concedeu liminar no Mandado de Segurança 34.087, impetrado por Mariel Márley Marra, contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados que negou seguimento à denúncia apresentada para instauração de processo de impeachment contra o Vice-Presidente da República [1]. Além de questionar a decisão do Presidente da Câmara de não instauração do processo de impeachment e pedir ao STF que impusesse àquela Presidência que desse seguimento à denúncia, foi também solicitado, em sede liminar, que ambos os processos por crime de responsabilidade, do Vice-Presidente e da Presidente, tramitassem em conjunto; e que, para isso, o segundo ficasse aguardando a tramitação do primeiro até que esses estivessem na mesma fase.

O Ministro Marco Aurélio, na decisão do pedido liminar, deu provimento parcial, conhecendo apenas do primeiro pedido – entre outras razões, o segundo pedido não foi conhecido porque não há conexão entre os atos imputados à Presidente e ao Vice. Segundo a fundamentação do Ministro, a decisão do Presidente da Câmara dos Deputados, embora tenha declarado que a petição apresentada pelo impetrante satisfaz os critérios formais, rejeitou a denúncia adentrando ao mérito da acusação. Nessa medida, entende o Ministro Marco Aurélio que não cabe ao Presidente da Câmara dos Deputados rejeitar a denúncia adentrando o mérito que, na verdade, é da competência da Comissão Especial, a teor do art. 20, caput, da Lei 1.079/50 e art. 218, §§ 2o e 5º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD); para o Ministro, então, o Presidente da Câmara não teria competência para decidir sozinho pelo arquivamento da denúncia, cabendo remetê-la a uma comissão especial. Portanto, a liminar é deferida para determinar o afastamento da decisão do Presidente da Câmara dos Deputados que rejeitou a denúncia e dar seguimento à sua tramitação com a formação da comissão especial[2].

A decisão do Ministro Marco Aurélio, portanto, entende que o Presidente da Câmara dos Deputados apenas deve analisar a regularidade formal da denúncia popular apresentada nos termos do art. 14 da Lei 1.079/50. Contudo, ao fazê-lo, procede a uma verdadeira confusão entre justa causa e mérito, contrariando, aliás, entendimentos anteriores do próprio Supremo Tribunal Federal.[3]

Assim, vale lembrar o recente julgamento da ADPF 378 pelo Supremo Tribunal Federal que consignou expressamente a possibilidade de aplicação subsidiária dos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal desde que compatíveis com os preceitos legais e constitucionais[4]. Assim, muito embora a Lei 1.079/50 não determine expressamente a análise da justa causa da denúncia pelo Presidente da Câmara dos Deputados, tem-se que considerar a aplicação subsidiária do art. 218, § 3o, do RICD – que, aliás, a decisão liminar não enfrenta – bem como o art. 395, III do Código de Processo Penal.

Veja-se que o art. 218, §2º do RICD determina que a denúncia só deve ser despachada para a Comissão Especial quando preenchidos os requisitos legais e, da decisão de indeferimento da denúncia, o art. 218, §3º prevê a interposição de recurso para o plenário da Câmara dos Deputados. Por óbvio, a análise da presença dos requisitos de uma denúncia não implica apenas a sua regularidade formal ou não, mas, consoante prescreve o art. 395, III do CPP, a existência da justa causa.

Por isso mesmo o Supremo Tribunal Federal deixa consignado que o papel do Presidente da Câmara dos Deputados no ato de recebimento da denúncia de crime de responsabilidade não é meramente burocrático, devendo sim rejeitá-la quando a mesma for despida de justa causa[5].

A decisão do Ministro Marco Aurélio não resiste a uma análise de coerência e integridade e nem a uma mera leitura sistemática da Constituição da República, da lei 1.079/50, do RICD e do Código de Processo Penal, além de trazer um sério risco jurídico para a ampla defesa e para a estabilidade das instituições. Vale dizer, se o Presidente da Câmara dos Deputados somente analisa a denúncia sob o ângulo formal, então por óbvio o Presidente da Câmara dos Deputados não poderá restringir a acusação no despacho que encaminha a denúncia para a Comissão Especial, podendo a Comissão Especial analisar outros aspectos que não estão devidamente recebidos na denúncia. Ademais, a pergunta que resta é: todas as posteriores denúncias que tenham os requisitos formais preenchidos devem ser recebidas? Acaso o entendimento da liminar prevaleça, a Câmara dos Deputados terá uma única função constitucional, inviabilizando todas as outras: analisar as denúncias de crime de responsabilidade contra os Presidentes da República?

Uma questão levantada pelo Ministro Gilmar Mendes[6] e não enfrentada pelo Ministro Marco Aurélio, neste momento processual, poderia levar ao não conhecimento do Mandado de Segurança. Ironizando, Gilmar Mendes levanta a questão acerca da existência ou não de previsão de impeachment relativamente ao Vice-Presidente.

É preciso mencionar que a Constituição da República faz referência ao crime de responsabilidade do Vice-Presidente nos arts. 51, I e 52, I, respectivamente, quando delimita a competência da Câmara dos Deputados para a autorização e do Senado Federal para o processo e julgamento. No entanto, a Lei 1.079/50 que regulamenta o processo e o julgamento dos crimes de responsabilidade só faz menção ao Presidente da República (e outras autoridades), sem qualquer referência ao Vice-Presidente – mesmo tendo a referida lei passado por reforma relativamente recente. Dessa forma, e sabendo que o impeachment ostenta nítida natureza jurídico-penal, não seria o impeachment do Vice-Presidente uma ofensa ao princípio da legalidade e da reserva legal?

Ora, a questão central no debate é o papel constitucional do Vice-Presidente da República. Basta vermos que, nos termos do art. 79 da Constituição da República, compete ao Vice-Presidente substituir o Presidente da República no caso de impedimento e sucedê-lo no caso de vaga.

No caso da substituição que, como sabemos, é o exercício temporário da Presidência pelo Vice-Presidente, em verdade, o Vice-Presidente atua no exercício das funções da Presidência, praticando todos os atos da competência do Presidente da República – assim, é que ao assumir os poderes (art. 84), assume também os deveres e ônus do cargo (art. 85). Nessa hipótese, cabível a responsabilização do Vice-Presidente por crime de responsabilidade quando ele estiver atuando na condição de Presidente da República. Não há, aqui, nenhuma analogia ou interpretação extensiva, vedada na responsabilização jurídico-criminal, já que não se está responsabilizando por analogia o Vice-Presidente, mas sim o Presidente da República em exercício, isto é, o Vice-Presidente que atuou nas funções da Presidência da República.

Portanto, somente cabe falar em crime de responsabilidade do Vice-Presidente quando este substituiu o Presidente da República, muito embora essa questão central para o debate constitucional não tenha sido trazida nem pelo impetrante, nem tenha sido apreciada na decisão liminar no Mandado de Segurança n. 34.087, do Ministro Marco Aurélio. Exercendo funções próprias como Vice-Presidente,[7] estará sujeito à lei de improbidade administrativa e não à lei de crime de responsabilidade. Exercendo temporariamente a função de Presidente da República, o Vice-Presidente será, para aquele período de tempo, Presidente para todos os efeitos.

De forma que, ao contrário do que disse o Min. Gilmar Mendes,[8] não é de “impeachment de Vice-Presidente” que se trata, mas sempre de Presidente, ainda que, no caso, em exercício, o que lhe coloca, como já dito, com os poderes e deveres do cargo; a menos que se diga que certos Atos da Administração Pública, por serem feitos por interinos – no caso, com a plena liberdade/discricionariedade do cargo – sejam irresponsáveis, o que contrariaria os fundamentos da Constituição.

Sobre a liminar concedida “ad referendum” do Pleno do Tribunal, pelo Ministro Marco Aurélio, primeiramente é bom deixar claro que, até ou se essa liminar for cassada, não tem o Presidente da Câmara escolha senão cumpri-la; em segundo lugar, aguardaremos a forma como irão se posicionar os demais Ministros: se seguirão ou não o entendimento do Ministro Marco Aurélio. Contudo, é preciso que o STF, seja qual for a sua decisão, passe pela exata caracterização do caso: que o pedido de “impeachment de Vice-Presidente” possui previsão constitucional; contudo, na medida em que um crime de responsabilidade apenas possa se dar durante o exercício, pelo Vice-Presidente, da função de Presidente da República.

Por fim, cabe dizer que, na esteira da práxis assentada na Câmara dos Deputados e também em julgados do STF, pode o Presidente daquela Casa não dar seguimento a pedidos de impeachment quando não houver justa causa para o mesmo. Nisso não está o Presidente da Câmara adentrando no mérito, mas se cingindo à admissibilidade inicial da denúncia.

Claro que ainda resta o problema acerca da falta de coerência jurídica por parte do Presidente da Câmara em não aceitar um processo de impeachment contra o Vice-Presidente, por supostos atos que teriam sido por ele cometidos no exercício da Presidência, mas ter aceitado o pedido de impeachment contra a Presidente, já que ambos os pedidos foram propostos alegando-se, pelo menos, uma mesma hipótese em que, em verdade, não configura justa causa para se dar seguimento ao processo, em ambos os casos. Mas esse não foi, de fato, o fundamento apresentado pelo Ministro Marco Aurélio para a concessão da liminar.

A decisão liminar positiva do Ministro Marco Aurélio, nos termos em que foi posta, invade competência do Poder Legislativo e, tomando-se as questões aqui apresentadas, não pode prosperar.


Notas e Referências:

[1] Decisão disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/34087MMA.pdf, acesso em 06 de Abril de 2016.

[2] Decisão disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/34087MMA.pdf, acesso em 06 de Abril de 2016.

[3] Ver, BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes; BACHA e SILVA, Diogo; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. O Impeachment e o Supremo Tribunal Federal: História e teoria constitucional brasileira. Florianópolis: Editora Empório do Direito, 2016.

[4] “[...] concessão parcial para estabelecer, em interpretação conforme a Constituição do art. 38 da Lei nº

1.079/1950, que é possível a aplicação subsidiária dos Regimentos Internos da Câmara e do Senado ao processo de impeachment, desde sejam compatíveis com os preceitos legais e constitucionais pertinentes” (STF, ADPF 378, rel. p/ acórdão Min. Luis Roberto Barroso, julgado em 17/12/2015). Para uma análise ampla ver: BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco Moraes, BACHA E SILVA, Diogo, CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. O impeachment e o Supremo Tribunal Federal: história e teoria constitucional brasileira. Florianópolis: Editora Empório do Direito, 2016.

[5] “(...) a competência do Presidente da Câmara dos Deputados e da Mesa do Senado Federal para recebimento, ou não, de denúncia no processo de impeachment não se restringe a uma admissão meramente burocrática, cabendo-lhes, inclusive, a faculdade de rejeitá-la, de plano, acaso entendam ser patentemente inepta ou despida de justa causa. (...)” – STF, Plenário. MS. n. 30672 (AgR.), Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 15/09/2011.

[6] Segundo o Min. Gilmar Mendes: “Eu também não conhecia impeachment de vice-presidente. É tudo novo para mim. Mas o ministro Marco Aurélio está sempre nos ensinando”. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-brasil/2016/04/05/nao-conhecia-impeachment-de-vice-presidente-diz-gilmar-mendes.htm, acesso em 06 de Abril de 2016.

[7] O art. 79 da Constituição de 1988 trata das funções do Vice-Presidente e ainda delega a uma Lei Complementar – que ainda não foi aprovada, apesar de tentativas nesse sentido já terem sido avençadas – a designação de outras atribuições. Como ressalta Bernardo Gonçalves Fernandes, o Vice-Presidente possui funções próprias – as mencionadas na Constituição: substituir/suceder o Presidente; participar do Conselho da República e do Conselho de Defesa e as que podem lhe ser definidas em futura Lei Complementar. Possui também o que se chama de funções impróprias, mencionadas no parágrafo único do art. 79 e que seriam as “missões especiais” designadas pelo Presidente da República – a Constituição não diz que missões seriam essas e nem há lei regulamentando a matéria (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 7a ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 932).

[8] E, igualmente, a Mesa da Câmara, em resposta ao Mandado de Segurança: “[p]ara a Câmara, além de tratar-se de um pedido genérico, o vice-presidente não pode responder por crime de responsabilidade, porque assume eventualmente a Presidência da República”. Cf. http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-brasil/2016/04/05/nao-conhecia-impeachment-de-vice-presidente-diz-gilmar-mendes.htm, acesso em 06 de Abril de 2016.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Michel Temer /2014-12-18 - Vice-Presidente Michel Temer durante cerimônia de diplomação/ Foto de: Anderson Riedel // Sem alterações

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